A crise após as eleições presidenciais no Irã se desenvolveu em uma velocidade tão vertiginosa que ainda é difícil entender as suas possíveis implicações.
Até cerca de duas semanas atrás, o presidente Mahmoud Ahmadinejad podia alegar que o Irã era um país "quase completamente livre".
Já havia céticos então. Agora, a imprensa estrangeira no país está sendo obrigada a trabalhar sob algumas das mais duras restrições do mundo.
Cabe perguntar onde esta crise pode chegar e o que quer a oposição.
Até o momento, os manifestantes iranianos exigem apenas uma coisa: a convocação de novas eleições, já que eles acreditam que o opositor Mir Houssein Mousavi teria vencido o pleito da semana passada, enquanto os resultados oficiais apontam para uma vitória de Ahmadinejad.
Quando os manifestantes gritam nas ruas "morte ao ditador", não dizem a quem exatamente estão se referindo. Eles podem não apenas estar se dirigindo ao presidente Ahmadinejad, mas também ao líder supremo do país, o aiatolá Ali Khamenei.
Mesmo assim, isto não é um desafio aberto ao sistema islâmico que governa o país desde a Revolução de 1979, pelo menos até agora.
As mulheres que participam dos protestos, por exemplo, ainda não estão tirando os véus que cobrem suas cabeças, embora muitas não gostem de ser obrigadas a usá-los.
Os manifestantes também costumam gritar "Deus é grande", querendo ressaltar que eles são tão religiosos quanto aqueles que apoiam o governo.
Dignidade e prisões
O governo reage aos protestos com uma exibição de dignidade ferida, como se a ideia de que ele pudesse ter fraudado as eleições fosse impensável, embora a oposição veja a fraude como bastante evidente.
Embaixadores estrangeiros são convocados um a um e censurados até mesmo por ousarem criticar a morte de manifestantes.
Enquanto isso, as autoridades enviam seus "brutamontes", os Basijis - membros da milícia pró-governo - para intimidar os oposicionistas.
Dormitórios estudantis são revirados, manifestantes são detidos durante os protestos.
Blocos de apartamentos de onde os iranianos gritam palavras de ordem são invadidos e carros destruídos.
A onda de prisões chegou a um ponto em que até um dos mais próximos assessores do aiatolá Khomeini, Ebrahim Yazdi, foi detido.
Até agora, nenhuma decisão foi tomada pelo governo para realmente controlar a crise, mas isto deve acontecer cedo ou tarde.
Luta de gigantes
Enquanto isso, uma disputa de poder está acontecendo no topo do sistema iraniano.
O aiatolá Ali Khamenei apostou sua carreira política no apoio inequívoco à vitória do presidente Mahmoud Ahmadinejad nas eleições.
Khamenei tem muitas cartas nas mãos. Ele é o comandante supremo das Forças Armadas, além de ser apoiado fielmente pelo Conselho dos Guardiões, que está revisando os resultados do pleito.
Até agora, ninguém ousou questionar sua autoridade, pelo menos não abertamente.
Mas, do outro lado, está o ex-presidente Akbar Hashemi Rafsanjani, que tem apoiado as campanhas oposicionistas.
Desde o início da campanha, ficou claro que ele desejava se vingar de Ahmadinejad, que o venceu nas eleições presidenciais de 2005.
Além disso, há provavelmente uma rivalidade mais profunda com o líder supremo do país. Rafsanjani apoiou Khamenei quando ele sucedeu Khomeini, em 1989.
Esta rivalidade veio à tona quando, durante um debate televisionado, Ahmadinejad acusou a família de Rafsanjani de corrupção.
Muitos iranianos acreditam que as acusações podem ser verdadeiras, mas maneira como foram feitas por Ahmadinejad causaram escândalo.
A acusação fez com que Rafsanjani escrevesse uma carta sem precedentes para o líder supremo, pedindo que ele agisse a respeito e fazendo ameaças.
Rafsanjani escreveu que, se nada fosse feito, "os vulcões que queimam dentro de peitos flamejantes aparecerão na sociedade, como vemos nas reuniões a que assistimos nas ruas, praças e universidades".
Estas "chamas", disse Rafsanjani na carta, podem se "espalhar pelas eleições e além delas".
Akbar Hashemi Rafsanjani também tem armas poderosas.
Ele é o líder da Assembleia dos Especialistas, o grupo de clérigos responsável por eleger, supervisionar e até substituir o líder supremo do país.
Uma ação do grupo contra Khamenei seria inédita. Mas Rafsanjani recentemente foi reeleito para o cargo com uma grande maioria. Além disso, Khamenei também tem muitos inimigos entre os clérigos.
Rafsanjani também lidera o Conselho de Discernimento, que é responsável por mediar as disputas entre os órgãos do governo.
Além disso, a conhecida riqueza de Rafsanjani não pode ser subestimada.
Futuro
Pode ser que existam partidários do governo que estejam ficando encorajados pelas manifestações, mas há também muitos que têm uma adoração genuína por Ahmadinejad.
Entre os oposicionistas, a crise após as eleições fez com que anos de frustração contra o sistema viessem à tona.
Os dois lados podem estar discutindo agora a questão das eleições. Mas a verdadeira discussão é sobre o futuro do Irã. Esta é uma batalha importante, gigantesca, cujo resultado ninguém pode prever.
Jon Leyne - BBC
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