21 de mai. de 2008

O adulto e o jogo


Como dar conta do poder que essa pequena bola detém sobre milhares de seres humanos que, no estádio ou pela televisão, acompanham horas a fio suas idas e vindas? Qual é a natureza do espanto provocado cada vez que a bola desorienta suficientemente um dos jogadores para que ele a deixe passar? E a que corresponde, no espectador, o desejo de ser espantado por esse instante efêmero?

Será por não conseguir encontrar, em suas próprias vidas, tais instantes fugidios de espanto, que os homens assistem, milhares deles, a essas partidas de futebol ou tênis, a essas cenas que vão sempre permitir a encenação do desaparecimento espantoso de uma bola nos bastidores?

Antes do instante de ruptura introduzido por uma bola vitoriosa, uma espécie de aliança, que funciona durante um certo tempo, se trava entre meu adversário e eu: a bola, que é objeto de uma troca entre nós, institui um laço onde cada um é alternativamente aquele que a recebe, antes de ser quem a lança. Nesse tipo de troca, os movimentos de ir-e-vir da bola são regidos por um mecanismo especular em que tudo deve ser simétrico: cada parceiro só lança a bola no lugar em que o outro a espera.

Nesse tipo de diálogo, trava-se uma cumplicidade entre os dois jogadores, que estão seguros de dividir o mesmo espaço especular, o mesmo espaço a três dimensões; cada um sabe que no instante em que intervir a quarta dimensão, a do tempo, o espaço, deixando de ser repartível, não mais permitirá aos dois jogadores repartir a bola, o que, por conseqüência e necessariamente, fará um dos dois perdê-la.

O que caracteriza aliás um grande campeão de tênis, para além da aptidão muscular, parece ser uma aptidão poética que lhe confere a capacidade de saber – tal qual Alice – passar por intermédio da bola – para o outro lado do espelho -, numa quarta dimensão.
O que ocorreu no instante fugidio em que meu parceiro a transformara em objeto invisível, colocando a bola lá onde eu não via nem sombra dela?

Operou-se uma autêntica transformação segundo a qual um objeto de troca, movido pela simetria, adquiriu o privilégio espantoso de se subtrair ao regime da troca especular, para ser metamorfoseado em objeto perdido.
Perdi a bola, porque meu adversário a lançou num lugar em que é meu saber que se perde, de tal forma que no instante em que, de visível, ela passa a invisível, não é somente a bola que está perdida: também eu o estou.
Alain Didier-Weill
Picture by Reynaldo Fonseca

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