24 de nov. de 2008

Quando o amor acaba

O fim de uma relação amorosa nos sobrecarrega tanto psíquica quanto fisicamente; mas do ponto de vista evolutivo a montanha-russa emocional na qual embarcamos nessas situações tem um objetivo: nos preparar para novos recomeços
O fim de um relacionamento afetivo costuma provocar uma revolução em nossa vida emocional. Principalmente quando o término nos pega desprevenidos – ou a decisão parte da outra pessoa. Um turbilhão de sentimentos como raiva, insegurança, carência, saudade, dor e desejo de vingança se misturam e nos invadem.
Nesse momento atribulado, alguns tomam atitudes extremadas, se expõem, esperneiam, suplicam; outros se recolhem. Qualquer que seja a reação, é inevitável escaparmos do sofrimento. O rompimento nos sobrecarrega tanto psíquica quanto fisicamente – muitas vezes causando reações como uma espécie de “bloqueio” que pode durar semanas ou até meses.
Mas, pensando bem, não seria mais sensato e saudável – pelo menos do ponto de vista biológico – deixar logo de lado toda essa dor e recomeçar de uma vez por todas a busca por um novo parceiro para procriação? Certo, há questões psíquicas envolvidas, como a necessidade de realização do luto e do processamento de todo o aprendizado emocional que a situação traz. “Mas se toda a natureza trabalha no sentido de garantir a continuidade da espécie, por que, então, não desenvolvemos um método com o qual seja possível simplesmente descartar um romance malsucedido, sem tanto dispêndio de tempo e energia?”, questiona a antropóloga Helen Fisher, da Universidade Rutger, Nova Jersey.
Ela mesma admite que talvez nos aproximemos mais de uma resposta se nos voltarmos para o início do relacionamento – e, mais precisamente, ao momento em que nos apaixonamos. A utilidade evolucionária do encantamento que, por vezes, nos arrebata parece clara: nos concentramos totalmente em uma pessoa que escolhemos para o acasalamento, sem gastar tempo ou energia com assuntos secundários. “Mas o que se passa na cabeça de homens e mulheres apaixonados?”, pergunta-se Fisher. Para estudar a questão e tentar responder a essa pergunta, ela decidiu unir-se à neurocientista Lucy Brown, da Escola de Medicina Albert Einstein, e ao psicólogo Arthur Aron, da Universidade Estadual de Nova York.
O grupo recorreu à tomografia por ressonância magnética funcional, com a qual é possível acompanhar a atividade do cérebro. Enquanto estavam dentro do tomógrafo, os voluntários que consentiram em participar do estudo observavam, alternadamente, a foto da pessoa que amavam e a imagem de uma pessoa conhecida com quem tivessem um relacionamento afetivamente neutro. De vez em quando, eles tinham de resolver uma atividade como distração, para que sensações e sentimentos pudessem se atenuar. “Nessas diferentes situações comparamos a atividade cerebral e percebemos que as duas regiões cerebrais estavam especialmente envolvidas durante a observação do amado: partes do núcleo caudado e da área tegmentar ventral (ATV) direita no mesencéfalo.
IRONIAS DA NATUREZA
É interessante notar que em ambas as regiões há células neurais que se comunicam através da substância mensageira, a dopamina, e reagem de forma sensível àquilo que causa bem-estar – como alimentos saborosos, por exemplo – ou mesmo à possibilidade de experimentá-los. O fato de a paixão estar relacionada a esse “sistema de recompensa”, indica que o que estamos habituados a chamar de “sentimento” talvez seja, na verdade, um “estado de motivação” para a busca de algo – comparável à fome, que nos leva a buscar e consumir alimentos. Se pensarmos assim, o cenário fica menos romântico. Afinal, talvez não nos apaixonemos (como muitas vezes gostamos de pensar) em razão de uma trama bem engendrada do destino ou dos belos olhos do outro, de seu charme e de sua sensualidade. Sob essa óptica o encantamento se vale, antes, de mecanismos neurológicos cuja função é aplacar uma necessidade biológica. E garantir a sobrevivência da melhor forma possível.
Há alguns anos, a equipe de Fisher estudou a atividade cerebral de -pessoas apaixonadas, porém infelizes, que estavam sofrendo profundamente pelo fim de um relacionamento amoroso. Embora os pesquisadores reconheçam não saber com precisão o que se passa no cérebro das pessoas nessas situações, admitem que, aparentemente, a elevada atividade na ATV e em regiões do núcleo caudado ligadas a ela, ativas quando o relacionamento parecia ir bem, ainda se mantém. Será então que continuamos amando, apesar de termos sido abandonados?Psiquiatras dividem o processo de separação em duas fases: primeiro vem o protesto; depois, o desespero. Durante a fase de protesto, em geral a pessoa abandonada tenta obstinadamente recuperar o objeto de seu amor.
Tenta entender o que deu errado e como poderia reacender o interesse do outro. Algumas chegam a fazer cenas dramáticas diante do ex-parceiro; outras choram sozinhas, saudosas e, por algum tempo, não vêem nada no mundo que lhes atraia a atenção. Qualquer que seja a reação, porém, em vez de desaparecer, a paixão parecer crescer. Na base dessa reação estão processos neurais. Segundo os psiquiatras Thomas Lewis, Fari Amini e Richard Lannon, da Universidade da Califórnia em São Francisco, a reação de protesto está atrelada à dopamina e à noradrenalina. Em experiências com animais, elevadas concentrações desse neurotransmissor são associadas não apenas ao aumento da vigilância, mas também fazem com que o indivíduo solitário identifique a falta e busque o que necessita.
O fato de a concentração da dopamina aumentar justamente logo após o abandono poderia esclarecer por que o interesse pela pessoa perdida fica mais intenso nessa fase. Além disso, o neurocientista Wolfram Schultz, da Universidade Suíça de Fribourg, descobriu há alguns anos o que acontece no cérebro dos macacos quando uma guloseima que lhes havia sigo apresentada “desaparece” repentinamente: neurônios do sistema de recompensa passam a trabalhar por um período especialmente longo, como que para suprir (ou tentar entender) a perda.
Mas que ironia da natureza! Mal se deixa de ter acesso ao objeto do amor, intensifica-se justamente a atividade daqueles circuitos cerebrais que provocam o desejo mais pronunciado. Mas não é só o mecanismo de recompensa que fica severamente esgotado na primeira fase de privação amorosa. Além do desejo intensificado, surge o medo, como se os indivíduos estivessem mais expostos e vulneráveis. Segundo o neurocientista Jaak Panksepp, da Universidade Estadual Bowling Green, em Ohio, nos mamíferos há uma reação neuronal de pânico em cadeia quando a mãe se ausenta. Segundo o pesquisador, nessas situações os filhotes se tornam imediatamente inquietos, choram e apresentam palpitações.
Nos humanos, resquícios mentais dessa experiência podem ressurgir quando ocorre uma nova separação, ativando tanto mecanismos psíquicos quanto cerebrais.Quase sempre o parceiro que não queria a separação é tomado, em alguns momentos, pela fúria – mesmo que a relação tenha terminado de forma transparente e sincera. O psicólogo Reid Meloy, da Universidade da Califórnia, em San Diego, denomina essa reação abandonment rage (raiva do abandono). O fenômeno também parece outro estranho capricho do processo evolutivo, se considerarmos que a ira ou o ódio dificilmente farão o desertor voltar.
E como o amor pode se transformar tão repentinamente em ódio? Se examinarmos bem, os dois sentimentos não são antagônicos – o oposto do amor seria o desinteresse. Aparentemente, a raiva do abandono não exclui o amor. O seguinte experimento demonstra que amor e ódio estão muito próximos um do outro: se estimularmos eletricamente o circuito de recompensa no cérebro de um gato, ele expressa forte sentimento de bem-estar. Porém, assim que interrompemos a estimulação, o animal arranha e morde. Esse tipo de reação a expectativas não correspondidas é conhecido como “resposta de frustração-agressão”.
De alguma forma, parece que nossos antepassados desenvolveram esse infeliz curto-circuito neuronal entre amor e ódio – talvez com o objetivo bem prático de solucionar problemas de procriação. Provavelmente, todas as etapas vividas convergem justamente para esse mecanismo – que nos possibilita de fato encerrar um relacionamento amoroso fracassado para que possamos ousar um novo começo. Além disso, é a raiva do ex que faz com que os pais, no caso de uma separação, lutem tão intensamente pelo (que acreditam ser o) bem-estar de sua prole.
Quantas vezes, homens e mulheres anteriormente equilibrados se transformam repentinamente durante uma separação, tentando conseguir o que acreditam ser “o melhor” para seus filhos, da pior maneira possível. Nos Estados Unidos há juízes que mandam instalar um botão de emergência em sua mesa, caso os brigões que estão se divorciando resolvam se agredir fisicamente durante a audiência.
Mas, em algum momento, as pessoas desistem. E aí inicia-se a segunda fase da separação: é o momento de lidar com a perda e resignar-se. Nessa fase, os mais propensos ao uso de álcool podem recorrer à substância; outros se isolam ou passam a maior parte do tempo apáticos. “Em 1991, um grupo de sociólogos da Universidade da Califórnia, em Los Angeles, entrevistou 114 homens e mulheres que tinham sido deixados por seus amados nas oito semanas anteriores. Mais de 40% sofria de depressão. Dos que receberam esse diagnóstico, 12% classificaram a patologia como mediana ou intensa”, observa Helen Fisher.
A fase de resignação também se reflete na rede de recompensa neuronal. Filhotes abandonados por suas mães, que inicialmente protestaram e entraram em pânico, mais tarde experimentam um estado de resignação, uma espécie de letargia, em “resposta de desespero”. Quando esses animais compreendem que suas esperanças não serão mais realizadas, as células produtoras de dopamina no mesencéfalo reduzem sua atividade. A falta desse neurotransmissor, por sua vez, leva ao desânimo e, nos casos mais graves, à depressão.
Num primeiro momento, assim como o “amor-ódio”, o desespero também parece contraproducente. Para que perder tempo com aflições? Alguns especialistas, porém, acreditam que a depressão se desenvolveu como mecanismo de superação. Existem toneladas de teorias sobre esse tema. Uma hipótese extremamente interessante é defendida pelo antropólogo Edward Hagen, da Universidade Humboldt de Berlim, e pelos biólogos Paul Watson e Paul Andrews, da Universidade do Novo México, assim como pelo psiquiatra Andy Thomson, da Universidade da Virginia. Segundo eles, o alto ônus psíquico, físico e social causado pela depressão tem sua utilidade: seus sintomas funcionam como claro sinal de que a pessoa afetada precisa urgentemente de apoio daqueles que a rodeiam.
Imaginem uma moça do período paleolítico cujo companheiro se junte abertamente a outra mulher. No início, ela protesta furiosa tentando forçar seu parceiro a abandonar o affair. Ela pede ajuda a amigos e aos companheiros do clã, mas suas súplicas não são atendidas. Por fim, ela entra em profunda depressão. Isso faz com que a família finalmente expulse o homem infiel. Eles apóiam a jovem abandonada até que ela reúna forças suficientes para procurar um novo companheiro e conseguir novamente colaborar com a alimentação e os cuidados das crianças.
A depressão, porém, oferece mais uma vantagem evolucionária: nos obriga a encarar os fatos como são. Pessoas depressivas vivem aquilo que o psicólogo Jeffrey Zeig, da Fundação Milton H. Erickson, em Phoenix, Arizona, chama de “falha da negação”. Somente a depressão leva uma pessoa a aceitar finalmente o apoio oferecido ou a tomar uma decisão que, em última instância, pode acabar tendo efeito positivo sobre suas chances de sobrevivência e procriação.
A natureza humana tem bons motivos para ser moldada de forma que soframos massivamente pela privação repentina do amor – no início, para que possamos protestar e tentar recuperar o objeto de nosso afeto e, por fim, quando nada disso funciona, para que deixemos de lado esse objeto e possamos recomeçar.
Aparecida Souza Corrêa

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