14 de mar. de 2014

Hora de quebrar a flute?

Taças são importantes para apreciar o vinho. E, pelo simbolismo envolvido (é, por natureza, um vinho de celebração), nenhuma é tão importante como a de champanhe. Pois é justamente esse o centro do mais recente debate no mundo do vinho. Quem está na berlinda é a flute (flauta), a taça de formato cilíndrico, de longe a mais usada. E o que está em discussão é se ela cumpre sua missão.

Até o advento da flute, quem fazia esse papel era a coupe, a taça aberta e bojuda onipresente nos salões elegantes e nas cristaleiras. Conta a lenda que seu formato teria sido moldado nos seios (mais precisamente, sabe-se lá por que, o esquerdo) de Maria Antonieta, a rainha da França guilhotinada em 1793, mesmo ano em que seu marido, o rei Luís XVI, perdera a cabeça.
Lendas à parte (em outra versão, os seios em questão teriam sido os de Madame Pompadour), o reinado da coupe só terminou na década de 1960, quando surgiram as flutes, que, por seu formato, tomaram emprestado o nome do instrumento musical. A flute aumentou o impacto visual da bebida, provocando aquela explosão de bolhinhas que sobem rapidamente do fundo para o alto da taça. Só que agora ela virou alvo. A polêmica da flute começou há uns dois anos, mas voltou a tomar força recentemente. Acusação? Não revelar todos os segredos de um bom champanhe.
O alerta partiu de ninguém menos que o jovem Maximilian Riedel, 11ª geração da família austríaca (como a rainha decapitada), hoje no comando do mais conhecido e respeitado fabricante de copos e taças concebidos especificamente para o consumo de vinhos.
Em recente entrevista à revista especializada inglesa Decanter, Riedel atacou a flute por apresentar o champanhe de forma unidimensional, nivelando por baixo a percepção de seus aromas e sabores. A maioria dos especialistas concorda que nem coupe nem flute tem o formato ideal para o champanhe, principalmente as cuvées especiais e os safrados.
Taças mais abertas, como as coupes, facilitam a rápida dispersão dos aromas e do gás. Taças cilíndricas e estreitas, como as flutes, ajudam a concentrá-los, só que o gás acaba sobrepondo-se aos demais aromas, como aponta Riedel. A grande ironia é que o novo formato que se preconiza (um pouco mais aberto no meio, para aumentar a aeração) lembra o das nossas conhecidas tulipas de chope.
Há quem pense que essa “terceira via” não precisa ser uma nova taça. Bastaria recorrer às usadas para brancos ou tintos. A escolha dependeria da composição do champanhe. A própria casa Moët & Chandon, um dos maiores produtores, sinalizou nessa direção. Ao lançar, há dois anos, um champanhe 100% Chardonnay para ser bebido com gelo, recomendou servi-lo em taças de vinho branco tranquilo (não espumante) feito com essa uva.
FLUTE
Atualmente é o modelo mais usado para servir espumantes. Seu formato longilíneo faz com que o gás dure mais, mantendo as bolhinhas por mais tempo. 

A haste longa evita o contato das mãos com o bojo, o que esquentaria a bebida. 

Por outro lado, a boca estreita limita a apreciação dos aromas e favorece uma grande concentração de gás carbônico na superfície, assim que a bebida é servida, o que costuma irritar as narinas. O formato das flutes pode variar sutilmente, com laterais arredondadas ou retas, bocal mais fechado ou mais aberto e diferentes tamanhos de hastes.


MARIA ANTONIETA
Por ter bojo largo a taça faz o gás se perder mais facilmente e o formato achatado também não facilita a apreciação das borbulhas. 

Apesar disso, depois de ter marcado presença no seriado Mad Men e nos filmes O Grande Gatbsy e The Grand Budapest Hotel, há quem aposte na volta do modelo. A Maria Antonieta reinou dos anos 1930 aos 1960, quando se montavam pirâmides de taças e servia o espumante em cascata. 

Apesar da lenda que envolve o seio de Maria Antonieta, ou de Madame Pompadour, o fato é que ela surgiu pelo menos um século antes delas, e na Inglaterra, não na França.


RIESLING
Maximilian Riedel defende a taça ao lado para o champanhe, especialmente o que tem como base a Chardonnay. 

Originalmente o modelo foi concebido para Riesling. Ele diz que, após várias degustações às cegas, muitas delas com chefs de cave de Champagne, constatou que esse formato revela toda a expressão aromática de champanhes de qualidade. Para um champanhe feito com base na Pinot Noir ou na Pinot Meunier (blanc de noirs) ele sugere o modelo de copo usado para a Pinot Noir, uma taça ainda maior e bastante bojuda. O fabricante jura que não diz isso só para vender mais taças.


TAÇA DO ESPUMANTE BRASILEIRO
O espumante brasileiro também tem sua taça. Ela foi apresentada pela Cristallerie Strauss em 2009, durante a 17ª Avaliação Nacional de Vinhos, no Rio Grande do Sul. 

Depois de testada por enólogos, pesquisadores e consumidores brasileiros, o modelo desbancou 25 concorrentes, não apenas pela estética, mas por sua originalidade e funcionalidade. A taça é feita de cristal fino e tem a forma de uma minitulipa, que favorece a concentração da efervescência em um fio central. O bojo largo e a boca sutilmente fechada facilitam a liberação e a concentração dos aromas, o que permite melhor apreciação dos espumantes de qualidade. 

O volume também foi pensado para evitar que o espumante permaneça muito tempo na taça e acabe esquentando. O enólogo Adolfo Lona aprova quase tudo nela, menos as ranhuras no fundo, o que, segundo ele, ativa muito a liberação do gás, ou seja, reduz a vida do espumante.
Guilherme Velloso

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