Entre a porta e a mão que bate à porta
vai a distância da carne à madeira
a distância do corpo que toca esse pedaço de árvore
à existência da própria árvore
toca a mão na madeira (direi porta?)
como se tocasse toda a substância da casa
o seu vento as suas vozes os seus cheiros
os seus objetos a totalidade do espaço
que se adivinha para além das janelas e das paredes
bate na tarde à porta a mão
na tarde ou talvez pela manhã
acompanhando a solidão que transforma o tempo
à porta a mão identifica todo o corpo
que no exterior toca bate acorda
tarde à porta bate a voz da montanha
não apenas pássaro ou árvore pedra ou riacho
mas toda a pedra repetida no interior da sombra
e do som dos pássaros na escada
toda a terra concentrada na mão que bate à porta
acariciando o retrato da inquietação e do inverno
entre a porta e o interior da casa
dos livros
reúne cor e ramagem frio e alimento
viagens como naufrágios ou inscrições
registadas na habitação
da tristeza
Ruy Ventura
picture by Sam Francis
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