Ao lado, uma foto de uma irmã querida, segurando ao colo, num gesto da Magna Mater, o filhinho pequeno, irmã arrancada da vida, aos trinta e três anos, por um enfarte fulminante. Aí há tanta ternura e serenidade que custa a conter as lágrimas. Por que uma flor foi quebrada quando ainda não acabara de desabrochar? Por quê? A resposta não vem de nenhum lugar. Apenas uma fé, que crê para além de todas as razoabilidades, sustenta o tormento desta pergunta.
Logo acima, presa ao braço da lâmpada, uma mensagem em alemão que encontrei quando ainda fazia meus estudos no exterior e que me inspira durante toda essa fatigante existência: ”Eu passarei uma única vez por esta vida. Se eu puder mostrar alguma gentileza ou proporcionar alguma coisa boa a quem está ao meu lado, então quero fazê-lo já, não quero porstegá-lo nem negligenciá-lo, pois eu nunca mais voltarei a passar novamente por este caminho”. Aqui se diz uma verdade pura, simples e sábia.
Viajo muito por muitos meios e por muitos caminhos. Nunca se está livre de riscos. Quantos não são aqueles que partem e nunca chegam? E aí leio num cartão à minha frente a frase tirada do Salmo 91,11: ”Deus ordenou a seus anjos que te protejam, pelos caminhos que tomares”. Não é consolodar poder ler esta mensagem como se tivesse sido escrita diretamente para você, um pouco antes de partir para uma viagem qualquer, sem poder saber se voltará são e salvo?
Mais consolador é ainda este outro cartão, colocado num vaso cheio de canetas, no qual Deus pelo profeta Isaias me sussurra ao ouvido: ”Não temas; eu te chamei pelo nome; tu és meu” (43,1). Como temer? Já não me pertenço. Pertenço a Alguém maior que conhece meu nome e me chama e me diz “tu és meu”. A alma serena, as angústias da humana existência se acalmam, apenas ressoa a palavra bem-aventurada: ”Tu és meu”.
Aqui há algo que antecipa a eternidade quando Deus nos revela nosso verdadeiro nome. Segundo o Apocalipse, somente Deus e a pessoa conhecem esse nome e ninguém mais. Aí seguramente Deus repetirá: ”Tu és meu”. E a pessoa retrucará: “Eu sou teu”. Essa comunhão do eu e do tu se prolongará pela eternidade afora, numa fusão sem distância nem limites pelos séculos dos séculos, sem fim.
Não serão, por acaso, coisas singelas como estas que orientam nossa vida e nos trazem alguma luz no meio de tanta penumbra e de questões sem resposta?
Leonardo Boff
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