17 de dez. de 2007

O homem que queria ser rei


Era uma vez um homem que queria ser rei, não sabendo bem nem como nem porquê. Mesmo assim, não deixava de alimentar este insólito sonho. Desde cedo, saiu pelos caminhos da vida guiado por sua estrela. Estudou muito, leu tudo, sentou-se aos pés de velhos mestres, batalhou em várias frentes, foi peão e patrão, prestava muita atenção nas pessoas, pedia e aceitava de bom grado conselhos, consultava permanentemente seu interior sempre em busca de se entender melhor e... continuava, teimosamente, a sonhar. Queria e, uma dia, seria rei.

Os caminhos da vida nem sempre lhe foram, na verdade, planos e ajardinados, lindos e ensolarados; quantas vezes o feriram, foram cruéis e escabrosos, com paisagens secas e desérticas, de horizontes inalcançáveis. Mas não desanimava por isto, não se permitia desanimar, embora assaltados inúmeras vezes por tentações de o fazer. Tratava a vida com distinção, sem discriminá-la, e as pessoas com nobreza, sem amesquinhá-las, defendendo a dignidade das grandes causas, a realização dos grandes sonhos, dando força às lutas do povo contra os tiranos e preservando, como bens maiores, a liberdade, a esperança, a cidadania e a alegria de viver. A vida, acreditava, é um milagre que deve florescer para o bem dos outros e para a glória de seu autor maior que é Deus. Tomava-a, por isto, nos braços com imenso carinho e sempre encantado, e brincava com ela como uma criança brinca com seus brinquedos preferidos.

Aceitou a companhia de outras pessoas que também sonhavam ser reis e elegeu uma mulher para ser sua rainha. Ela despertou-lhe a alegria de ser macho, sem deslustrar-lhe o apanágio da razão, mas liberando-lhe as emoções. Em resposta, cuidou dela como só um rei poderia cuidar, cobrindo-a com proteção e ternura, olhando-a com admiração e encantamento, embriagando-se de sua graça e beleza. Desejava que, acima de tudo, fosse feliz e que seu coração tivesse música e confiança. Procurava ser de todos um bom companheiro, amparando os necessitados e compadecendo-se dos aflitos. Ao mesmo tempo em que enxugava as lágrimas dos que choravam, colocando-se debaixo da cruz dos execrados, e lavava os pés dos relegados da sociedade, não deixava de festejar e dançar com os que tinham motivos para se alegrar.

Tomou como princípio nunca ceder diante da prepotência dos insolentes nem se acovardar frente aos violentos. Era íntegro e inteiro e homem de paz. Forte sem ser duro, tinha caráter sem ser grosseiro ou refratário. A ninguém julgava nem mesmo quando a opinião pública já o tivesse incriminado. Queria ajudar, negava-se a condenar. Não se achava diferente dos demais, nem queriaser superior aos seus semelhantes. Pelo contrário, confessava-se frágil e sempre aprendiz da nobre arte de viver. Pensava que sua vida era como um rio que tinha que correr em direção ao mare que certamente encontraria, neste mar, o reino que buscava. Mergulhando nele, perder-se-ia para encontrar-se, deixando, então, de ser um pequeno rio para poder abraçar a imensa riqueza de todos os rios.

Certo dia, muito antes de realizar seu sonho de ser rei e de sentir apagar-se para sempre a estrela que o guiava pelos caminhos, descobriu que a irmã morte lhe tomava a mão. E, ao seu contato, descobriu, não!, os outros descobriram que estava morrendo um homem cheio de humanidade, um homem que não sabia que, na verdade, tinha sido um grande rei.
Neylor J. Tonim
Picture by Howard Johnson

Um comentário:

lourival disse...

Amigo,
Ser rei não é dominar ou mandar, mas sentir a vida como um milagre que floresce para o bem de toda humanidade e para a glória de Deus, seu criador. Que bom que hajam textos com o seu...

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