29 de nov. de 2007

Além da imaginação


Padeço de um sério mal: minha imaginação. Não preciso de filme, televisão, música; não necessito da minha visão, audição ou olfato; não careço de estímulos, um acidente, uma gostosa, uma voz alta. Basta querer e tudo vive na minha imaginação. Gostos, cheiros, texturas,histórias inteiras, românticas, policiais, pornográficas. E não há hora ou lugar que essa minha imaginação respeite.

Dia desses, estava eu na igreja, missa de sétimo dia de um amigo, e me veio à cabeça um gol histórico de Leandro, jogador do Flamengo, em Paulo Victor, goleiro do meu Fluminense – só com muita imaginação para torcer para o Fluzão –, aos 45 minutos de jogo, em 1985. Estavam lá parentes e amigos consternados com a morte acidental e jovem de um amigo quando dei um soco no banco. Todos me olharam de pronto. Logo me vi novamente traído pela minha imaginação. Quem estava do meu lado, uma tia velha do meu amigo, pegou minha mão:“Não fique assim, meu filho. Vai passar...” Fiquei calado. Como é que um gol de empate aos 45 minutos vai passar?!

Noutro dia, reunião de trabalho, chefe novo e todas as suas perspectivas para a equipe. Chefe novo sempre tem idéias mirabolantes que salvam o mundo e nunca vão para a frente (essa foi, inclusive, minha primeira imaginação antes de começar o blablablá). Dessa vez, lembrei de uma cena de Crime e Castigo, de Dostoiévski. Eu me imaginei dando uma machadada na cabeça da minha vizinha. Coitada. A velhinha é gente boa, mas estava, na minha cabeça, com um machado cravado na testa. Respirei fundo: um misto de dor pela cena e de agonia pelo ato nada cristão. E lá me veio o chefe, achando que eu queria, mas estava sem coragem para falar.

Domingo passado, para lembrar algo mais recente, fui jantar com vários amigos, homens e mulheres. Todos comportados.É claro que tava rolando cerveja e vinho, o que descontraía todo mundo, mas não a ponto de virar o bacanal que visualizei: a dona da casa na cozinha com um amigo de um amigo, duas amigas lésbicas se pegando na chaise-longue, a outra menina bicho-grilo com a boca na botija, e tudo se misturava... Levantei, fui tomar uma água gelada, passei no banheiro, joguei uma água no rosto. E tirei o filme pornô do HD.

É claro que há momentos bons. Sou o rei das filas de banco, das salas de espera de consultório médico, do congestionamento. No trânsito, para ter idéia, a primeira coisa que faço é desligar o som. Música só me atrapalha nessas horas. Começo: e se o motoqueiro der de cara na betoneira? E se esse cara aí do lado for o Michael Douglas e descer do carro dando tiro pra tudo que é canto? E se aquele skinhead na calçada resolver bater naquele casal homossexual que está vindo lá da frente?

No consultório, a coisa é ainda mais divertida: qual será o problema dessa senhora? Velhice? E daquele menino no colo da mãe? Bronquite? E do branquelo ali deitado nas cadeiras? Caganeira? Faço um quase bolão na minha cabeça para saber do que padece cada um. Tenho até vontade de sair perguntando para todo mundo pra ver se acertei.

Mas só percebi que isso me era um problema quando iniciei este texto.Comecei a imaginar se a Karina Bacchi me acharia um devasso. Calculei o editor da revista, olhando torto para estas palavras com cara de intelectual. Fiquei duas horas na frente do computador pra escrever isto. Aí fiquei mais uma vez imaginando: não rola de aumentar esses 200 reais?
Felipe Recondo Freire
Picture by M. Ryerson

Nenhum comentário:

LinkWithin

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...