15 de mai. de 2008

A paixões são inimigas da paz


As paixões opõem-se às paixões, e podem servir de contrapeso umas às outras; mas a paixão dominante não se pode conduzir senão pelo seu próprio interesse, real ou imaginário, porque ela reina despoticamente sobre a vontade, sem a qual nada se pode.

Contemplo humanamente as coisas, e acrescento nes­se espírito: nem todo o alimento é próprio para todos os cor­pos; nem todos os objetos são suficientes para tocar deter­minadas almas.

Quem acredita serem os homens árbitros soberanos dos seus sentimentos não conhece a natureza; consiga-se que um surdo se divirta com os sons encantado­res de Mureti, peça-se a uma jogadora, que está a jogar uma grande partida, que tenha a complacência e a sabedo­ria de se enfadar durante a mesma, nenhuma arte pode fazê-lo.

Os sábios enganam-se quando oferecem a paz às paixões: as paixões são inimigas dela. Eles elogiam a mo­deração para aqueles que nasceram para a acção e para uma vida agitada; que importa a um homem doente a delicadeza de um festim que lhe repugna? Nós não conhecemos os defeitos de nossa alma; mas ainda que pudéssemos conhecê-los, raramente havería­mos de os querer vencer. As nossas paixões não são distintas de nós mesmos; al­gumas delas são todo o fundamento e toda a substância da nossa alma.

O mais fraco dos seres iria querer perecer para se ver substituído pelo mais sábio? Dêem-me um es­pírito mais justo, mais amável, mais penetrante, aceito com alegria todos esses dons; mas se me tiram também a alma que deve desfrutar dele, esses presentes não são nada pa­ra mim. Isso não dispensa ninguém de combater os seus hábitos e não deve inspirar aos homens nem abatimento nem tristeza. A virtude sincera não abandona os seus amantes; os próprios vícios de um homem bem nas­cido podem passar a contribuir para a sua glória.
Luc de Clapiers Vauvenargues
Picture by Frederick C Tayler

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