29 de set. de 2014

Freud de boteco: como os conceitos do psicanalista se popularizaram?


Setenta e cinco anos após a morte do psicanalista Sigmund Freud, conceitos e frases que ele criou estão hoje profundamente arraigados na cultura popular.

Como o jargão freudiano se popularizou dessa forma?

Existe o Freud da literatura médica - o homem barbudo que fundou a psicanálise. O Freud que é constante fonte de debate entre acadêmicos.

Depois existe o outro Freud, o Freud da mesa de bar. Aquele que você talvez mencione quando falar de um sonho, ou de um ato falho, ou de alguém que é meio apegado à mãe.

Complexo de Édipo. Negação. Id, ego e superego. Libido. Retenção anal. Mecanismo de defesa. Símbolo fálico. Projeção. Não é só a terminologia de Freud que se espalhou pelo léxico popular - o próprio nome Freud virou um adjetivo.

Nenhum outro intelectual do século 20 pode competir com Freud. Nem o filósofo Jean-Paul Sartre, nem o físico Albert Einstein.

Críticos de cinema raramente citam o filósofo Michel Foucault ou a escritora existencialista Simone de Beauvoir. Mas todo mundo sabe - ou pelo menos pensa que sabe - o que você está querendo dizer quando menciona Freud. O inconsciente. Repressão sexual. Sonhos. Problemas com mãe e pai.

"Você não precisa ler Freud para viver em um mundo onde Freud é importante - ou para pensar de forma freudiana", diz Stefan Marianski, do Freud Museum, em Londres.

Basta consumir cultura popular produzida a partir de meados do século 20.

Freud escrevia muito bem e ilustrou seus livros sobre psicanálise com referências ao trabalho de grandes artistas, entre eles William Shakespeare, Fiódor Dostoiévski e Leonardo da Vinci.

No entanto, para o psicólogo Oliver James, autor do livro Love Bombing, "a razão pela qual Freud se tornou uma figura tão importante na nossa cultura é que ele foi trazido para a cultura popular pelo cinema".

Começando em 1945, com o suspense inspirado na psicanálise Quando Fala o Coração, de Alfred Hitchcock, a história do cinema está repleta de referências a Freud.

Talvez o diretor que mais tenha contribuído para a disseminação de frases e conceitos freudianos seja o norte-americano Woody Allen.

No início do filme Annie Hall (Noivo Neurótico, Noiva Nervosa), por exemplo, ele diz: "Nunca tive uma fase de latência". (O termo "fase de latência" é usado por Freud para descrever um intervalo no desenvolvimento da sexualidade infantil, geralmente identificada entre os seis e dez anos de idade.)

O pensamento freudiano também pode ser identificado no relacionamento entre pai e filho emGuerra nas Estrelas: O Império Contra-ataca e emDe Volta para o Futuro.

O filme "é basicamente o complexo de Édipo", diz Marianski. "Na verdade, a lógica de De Volta para o Futuro é a mesma de Psicose".

Depois, você tem os romances de de Virginia Woolf e James Joyce, que usam uma técnica literária baseada no conceito freudiano de fluxo de consciência. Salvador Dali e os surrealistas. Os Sopranos e Frasier.

Também o filme Um Método Perigoso, de 2011, estrelado por Viggo Mortensen, no papel de Freud. Ou qualquer outro filme envolvendo lembranças reprimidas, sonhos ou uma personagem com impulsos incestuosos.

Vale dizer que muitas dessas ideias não são uma representação fiel, no sentido acadêmico, do pensamento de Freud. A distância entre o Freud de boteco e aquilo que Freud realmente disse tende a ser grande.

Muito do que Freud pensava - especialmente no que diz respeito à sexualidade infantil - era considerado, no tempo em que ele era vivo, radical e perigoso. Os aspectos mais difíceis de seu trabalho raramente eram discutidos pela mídia.

"Acho que a maioria de nós tem apenas uma vaga - e talvez defensivamente vaga - noção do que Freud está realmente dizendo", diz o acadêmico Nicholas Ray, que ensina Freud na Leeds University.

"Até porque, na cultura popular o trabalho dele com frequência é diluído, para que se torne mais palatável, para reduzir sua complexidade - e sua dificuldade - e para transformá-lo em uma fantasia aconchegante e tranquilizadora".

Ou seja, no final do filme, a lembrança reprimida é recuperada, a heroína adquire o auto-conhecimento e a audiência ganha um final satisfatório.

Freud pode ser incompreendido e suas ideias representadas de forma errônea, mas não há como negar que sua obra continua sendo objeto de fascínio.

Isso é ainda mais impressionante quando se leva em conta que muito do que ele escreveu foi suplantado por pesquisas posteriores.

E que, em certos círculos acadêmicos, suas teorias foram ferozmente atacadas - especialmente por feministas, que consideram conceitos como a "inveja do pênis" misóginos, e acusam Freud de ignorar evidências de que alguns de seus pacientes haviam sofrido abuso na infância.

Freud ainda tem seus adeptos - entre eles, o psicólogo e escritor britânico Oliver James, que diz que suas teorias sobre sonhos, o inconsciente e a influência dos primeiros anos de vida na formação de um indivíduo ainda são válidas.

Marianski, do Freud Museum, admite, no entanto, que Freud "é lido hoje principalmente em departamentos de humanidades".


Termos Freudianos

O inconsciente: Freud dizia que muito do que pensamos está "escondido" da nossa mente consciente e guardado no inconsciente. Desejos proibidos, pensamentos inaceitáveis podem escapar de forma distorcida por meio de sonhos e "atos falhos" ou "lapsos freudianos".
Complexo de Édipo: Termo freudiano para o intrincado conjunto de emoções que ocorrem entre filhos e seus pais. O nome foi tirado da tragédia grega escrita por Sófocles, na qual o personagem central, sem saber, mata o pai e se casa com a mãe.
Id, ego e super-ego: Segundo a teoria de Freud, a mente humana está dividida entre id (impulsos e apetites instintivos), o superego (que cumpre um papel crítico e moralizador) e o ego (que busca alcançar um equilíbrio entre os dois).
Fonte: The Freud Museum
BBC News Magazine

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