15 de jun. de 2008

Medo

Você desenvolve um ótimo projeto e seu chefe lhe propõe uma apresentação para uma platéia cheia.É uma boa chance para mostrar seu talento a todos. Porém você declina da proposta porque a ideia de encarar um grupo de pessoas faz a barriga doer.

O que leva as pessoas a esse tipo de decisão? Um sentimento bem antigo e que esteve e sempre estará presente na humanidade: o medo, seja ele pequenino ou enorme.

É, porque não somos visitados apenas pelos grandes temores – da morte, de ter uma doença grave, de sofrer um desastre e afins. No dia-a-dia, somos colocados diante de várias situações em que precisamos decidir entre encarar ou parar.
E às vezes desistimos pelo receio de lidar com o incerto em um grau menor ou maior. O sociólogo polonês Zygmunt Bauman, considerado um dos grandes pensadores da atualidade, descreve bem esse tipo de sentimento em seu mais recente livro Medo Líquido. Em um trecho da obra, ele compara o medo à travessia pela neblina, onde não se pode enxergar 30 m à frente.

Bauman diz: “Fiel a esse ‘viver na neblina’, nossa ‘certeza’ direciona e focaliza nossos esforços de precaução sobre os perigos visíveis, conhecidos e próximos, perigos que podem ser previstos e cuja probabilidade pode ser calculada – embora os perigos mais assustadores e aterrorizantes sejam precisamente aqueles cuja previsão é impossível, ou extremamente difícil: os imprevistos, e muito provavelmente imprevisíveis”.

O medo tem, então, a ver com encarar o imprevisível e com coragem para enfrentar o que não lhe é confortável. Mas, que fique claro, ter medo não é sinal de fraqueza porque ninguém precisa ser corajoso o suficiente para passar pela vida com o peito aberto para tudo. 

A questão é quando começamos a declinar demais e sem perceber colecionamos uma série de desistências. E isso, ao longo do caminho, gera uma frustração danada, insegurança e mais medo e pode até abalar o que nos é tão caro: a autoconfiança.

Então, que tal fazer um balanço dos medos que incomodam, os pequeninos mesmo? Reconhecê-los é o primeiro passo. E assim ter uma vida mais leve e sem tantos tropeços porque, afinal, às vezes é preciso seguir pela tal da neblina e encarar o caminho, apesar das incertezas.

Há mesmo o medo de coisas que vêm da fantasia de cada um. A imaginação constrói, avoluma e, por vezes, aprisiona. Mas não vamos negar o medo que é acionado por um instinto de preservação. Esse é seu parceiro. Por exemplo, é tarde da noite, você está só, assistindo TV, quando uma porta bate. Não dá outra: o coração dispara, os músculos se enrijecem e todos os sentidos ficam em alerta.

Alguns segundos depois, quando percebe que era só o vento – e não um acontecimento incomum –, é que você volta a relaxar. Isso acontece porque em momentos de perigo iminente seu cérebro aciona um mecanismo ancestral que serve para torná-lo mais apto para a fuga ou o combate. O objetivo disso é preservar a vida. E o gatilho que dispara esse circuito é um velho conhecido: o medo. Aliás, ele não é algo exclusivo do ser humano.

Todos os animais compartilham essa emoção, e é graças a ela que a gazela sai correndo quando vê um leão. Esse tipo de medo é considerado positivo e necessário porque serve para nos proteger. É ele que nos faz, por exemplo, olhar para os dois lados antes de atravessar a rua – e não ser atropelado – ou impede, diante de um penhasco, que alguém se atire em queda livre, sem receio. Aliás, o mecanismo biológico por trás de qualquer tipo de medo (do bom e protetor àqueles que nos apavoram) é igual.

O psicobiólogo Marcus Lira Brandão, coordenador do Laboratório de Psicobiologia da USP de Ribeirão Preto, onde é desenvolvido o Projeto Psicobiologia do Medo e Estresse, explica que o medo provoca uma reação em cadeia no cérebro, que tem início com um estímulo de estresse, como uma platéia lotada ou uma batida repentina na porta. Funciona assim: uma vez recebido o sinal de estresse, o hipotálamo (região no cérebro) informa todos os circuitos cerebrais que é preciso entrar em ação, liberando hormônios como adrenalina e noradrenalina na corrente sanguínea.


Esses hormônios deixam o corpo mais alerta, pronto para lidar com uma ameaça. Daí aumenta a freqüência cardíaca, os sentidos ficam mais aguçados e os músculos tensos. “Tudo isso acontece para que a gente possa correr adoidado para fugir de um perigo ou, se for o caso, enfrentá-lo com todas as forças”, diz Brandão, que, como todo mundo, também tem seus medos – o dele é o de não entender o medo. “Se o cérebro recebeu um sinal de alerta, vai reagir como se estivéssemos frente a frente com o leão mais feroz da África, mesmo que se trate só de uma inofensiva barata”, explica o psicobiólogo.


De acordo com a psiquiatra Ana Beatriz Silva, autora de Mentes com Medo, da Compreensão à Superação, os motivos pelos quais uma pessoa tem um medo maior ou menor diante de um inseto, por exemplo, ou não tem coragem de enfrentar uma platéia variam de pessoa para pessoa e dependem da história de vida de cada um.

Mas a maneira de tentar superá-los é bem similar. “É necessário acolher o medo, em vez de negá-lo ou diminuir sua importância”, diz Ana Beatriz. “Só assim se torna possível lidar com esse sentimento”, explica. Parece difícil? Nem tanto.

É só lembrar de todas as vezes em que você já ficou muito triste. Não foi melhor assumir que estava mal mesmo e chorar tudo o que tinha para chorar? Com o medo, é a mesma coisa. “Para que ele não vire um bicho-papão, o melhor é encará-lo de frente, sem reservas”, explica a psicanalista Júnia de Vilhena, da PUC do Rio de Janeiro.


Você tem medo de que?


De não encontrar a cara-metade
Por trás disso, pode estar o medo da perda, ou ainda o temor de não ser suficientemente bom. “Quem não se sente digno de receber amor e de ser valorizado dificilmente consegue acreditar que merece coisas boas”, acredita Maria Conceição Bahia Valadares, terapeuta bioenergética que tinha medo de morrer afogada, mas mesmo assim fez um curso de mergulho e hoje nada em qualquer piscina.

A armadilha desse tipo de medo é ficar agradando os outros o tempo todo e assim se esquecer de si mesmo. “Quem se sente não merecedor de afeto muitas vezes acaba sendo submisso nas relações pessoais”, analisa Maria Conceição. É um passo para ficar roendo as unhas toda vez que está sozinho, achando que nunca mais vai encontrar alguém. Não há solução mágica para aprender a se valorizar e ser mais autoconfiante. De novo, um bom caminho é a busca o autoconhecimento. “Sem isso, é muito difícil lidar com medos tão primitivos, que podem ter surgido lá atrás, na infância”, acredita Maria Conceição.

De dirigir
“Trata-se de outro medo mais comum do que se pensa, principalmente entre as mulheres”, diz Ana Beatriz. Quase sempre ele está relacionado à dificuldade de assumir a autonomia, de dirigir e responsabilizar-se pela própria vida. A psicoterapia aqui pode ajudar porque as raízes dessa falta de confiança podem ser antigas. Há ainda as terapias que colocam a pessoa literalmente dentro do carro, com um psicólogo ao lado, que vai ajudando o motorista a lidar com seu pânico diante do volante. De ir a uma festa sozinho, de falar em público, de dizer “eu te amo”Todos esses exemplos se relacionam ao medo de se expor e eventualmente esconde uma dificuldade de aceitação. Por trás dela, pode estar também um desejo grande de se sentir querido ou mesmo revelar uma expressiva carência afetiva.

Uma das armadilhas causadas por esse tipo de medo é a criação de expectativas pouco realistas, já que a tendência é sempre evitar ou adiar a ação. A conseqüência é que, quando ela finalmente acontece, já criamos fantasias, como a de receber aplausos estrondosos durante uma apresentação sem maior importância e de arrasar naquela festa. Daí, a frustração é sempre maior. O medo de se expor em geral está ligado a questões íntimas e, muitas vezes, inconscientes. “Por isso, uma saída é procurar um terapeuta, que vai ajudar o paciente a se conhecer melhor e, dessa forma, entender por que ele se apavora diante das solicitações da vida”, diz a psicoterapeuta Junia de Vilhena.

De animais
Os mais comuns são de insetos, aranhas, cobras, cães, gatos, sapos, ratos e lagartixas. De acordo com a psiquiatra Ana Beatriz Silva, a melhor forma de resolver o problema é por meio da exposição ao que se teme. “O objetivo é treinar e habituar o paciente a reduzir a ansiedade, fornecendo a ele subsídios para o enfrentamento gradual”, diz Ana, em seu livro Mentes com Medo.

De dentista
Esse é dos medos comuns. Há gente que se apavora ao ouvir o barulho do motorzinho do dentista, outros se assustam ao ver a seringa da anestesia. Um bom papo com o dentista, claro, ajuda. Mas técnicas de relaxamento podem reduzir bastante o problema.

Quando vira fobia?
Quando começa a impedir atividades do dia-a-dia. Aí, o sentimento passa a se chamar transtorno de ansiedade e muitas vezes requer tratamento médico. A síndrome do pânico também faz parte desse caldeirão. “Afinal, é um período de intenso temor, injustificado, com sintomas característicos, como taquicardia, suor, dor no peito, tontura”, conta a psiquiatra Ana Beatriz Silva. “É até possível se curar sozinho, mas o mais recomendável é procurar uma terapia ou um atendimento psiquiátrico”, diz ela.

10 Coisas que você não precisa temer:
1. De soltar a voz no karaokê - Todo mundo está lá para desafinar mesmo.
2. De pintar as paredes da sala de roxo - Ficou ruim? É só pintar de branco de novo.
3. De fazer um corte de cabelo radical - O cabelo cresce novamente.
4. De terminar um relacionamento ruim - A vida é cheia de possibilidades de novos encontros.
5. De dizer o que sente - Isso pode ser libertador.
6. De errar na receita do bolo - Se não ficar bom, você compra outro na padaria.
7. De errar no presente para alguém especial - Não serviu? Ele pode trocar. E se não gostar, está aí uma chance de você conhecer melhor a pessoa.
8. De não acertar o caminho - Basta saber que, às vezes, é preciso parar para perguntar a direção das coisas.
9. De experimentar um prato diferente - Descobrir novos sabores é uma delícia. Se o prato for mesmo ruim, você sempre pode pedir outro.
10. De fazer perguntas: para o médico, para o chefe, para alguém que você considera sábio. O papel dessas pessoas é, também, dividir conhecimento.

Para cada tempo de vida, um tipo de medo

Na infância
De escuro, de bicho-papão, da morte da mãe e do pai, de ser filho adotivo, de ter um monstro embaixo da cama.

Na adolescência
De não usar a roupa certa no primeiro dia de escola, de ser o último a beijar na boca, de ir mal na prova, de não passar no vestibular, de não poder viajar nas férias.

Na maturidade
De ficar desempregado, de se separar, de não casar, de não saber cuidar dos filhos, de ter que cuidar dos pais, de não conseguir comprar a casa própria.

Na velhice
De morrer, de ficar doente, de não ter tempo de conviver com os netos, de perder a memória, de ficar só, de perder as forças para fazer as coisas de que gosta.

Como me livrei disto
“Fui fazer ioga”
“Pequena, tinha medo até de dormir sozinha. Depois, me tornei uma adolescente insegura e tímida. E esses sentimentos só foram aumentando com o passar dos anos. De medo em medo, a coisa te aprisiona: uma hora era o receio de falar na frente de várias pessoas, outra, de viajar sozinha. Há 18 anos, comecei a fazer ioga. A idéia era buscar uma atividade que me ajudasse a ficar menos tensa.

Com o tempo e o aprendizado, a ioga e a prática da meditação produziram um efeito colateral positivo: percebi o quanto dependia da aprovação dos outros. Entendi como funcionam os pensamentos e os sentimentos e que nossa meta não deve ser agradar o outro para nos sentirmos mais seguros e amados, mas, sim, nos voltarmos para nós mesmos. Continuo fazendo o bem, mas sem a necessidade de agradar. Assim, fui ganhando coragem para encarar o que me assustava. Quan do sentia um frio na barriga por que precisava falar em público, praticava algumas respirações da ioga e me acalmava para seguir em frente.

Quando estou sozinha em meu sítio, em Serra Negra (SP), não deixo o medo me dominar e uso as técnicas da meditação. Posso dizer que hoje me conheço mais e, com isso, sei até aonde posso ir sem tanto medo.”
Luciana Ferraz, 52 anos, coordenadora da associação Brahma Kumaris no Brasil

Pedi ajuda
“Sempre tive muito medo de falar em público, o que me impedia de concretizar o sonho de lecionar. Fiz pedagogia e não demorou a surgir uma oportunidade para dar aula numa boa escola. Só que eu gelei e acabei dizendo não. Fiquei arrasada, e isso me chateou tanto que fui buscar ajuda. Procurei uma psicoterapeuta para entender o que acontecia comigo. Ao mesmo tempo, comecei a me exercitar. A idéia era ficar mais relaxada.

Aprender a lidar com seu medo é um processo longo. Não adianta chegar à consulta e falar que quer resolver seus medos e pronto. A análise é um caminho que em muitos momentos envolve dor. Você precisa se expor, abrir a alma. Fui resolvendo minhas questões aos poucos e, com o tempo, percebi o que me paralisava e daí o medo gigante foi diminuindo de tamanho. Um dia, me chamaram para dar uma palestra sobre educação em um colégio.

Na hora, tremi na base, mas consegui falar. Etapa vencida, comecei a batalhar por um em prego – dar aulas, meu sonho – e acabei conseguindo. Até hoje, sinto um pouco de medo antes de entrar numa sala, mas vou lá e faço o trabalho. O importante não é querer matar o medo, mas olhá-lo, admitir que existe e aprender a lidar com ele.”
Ana Paula Schimidt

Um comentário:

"eu" disse...

Impressionante, já deve ser a 3a vez em que procuro pela internet alguma coisa substancial pra tentar escrever sobre, e caio neste blog.
Meus parabéns, adoro vir aqui!!!

LinkWithin

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...