8 de jan. de 2009

Livros politicamente corretos não ajudam na educação de crianças

Morte, guerra, ciúme, raiva, entre outros sentimentos, são estudados em cantigas infantis e livros voltados para crianças
A cantiga "atirei o pau no gato" em algumas escolas passou a ser cantada como "não atirei o pau no gato", o "boi da cara preta" como "boi do Piauí". As chamadas expressões politicamente corretas invadiram o nosso cotidiano.
Uma tese de doutorado, defendida no início do mês na Faculdade de Educação da USP, analisou a presença do politicamente correto nos livros e cantigas infantis e concluiu que a presença destas expressões não contribui para uma melhora na educação das crianças.
Ilan Brenman, responsável pela pesquisa intitulada A condenação de Emília: uma reflexão sobre a produção de livros politicamente corretos destinados às crianças, é escritor de livros infantis e contador de histórias. Ele se interessou pelo tema porque é afetado no seu cotidiano profissional, por professores e leitores que reclamam de histórias com temáticas consideradas violentas ou inadequadas à infância: morte, guerra, ciúme, raiva etc. Em visitas a escolas da Grande São Paulo, Brenman notou que os livros tradicionais infantis estão sendo substituídos por publicações que chama de livros de "boas maneiras" e sobre "preconceitos". Nessas cartilhas, ele conta que as histórias giram em torno de narrativas sobre bons modos e ausência de preconceito. O pesquisador passou, então, a uma análise histórica de livros de boas maneiras e encontrou um livro de Erasmo de Roterdã, chamado Civilidade pueril (do séc. XVI), que trata, em termos bem semelhantes, dos assuntos que tratam os livros de boas maneiras para crianças. Um exemplo são os modos à mesa: no livro de Erasmo ele atenta para formas inadequadas de se comportar, como assoar o nariz durante a refeição, não beber líquidos enquanto come, mastigar de boca fechada.
Nos livros atuais há as mesmas orientações. Brenman, porém, observa é que há 500 anos quando foi escrito o livro de Erasmo, essa "etiqueta" não era comum na sociedade. Ele considera então que o livro teve um papel na história, mas hoje entende que não há sentido "ensinar" boas maneiras às crianças por meio de livros, nem dar uma "roupagem moderna" a uma cartilha ultrapassada. Nas histórias de livros politicamente corretos, Brenman vê outros problemas. "Esses novos livros escondem o conflito, não têm nenhuma incorreção, e impõem uma moral de fora para dentro. Nós observamos cada vez menos bruxas, lobos-maus, menos monstros". Ele avalia que isso é ruim para a educação, pois "não adianta subestimarmos as crianças. Todas elas tem uma parte sádica, mas de alguma forma a criança se projeta na bruxa da historia, e assim trabalha com seu lado agressivo". Ainda segundo o escritor, a família acabou passando seu papel na educação da criança e a escola, por sua vez, delegou seu papel aos livros. A condenação de Emília Brenman avalia que as últimas conseqüências dessa vigilância sobre os contos infantis, seria condenar personagens como a Emília, de Monteiro Lobato: "a Emília é famosa por sua rebeldia e por suas incorreções, e a graça dela está nisso". Tomando as últimas conseqüências do politicamente correto na literatura, o conto "'Negrinho do pastoreio' teria que passar a se chamar 'Afrodescendentezinho do pastoreio'".
"Nunca se publicou tantos livros e nunca houve tanta violência nas escolas", ressalta o pesquisador. Segundo ele, isso prova que não é possível estabelecer relação entre os dois fenômenos. Alguns livros infantis, cantigas e os videogames se transformaram nos "bodes expiatórios" da violência nas escolas, mas ela vem de múltiplos fatores como: a desestruturação das famílias, a falta de preparo dos professores, o excesso de alunos nas salas de aulas, etc. De acordo com Ilan, os educadores que fazem essa relação dizem prezar pela "paz nos contos infantis, mas essa é a paz dos cemitérios". O estudo foi orientado por Hercília Tavares de Miranda, professora aposentada da Faculdade de Educação da USP.

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