3 de jan. de 2012

Sensualidade, sexualidade e vulgaridade

Uma experiência sensual

Saí da Universidade Federal Fluminense (RJ), após uma palestra, com um objetivo: visitar o Museu de Arte Contemporânea de Niterói. "Nada mais fácil", disse meu gentil anfitrião.

E lá fomos nós em direção ao Mirante da Boa Viagem, aproveitando a maravilhosa visão que se tem da orla que hoje é chamada de Caminho Niemeyer. Estamos na boca da baía da Guanabara, uma posição privilegiada voltada para a cidade do Rio de Janeiro, que se exibe faceira com seu relevo fantástico, em que o Pão de Açúcar é a peça de resistência. Aviões mergulham em direção ao mar encontrando o aeroporto Santos Dumont.

E eis que de repente surge à nossa frente aquela obra futurista, um imprevisível disco de concreto que parece flutuar sobre o promontório como se estivesse se preparando para decolar em direção a seu planeta de origem: o incrível cérebro criativo de Oscar Niemeyer. Seu acervo é formado por arte do século 20, e o prédio é, sem dúvida, sua obra mais vistosa. Consta que o arquiteto percebeu que aquela paisagem pedia um prédio assim, e ele o viu imediatamente. Bastou acrescentar uma rampa e o projeto estava pronto.

Se pudéssemos definir o MAC Nit, como é carinhosamente chamado, poderíamos utilizar vários adjetivos, como futurista, surpreendente, arrojado e, sem dúvida, poderíamos conceder a ele a qualidade de ser sensual, uma marca persistente na obra do arquiteto centenário que o projetou. Sobre seu estilo, disse Niemeyer: "Não é o ângulo reto que me atrai, nem a linha reta, dura, inflexível, criada pelo homem. O que me atrai é a curva livre e sensual, a curva que encontro nas montanhas do meu país, no curso sinuoso dos seus rios, nas ondas do mar, no corpo da mulher preferida. De curvas é feito todo o universo, o universo curvo de Einstein".

Quando o arquiteto define sua obra como sensual, ele quer dizer que deseja que ela agrade aos sentidos, que a beleza das curvas é, naturalmente, mais confortável à observação humana, que o belo atrai, conforta e enleva a alma. A sensualidade da forma é necessária. A obra que parece ter saído de um sonho nos ajuda a viver, pois precisamos do sonho para enfrentar a realidade.

Sexo e sensualidade

Não devemos, então, classificar de sensual algo que não tem uma conotação sexual? O concreto curvo de Niemeyer nos inspira a pensar e a ousar. A sensualidade que ele denota é o que buscamos para completar nossa capacidade de criar e de crescer. Sensualidade é vida, mas não necessariamente sexo.

Entretanto, quando ouvimos falar em sensualidade, a maioria de nós pensa em sexo, acreditando um ser sinônimo do outro. Não é correto, ainda que haja alguma verdade nesse pensamento, pois a sensualidade certamente pode ser considerada como um ingrediente essencial para uma experiência sexual mais rica. No entanto, enquanto sensualidade parece ser parte essencial do sexo bom, a sexualidade não representa a única esfera da expressão sensual. Sensualidade é muito mais abrangente. Ela começa com a consciência e abarca todos os nossos sentidos.

Ter um approach mais sensual nos leva a ter uma vida mais satisfatória e plena. Se você conseguir canalizar adequadamente seu estado mental, você poderá tornar qualquer experiência em uma experiência sensual. Comer um chocolate, apreciar uma refeição, meditar ou observar sua própria respiração ou a de alguém. Dançar, sentir o cheiro de flores, olhar para o rosto da pessoa amada. Qualquer coisa!

A sensualidade envolve uso dos sentidos, mas vai além, pois, quando você traz a experiência para o nível da consciência e da intuição, aquele momento transcende a sensação. Sensualidade é uma forma de permitir que a paixão e a reverência entrem em sua vida - uma vida que passa a ser mais gratificante e apreciada, até mesmo nos momentos mais difíceis.
O escritor americano James A. Baldwin disse que "ser sensual é respeitar e exultar a força da vida, da vida por si só, e estar presente em tudo o que se faz, desde o esforço do amor até a feitura do pão". E ele tinha razão, a sensualidade representa e enaltece a força da vida e todas suas dimensões. Há poemas sensuais, músicas, sorrisos, flores, animais sensuais.

Sedução

Enquanto sensualidade é a qualidade de agradar aos sentidos, sedução poderia ser definida como a capacidade de atrair, encantar, fascinar o outro com o intuito de alcançar determinados objetivos. Visto dessa forma, a sedução faz parte das relações de todos os tipos. Não é só o garoto que deseja seduzir a menina por quem ele está encantado. As pessoas em geral, todos nós, sem exceção, buscamos seduzir nossos interlocutores para que haja melhoria na convivência e na qualidade de vida.

Da mesma forma, quando produzimos algo, buscamos seduzir. A propaganda utiliza-se da sedução para induzir ao consumo. Os poetas e escritores querem seduzir seus leitores para que estes não queiram largar seus livros. Os arquitetos, como o "rei das curvas" Niemeyer, buscam projetar prédios que tragam específicas sensações e transformem-se em objetos de desejo.
Nas ciências sociais, sedução é o processo de incitar deliberadamente uma pessoa para atraí-la. A palavra sedução vem do latim e literalmente significa "afastar alguém dos seus votos, da sua lealdade". Assim, concluímos que o termo possui uma conotação positiva, mas pode ter outra, negativa.

Quando vista pelo aspecto negativo, a sedução envolve tentação, normalmente de natureza sexual, para desviar alguém a uma escolha de comportamento que ela não teria não fosse tal estado de evocação sexual. Já vista pelo lado positivo, a sedução é sinônimo para o ato de encantar alguém através do apelo aos sentidos, com o objetivo de reduzir medos infundados.
A moralidade da sedução depende dos impactos que a mesma apresenta sobre os indivíduos envolvidos em longo prazo, e não no ato por si só. A sedução é algo recorrente na história e na ficção, como alerta para as consequências sociais que o comportamento de seduzir e ser seduzido apresenta, pois se trata de uma poderosa habilidade.

Na Bíblia, Eva seduziu Adão oferecendo-lhe o fruto proibido. Eva, por sua vez, fora seduzida verbalmente pela serpente, reconhecida pela cristandade como o demônio. As sereias, na mitologia grega, encantavam os marinheiros e os levavam para a morte. Cleópatra cativou Júlio César e Marco Antônio. A rainha persa Scheherazade se livrou da morte ao contar histórias sensuais.

Sim, a sedução é uma alavanca poderosa que usa a sensualidade como seu forte ponto de apoio. Não é boa nem má. Depende apenas de que objeto está sendo deslocado por ela.
Mas cuidado com a linha que separa o sensual do vulgar. Essa linha existe, e é tênue. Com frequência é ultrapassada e, quando acontece, a mistura desanda totalmente. A vulgaridade é a tentativa de transformar a sensualidade no sujeito e não no predicativo.

Com frequência associada à imagem feminina, a sensualidade passou a ser explorada como um objeto que pode ter valor comercial. Não creio, sinceramente, que haja muitas distorções de valor maiores do que essa. O vulgar ofende, agride, enfeia. O vulgar não é belo, é desprovido de sensualidade.

A mulher moderna é sensual. Tem sido vista como aquela que conduz sua vida dentro dos parâmetros da estética maior, que tem a sensualidade como uma aliada. A sensual não se expõe, não se oferece, apenas é. A mulher moderna não está esperando ser salva por um príncipe encantado; dispensa, com certo desprezo, o complexo de Cinderela.

A sensualidade da mulher moderna está em sua postura, não nos pedaços expostos de seu corpo; está na convicção sobre seu direito à integridade, ao respeito, à oportunidade. Há sensualidade na firmeza de uma mulher, porque ela é suave, não ofende.

Há o sensual, o sexual e o vulgar. Podem habitar o mesmo continente, mas são separados por barreiras geográficas bem demarcadas. A vulgaridade é burra, a sexualidade é necessária, a sensualidade é divina. Não confundir esses territórios faz com que nossos caminhos pela sejam trilhados com mais segurança e com muito mais alegria.

Sensualidade é saúde, movimento suave, olhar plácido, sorriso sincero, palavra bem colocada. É o senso de beleza precisa, sem artifício, sem exagero, com cuidado, atenção. A sensualidade é a matéria-prima do poeta, e há quem o seja sem nunca ter escrito um verso. Sim, pois ser poeta na vida é ter apreciado a beleza do amor, é ter cantado o canto da paixão, é ter explorado o caminho sensual de uma relação sobre a qual se pode dizer que foi inteira.
Eugenio Mussak

2 comentários:

Anônimo disse...

Uma visão absolutamente extraordinária. Só alguém com a sensualidade à flor da pele consegue ver/sentir desta forma.
Parabens

Anônimo disse...

Adorei; um olhar muito delicado sobre o assunto.
Parabéns.

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