Nós só sentimos agrado para com os semelhantes - ou seja pelas imagens de nós próprios - quando sentimos comprazimento conosco.
E quanto mais estamos contentes conosco, mais detestamos o que nos é estranho: a aversão pelo que nos é estranho está na proporção da estima que temos por nós.
É em consequência dessa aversão que nós destruímos tudo o que é estranho, ao qual assim mostramos o nosso distanciamento. Mas o menosprezo por nós próprios pode levar-nos a uma compaixão geral para com a humanidade e pode ser utilizado, intencionalmente, para uma aproximação com os demais.
Temos necessidade do próximo para nos esquecermos de nós mesmos: o que leva à sociabilidade com muita gente. Somos dados a supor que também os outros têm desgosto com o que são; quando isto se verifica, então receberemos uma grande alegria: afinal, estamos na mesma situação. E, tal qual nos vemos forçados a suportar-nos, apesar do desgosto que temos com aquilo que somos, assim nos habituamos a suportar os nossos semelhantes. Assim, nós deixamos de desprezar os outros; a aversão para com eles diminui, e dá-se a reaproximação.
Eis porque, em virtude da doutrina do pecado e da condenação universal, o homem se aproxima de si mesmo. E até aqueles que detêm efetivamente o poder são de considerar, agora como dantes, sob este mesmo aspecto: é que, «no fundo, são uns pobres homens».
Friedrich Nietzsche
Picture by Jacob Bogdany
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