10 de nov. de 2007

Quando Nietzsche chorou


Por favor, limpe a chaminé sobre a paixão e a vida - incitou Nietzsche.
- Uma das minhas pacientes é uma parteira - prosseguiu Breuer. - Está velha, encarquilhada, sozinha. Sofre de problemas cardíacos. Mesmo assim, está apaixonada pela vida.
Certa vez, perguntei-lhe a fonte da sua paixão. Respondeu-me, então, que era o momento entre erguer um recém-nascido silente e o dar-lhe a palmada da vida. Ela renovava-se, assim dizia, pela imersão naquele momento de mistério, aquele momento entre a existência e o esquecimento.
- E consigo, Josef? O que se passa?
- Sou como a tal parteira! Quero estar próximo do mistério. A minha paixão por Bertha não é natural; é sobrenatural, sei disso, mas preciso de magia. Não consigo viver a preto e branco.
- Todos precisamos de paixão, Josef - interrompeu Niestzsche. - A paixão dionísica é vida.
Mas a paixão tem que ser mágica e aviltante? Não haverá uma forma de dominar a paixão? Deixe-me falar de um monge budista que conheci o ano passado em Engadine. Vive uma vida frugal. Medita durante metade das suas horas de vigília e passa semanas sem trocar uma palavra com ninguém. A sua dieta é simples: uma única refeição por dia, aquilo que conseguir que lhe dêem, talvez uma maçã. Mas medita sobre a maçã até que esta prenhe de vermilhidão, de suculência e de vivacidade. Ao fim do dia, apaixonadamente, antecipa a sua refeição.
A conclusão é, Josef: não precisamos de renunciar à paixão, mas temos que mudar as nossas condições para a paixão. Breuer concordou, com um movimento da cabeça.
Irvin D. Yalom
Picture by Cynthia Archer

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