10 de dez. de 2010

Arquitetura do Silêncio

Entre a porta e a mão que bate à porta vai a distância da carne à madeira a distância do corpo que toca esse pedaço de árvore à existência da própria árvore toca a mão na madeira (direi porta?) como se tocasse toda a substância da casa o seu vento as suas vozes os seus cheiros os seus objetos a totalidade do espaço
que se adivinha para além das janelas e das paredes bate na tarde à porta a mão na tarde ou talvez pela manhã acompanhando a solidão que transforma o tempo à porta a mão identifica todo o corpo
que no exterior toca bate acorda tarde à porta bate a voz da montanha não apenas pássaro ou árvore pedra ou riacho mas toda a pedra repetida no interior da sombra
e do som dos pássaros na escada toda a terra concentrada na mão que bate à porta acariciando o retrato da inquietação e do inverno entre a porta e o interior da casa dos livros reúne cor e ramagem frio e alimento viagens como naufrágios ou inscrições registadas na habitação da tristeza
Ruy Ventura
picture by Sam Francis

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