8 de jan. de 2013

Mania de Perfeição


Klimt
Se você sempre acha que nada do que faz está bom o bastante, saiba que tanta autocrítica pode acabar com o seu bem-estar


Detalhes tão pequenos, como diz a famosa canção, são coisas muito grandes para quem faz questão de tudo perfeito. É o seu caso?

Se a resposta é sim, em vez de esperados elogios, você merece um bom puxão de orelha.

É que a auto-exigência exacerbada gera tamanha tensão que, mais cedo ou mais tarde, o feitiço vira contra o feiticeiro: em vez da superação, vem a paralisia, provocada, pura e simplesmente, pelo receio de falhar.

“Os perfeccionistas inveterados têm uma idéia irreal do que seja um desempenho aceitável e por isso vivem insatisfeitos”, analisa o psicólogo canadense Gordon Flett, da Universidade York, especialista no assunto. As conseqüências podem ser desastrosas.


Essas pessoas protelam as tarefas, refazem-nas inúmeras vezes e difi cilmente conseguem concluí-las dentro do prazo. As relações pessoais também são prejudicadas. Cá para nós, é difícil lidar com gente que demora horas para tomar uma decisão, que não pode ver um objeto 1 milímetro que seja fora do lugar ou que é obcecada por minúcias sem a menor importância. E aí os confl itos são inevitáveis.

Ninguém sabe direito como surge o problema, mas especula-se que a raiz dele esteja tanto na genética como no ambiente familiar. Pode-se nascer predisposto à mania de perfeição, mas as expectativas paternas muitas vezes são o gatilho do perfeccionismo que vai se manifestar na vida adulta. Todos nós conhecemos casos de pais que projetam nos fi lhos o que eles próprios não puderam realizar.

E aí aquela meta não atingida de concluir o curso superior, por exemplo, leva à exigência de que a criança seja a primeira da classe. “A tendência é que, anos mais tarde, essas pessoas tenham difi culdade de adaptação, sejam pouco fl exíveis e fujam de desafi os por medo de fracassar”, avisa a psicóloga Mariângela Savoia, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo. O que fazer? “Aprenda a respeitar as limitações e as escolhas individuais”, responde o pesquisador belga Bart Soenens, com a autoridade de quem estudou o assunto. Mas essa lição, para um legítimo perfeccionista, não é nada fácil.

É bem provável que aqueles que teimam em buscar a perfeição não se dêem conta de que esse ideal é inatingível. “Neles, a persistência gera frustração, seguida de uma sensação de desamparo”, conclui Marilza Mestre. A auto-estima, lógico, é afetada. Pudera: o perfeccionista supervaloriza seus mínimos erros. E, por temer a reprovação alheia, esconde suas falhas, até mesmo as menores. “Com essa atitude, ele fica sem saber o que outras pessoas diriam a respeito de seus deslizes. Se soubesse, perceberia que não são tão graves quanto imagina”, lamenta o psicólogo Randy Frost, da Smith College, nos Estados Unidos, que pesquisou durante 20 anos os efeitos do perfeccionismo.

Não há consenso sobre até que ponto querer tudo perfeito é um traço de personalidade e a partir de quando isso passa a ser algo patológico. “Às vezes, o perfeccionista percebe que seu comportamento está se tornando um problema, mas, geralmente, são a família e os amigos que o convencem a procurar ajuda”, diz Mariângela Savoia. O assunto começa a ficar sério quando afeta a vida pessoal e a carreira. Em casos extremos, pode levar a um belo prejuízo físico e emocional.

ALÉM DAS PRÓPRIAS FORÇAS
Um exemplo típico é o que normalmente ocorre com os atletas de elite. Sob forte pressão externa e com foco total na vitória, eles exageram no treinamento, desrespeitando os limites do corpo. “Em busca de resultados cada vez melhores, investem em uma performance de alto padrão sem pensar no restante”, diz Gordon Flett. O final da história quase sempre é uma lesão capaz de afastá-los do esporte, às vezes definitivamente.

O pior dos mundos para quem busca eternamente a superação é atravessar o campo do saudável e invadir a alçada da psiquiatria. E aí, para chegar a distúrbios sérios, como o transtorno obsessivo-compulsivo, a distância é curta. “O perfeccionismo tem características semelhantes às do TOC, como a preocupação excessiva com a simetria e com a ordem”, compara o psiquiatra Marcos Mercadante, da Universidade Federal de São Paulo, a Unifesp. Em outras palavras, quem tem mania de perfeição está um degrau acima dos outros na escalada rumo à doença.

Também é possível estabelecer uma relação entre esse comportamento e o transtorno de ansiedade generalizada. Na maioria das vezes, o perfeccionista deixa a razão de lado e reage de modo cem por cento emocional diante de uma opinião negativa. “O receio antecipado do comentário alheio traz sofrimento e pode deflagrar a ansiedade. Ao mesmo tempo, o coquetel de autocrítica excessiva, baixa auto-estima e medo constante de errar costuma desencadear a depressão”, de acordo com Mariângela Savoia. “Como não consegue atingir o padrão de excelência que tanto almeja, a pessoa se sente desanimada e chega a duvidar de sua própria capacidade”, completa.

Os riscos de outras doenças conectadas ao desejo de perfeição não param por aí. “Há ainda o transtorno disforme, em que o paciente se incomoda muito com um detalhe do corpo que passa despercebido para outras pessoas”, explica Mercadante. Sem contar a predisposição para as compulsões alimentares, também relacionadas à obsessão com a imagem, e que geram altas doses de culpa provocada pela típica comilança desenfreada. Marilza Mestre lembra que às vezes o grau de exigência pode chegar a tal ponto que a pessoa simplesmente abandona uma atividade ou evita realizá-la. É o caso da fobia social, em que, por exemplo, uma professora deixa para sempre a sala de aula ou um candidato a motorista nunca mais volta à auto-escola. Tudo pelo medo de errar.

UM DRIBLE NA OBSESSÃO›› Observe se a sua mania de perfeição está incomodando as pessoas com as quais você convive pessoal e profi ssionalmente. ›› Durante qualquer atividade, tente focar na qualidade da sua produção, e não na opinião alheia. ›› No trabalho, aprenda a discernir a cobrança que faz sentido daquela que não tem a menor importância. ›› Ao cometer erros, não os esconda de ninguém. Um feedback de colegas e amigos pode ajudá-lo a lidar com as falhas. ›› Seja mais fl exível e lembre-se de que é impossível agradar a todo mundo. ›› Se o perfeccionismo estiver prejudicando a sua vida, é o caso de procurar ajuda especializada.

VÁLVULA DE ESCAPE
Quando a autocrítica do perfeccionista extrapola o bom senso, é o corpo que sofre. “Em situações extremas, que culminam em doenças como transtorno obsessivo-compulsivo, é preciso lançar mão de antidepressivos para tratar os sintomas”, afi rma Mercadante. Mas, segundo ele, o que costuma ser realmente efi caz é a terapia cognitivo-comportamental, que consiste em expor o paciente, de forma gradual, às situações que o afl igem, para ajudá-lo a livrar-se de vícios de comportamento e a refl etir sobre o distúrbio.

DETALHISMO NA CABEÇAComo funciona o cérebro de quem dá muita impor tância aos detalhes? Isso ainda é um mistério. Porém, na opinião do psiquiatra Marcos Mercadante, o mecanismo é semelhante ao do transtor no obsessivo-compulsivo, o TOC, em que há alterações nos neurotransmissores dopamina e serotonina. Essas substâncias, responsáveis pela sensação de bem-estar, têm a ver com as emoções, que se manifestam no sistema límbico.

MOTIVO DE ORGULHOExageros à parte, a preocupação em fazer tudo muitíssimo bem-feito tem lá suas vantagens. Afi nal, não foi por acaso que as características psicológicas por trás do perfeccionismo resistiram a milhares de anos de evolução. “O homem primitivo precisava prestar atenção nas mínimas alterações do meio em que vivia, porque elas acusavam a presença de predadores”, exemplifica o psiquiatra Marcos Mercadante. “Já na Idade Média, a busca pela perfeição resultou em uma preciosa produção artística”, completa. O aprimoramento, afi nal de contas, é essencial em áreas que exigem exatidão, como a medicina, a arquitetura e a arte. Portanto, como tudo na vida, a busca da perfeição não é de todo ruim.
Revista Saúde

Um comentário:

Anônimo disse...

Como isso tem a ver comigo!
Obrigada pelas palavras, adorei seu blog.

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