7 de out. de 2010

Quem paga a conta?

Faz dois anos que você namora e na hora de pagar a conta sempre rola um desconforto. 


Já se encheu de ver o cara pagar tudo e quer dividir com ele? 


Ou cansou de rachar as despesas com o namorado, que ganha mais, e tem vergonha de falar?

Não é só com você que isso acontece. Muitos casais, às vezes com relacionamentos longos, ficam constrangidos quando o assunto é dinheiro. Sem falar no clássico de chegar em casa escondendo as sacolas sem nem saber por quê. "Em oito anos prestei consultoria para aproximadamente 750 famílias, e cerca de 90% das mulheres faziam isso", atesta Gustavo Cerbasi, especialista em finanças pela Universidade de Nova York e autor de livros como Casais Inteligentes Enriquecem Juntos.

Situações assim, corriqueiras, são reflexo de como lidamos mal e temos dificuldades de falar de grana com a pessoa com quem estamos. Quando o assunto é dinheiro, muita gente muda a conversa de rumo, sua frio, sente calor ou fica irritado. E muito relacionamento acaba indo ao inferno por causa disso. Dormindo com o desconhecido A advogada Rubia*, 37 anos, vive essa situação há quatro anos. Seu namorado é empresário e foi morar com ela há nove meses. Embora dividam todas as contas pela metade, ela não faz ideia de quanto ele ganha. O tema "dinheiro" não existe em casa, mas não sai da cabeça dela. 


Quando enchem o tanque do carro, pagam a conta do restaurante ou vão ao supermercado, Rubia vive se perguntando: "Será que é justo dividir a conta? Quando o gasto parte de mim, eu deveria bancar?". A maneira com que esse casal lida com as finanças ainda é a mais comum entre as classes média e alta no Brasil, segundo Gustavo Cerbasi. Para Glória Pereira, consultora financeira de empresas como Nextel e Petrobras, o tema vai além dos números. "Dinheiro é poder. Quem paga mais tende a sentir que manda", afirma ela, que é colunista da Tpm e autora do best-seller A Energia do Dinheiro - Como Estruturar Sua Vida Financeira. 


Mas evitar o assunto pode ser só uma tentativa de fugir de uma confusão sempre pronta a explodir. No consultório da terapeuta familiar Tai Castilho, casos mal resolvidos sobre grana sempre aparecem. Ela, que é fundadora do Instituto de Terapia Familiar de São Paulo e atende casais há mais de 20 anos, depois de destrinchar dezenas de casos, chegou à conclusão de que muitas das frequentes queixas são frutos de "mitos culturais". Um desses mitos é que mulher é gastadeira, outro é que o homem esconde o quanto ganha. "Vira e mexe, falo para os casais anotarem tudo o que gastam e trazerem as planilhas. 


Eles mostram na consulta, e o que estava confuso, nebuloso e escondido aparece", conta ela. Mas por que algo tão presente no nosso dia a dia gera tanta confusão? "As pessoas são muito ocupadas e não sobra tempo para esse assunto, que acham chato, burocrático", diz Cerbasi. "Muita gente tem dificuldade de associar dinheiro a prazer", conclui Glória Pereira. "Muita gente tem dificuldade de associar dinheiro a prazer" Glória Pereira, consultora financeira de empresas como Nextel e Petrobrás Não é sobre dinheiro Antigamente, quando a mulher não trabalhava, a equação era mais simples: toda a renda da casa vinha do marido. Tanto que havia 64 milhões de contas correntes no Brasil, no ano 2000, e hoje, este número está em 133 milhões, segundo a Federação Brasileira de Bancos. 


Em oito anos, a participação das mulheres na Bovespa cresceu quase dez vezes - , além de movimentarem 70% do consumo mundial, segundo pesquisa do The Boston Consulting Group. São as mulheres que costumam coordenar a rotina da casa: fazem a lista de compra do supermercado, conversam com a empregada, escolhem a babá.

Por tudo isso, Cerbasi acredita que elas têm mais aptidão para administrar as despesas. Para o consultor, na maioria dos casais há sempre alguém que tem mais habilidade com planilhas, que tem facilidade em registrar entradas e saídas de dinheiro; e outro com tendência mais consumista. Essas diferenças costumam se acentuar no casamento, por causa do aumento das responsabilidades. Sobretudo quando o casal tem filhos. Mais um motivo para falar sobre o assunto. Afinal, o dinheiro está por trás das pequenas decisões do dia a dia e das grandes transformações de vida: da conta da padaria ao financiamento do carro. Não existe uma fórmula de organização que valha para todos os casais. 


Mas a consultora Glória Pereira aposta no modelo que mais tem visto dar certo: "Os dois sabem a renda total do casal, fazem cada um sua planilha individual, e, juntos, uma terceira planilha para gastos da casa e planos comuns", sugere. São justamente esses planos comuns que podem transformar um assunto chato em gás para o casal crescer. Afinal, é o dinheiro que faz metas e sonhos virarem realidade. É ele que paga aquelas férias incríveis, a casa dos sonhos, a conta do jantar, a formação dos filhos. Seja qual for o esquema do casal, o importante é que as regras sejam discutidas e claras para os dois. Porque, enquanto está no dinheiro, o conflito é prático, objetivo. Mas, se ignorado, certamente vai se refletir em questões emocionais, como competitividade, frustração, medo... e solidão a dois. Um dos mitos culturais é que mulher é gastadeira, outro é que o homem esconde o quanto ganha 


A seguir, a divisão de contas de 5 casais Com a ajuda de dois consultores financeiros, explicamos o que existe por trás dos números 


1. Rubia não sabe o salário de Roberto, e eles não falam sobre dinheiro 


2. Luciana e Julio ganham salários equivalentes e somam as rendas "Muita gente tem dificuldade de associar dinheiro a prazer" 


3. Adelita ganha menos que o marido e não o deixa pagar as contas dela 


4. Marcela tinha a própria grana, mas hoje usufrui da renda do marido 


5. Juliana ganha mais que o marido e paga mais em casa

1. Cada um na sua - Roberto foi morar com Rubia, que já tinha dois filhos, no apartamento que ela herdou do primeiro casamento. Por isso, ela acredita que o correto seria ele arcar com todas as despesas da casa, mas apenas pediu que pagasse a metade, da conta de luz à TV a cabo. Ela não sabe quanto ele ganha, e muitas vezes, em viagens ou jantares em restaurantes, não se oferece para dividir a conta, "de birra". Como Roberto é dono do próprio negócio, tira férias quando quer e viaja sozinho. Já ela não tem a mesma facilidade.

"São pessoas com padrões de vida diferentes sob o mesmo teto", alerta Cerbasi. Sem saber quanto Roberto ganha, Rubia não sabe se um restaurante é caro nem em que escola poderia colocar os filhos que planejam ter. Para rachar as contas, o que ganha menos terá que trabalhar mais, abrirá mão de mais coisas e tende a ficar frustrado. "Acontece mais do que uma competição entre os dois, pois o parceiro vira um obstáculo ao bem-estar do outro", finaliza o consultor. O casal deveria falar sobre o assunto.


"São pessoas com padrões de vida diferentes sob o mesmo teto"
Gustavo Cerbasi, autor de Casais Inteligentes Enriquecem Juntos


2. É tudo nosso - Quando conheceu a produtora Luciana, há quatro anos, o fotógrafo Julio nunca havia usado os serviços do banco pelo telefone nem pela internet, não lembrava a senha do cartão e, como é autônomo, não tinha controle do que recebia no mês. Luciana, que cuida do orçamento da empresa em que trabalha, assumiu a planilha única da casa e passou a movimentar a conta do marido. Hoje os dois ganham salários equivalentes e negociam da compra de uma calça ao apartamento que acabaram de financiar. 


A realidade deste casal é cada vez mais rara entre duas pessoas independentes, segundo a consultora Glória Pereira. Como sabem todos os gastos um do outro, eles perdem a liberdade individual de gastar sem prestar contas e não têm o que Gustavo Cerbasi chama de "efeito surpresa", como a compra de um presente inesperado. 


O consultor também alerta para o risco de se acomodarem em suas carreiras, já que a soma das duas rendas pode dar a ilusão de que já têm a quantia que um aumento salarial poderia representar. Mas foi graças à junção da grana que eles compraram um apartamento. 


3. Não obrigada - A artista plástica Adelita ganha sete vezes menos que o marido, o vendedor Marcos, que paga todas as contas da casa. 


Mãe de um garoto de 2 anos, Adelita usa metade do que fatura para bancar o aluguel de seu ateliê. Com a outra metade, paga seus gastos pessoais - manicure, cabeleireiro, roupas - e faz questão de dividir com o marido qualquer conta extra, do cinema ao restaurante. 


Adelita é o que a consultora Glória classifica como um perfil entesourador, ou seja, alguém que poupa com medo que falte no futuro. Por medo de um dia ficar sem nada, ela não se permite usufruir da renda do marido. Para Cerbasi, seria um alívio para o casal se ela encarasse a soma das duas rendas como "nossa" receita. Dedicariam uma parte à casa e ao filho e separariam valores iguais para gastarem individualmente, tendo os dois o mesmo padrão de vida. Adelita poderia, inclusive, usar o dinheiro da casa para investir em seu ateliê e, mais pra frente, aumentar sua contribuição. 


4. Bem resolvida - Filha de uma workaholic, a empresária Marcela sempre trabalhou. Até que casou com Carlos, 15 anos mais velho e herdeiro de um patrimônio milionário. O dinheiro sempre foi tratado como "nosso". No início, ela evitava usar o cartão de crédito do marido e ficou enfurecida quando ele trocou o carro dela sem avisar. Hoje, sete anos depois e mãe de três filhos, ela é dona de uma loja de roupa que ainda não dá lucro e se permite, um mês ou outro, comprar algo mais caro, como uma bolsa de R$ 3 mil. 


Casada com separação total de bens, ela diz que, se precisar começar do zero, começa, sem problemas. Este é um caso bem resolvido, em que o marido é o provedor, e a mulher não se incomoda em depender financeiramente dele, além de administrar os gastos da casa. A separação total de bens, embora tenha soado como uma decisão pouco romântica no começo, protege Marcela de burocracias dos negócios da família do marido e a mantém com os pés no chão. 


A separação total de bens, embora tenha soado pouco romântica, mantém Marcela com os pés no chão 


5. Assunto aberto - A jornalista Juliana ganha mais do que seu marido, o engenheiro Cesar, portanto, arca com a maioria das despesas da casa. Cada um faz sua própria planilha, e os dois dividem as contas da casa e da filha de 2 anos de maneira proporcional ao salário que recebem. Quem cuida da terceira planilha é o marido, que é da área de exatas, mas as decisões são tomadas em parceria. 


Assim, já compraram uma casa, têm duas empregadas e dois carros. O caso deles, em que a mulher representa a principal renda da família, é cada vez mais comum. Não há conflitos porque o assunto é tratado abertamente, eles têm as contas organizadas e mantêm os gastos individuais ao mesmo tempo em que constroem a vida juntos, sem competição. Juliana quer ter mais filhos, mas, se quiser trabalhar menos, terá que diminuir o padrão de vida. * Todos os personagens desta reportagem tiveram os nomes trocados, para proteger suas reais identidades 
Ariane Abdallah - Revista TPM

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