Poucas atitudes humanas são tão enigmáticas quanto o suicídio. O inexplicável ganha contornos ainda mais trágicos quando o comportamento suicida se multiplica entre os integrantes de uma família. Na semana passada, Frieda Hughes anunciou que o seu irmão, Nicholas, se enforcara em sua casa no Alasca.
Os dois são filhos de Sylvia Plath, uma das mais brilhantes escritoras americanas do século XX, com o poeta inglês Ted Hughes, outro peso-pesado das letras. Quando Nicholas tinha apenas 1 ano de vida, Sylvia, no auge de seus 30 anos, trancou-se na cozinha, colocou a cabeça no forno e ligou o gás.
Durante décadas, feministas acusaram Ted de ser o culpado do suicídio de Sylvia, pelo fato de ele a ter deixado por outra mulher, Assia Wevill, pouco tempo antes. Seis anos depois, Assia se matou da mesma forma que Sylvia, levando consigo a filha pequena que tivera com Ted.
É impossível saber se a perda da mãe, da madrasta e da meia-irmã por suicídio influenciou de alguma forma o gesto final de Nicholas, um respeitado biólogo marinho de 47 anos que, segundo Frieda, lutava contra a depressão. Supõe-se, no entanto, que a combinação de fatores genéticos, herdados dos pais, com sociais, incluído aí tudo o que diz respeito à estrutura familiar, esteja na base do ato extremo de pular de um prédio, enforcar-se, estourar os miolos com um revólver ou tomar uma caixa inteira de barbitúricos – os métodos mais comuns de suicídio.
Uma experiência traumática na infância, como a perda de alguém muito próximo, pode ser considerada um detonador. Sylvia Plath, por exemplo, entendia que seu pai, morto quando ela era criança, apresentava um comportamento suicida ao se negar a tratar o diabetes.
Entre os fatores de origem genética, estão distúrbios mentais como a bipolaridade e a esquizofrenia. O escritor americano Ernest Hemingway, que se matou em 1961, sofria de transtorno bipolar. Seus irmãos Ursula e Leicester, seu pai, Clarence, e sua neta Margaux também se suicidaram.
Suspeita-se que todos sofriam do mesmo problema. Nove em cada dez suicidas têm algum tipo de transtorno psíquico diagnosticado. Nem mesmo essa estatística, porém, é suficiente para esclarecer totalmente o que leva uma pessoa a cancelar sua existência.
"Afinal de contas, 90% dos pacientes com depressão ou outros distúrbios não se matam", diz Marcelo Tavares, coordenador do Núcleo de Intervenção em Crise e Prevenção do Suicídio da Universidade de Brasília. O que determina, então, o ato radical da minoria? Quase nunca uma única causa, é certo. "Em geral, o suicida enfrenta uma superposição peculiar de elementos psicológicos, biológicos, culturais, ambientais e sociais", diz o psiquiatra José Manoel Bertolote, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Botucatu.
A filosofia, desde Platão, dedicou um capítulo especial às questões morais ligadas ao direito ou não do autoaniquilamento. O cristianismo, por meio de pensadores como Santo Tomás de Aquino, condenou sem exceções o suicídio. A doutrina medieval estabelecia que a autodestruição violava o princípio de que o corpo humano pertence a Deus.
Essa visão foi contestada por pensadores iluministas como o escocês David Hume (1711-1776), o maior nome do ceticismo, que analisava o suicídio do ponto de vista da experiência individual, e não da religião. O sociólogo francês Émile Durkheim (1858-1917), expoente do positivismo, concluiu na obra O Suicídio que se matar é uma decisão movida essencialmente por motivos sociais – como a falta de vínculos fortes com a sociedade ou, ao contrário, uma integração tão completa do indivíduo com seu entorno que ele é capaz de se sacrificar pelo bem comum. Já os existencialistas colocaram o suicídio no centro do debate sobre a razão de viver, como se fosse uma saída plausível para cada um de nós.
Em O Mito de Sísifo, o escritor francês Albert Camus ponderou que, se a vida não tem sentido, talvez não valha a pena sequer ser vivida. Mas, em seu belo livro, Camus afirma também que o ser humano deve aceitar a tensão de procurar sentido em um mundo absurdo e caótico, descartando, assim, a opção do suicídio. De qualquer forma, ao colocarem o suicídio como escolha, os existencialistas romantizaram a questão.
Quase todo mundo já flertou, ainda que de modo efêmero, com a ideia de tirar a própria vida. Que o digam adolescentes às voltas com uma grande desilusão amorosa. Ligeiros pensamentos suicidas, no entanto, não são preocupantes. Eles requerem atenção quando passam a habitar constantemente o nosso universo mental e, assim, podem transformar-se num impulso incontrolável. Terapia e, talvez, o uso de remédios são a saída mais concreta e menos filosófica. Sylvia Plath costumava insinuar que a escrita, para ela, funcionava como terapia.
"A análise de seus textos, contudo, revela que a escrita alimentava os sentimentos dolorosos que a atormentavam", diz a psicóloga Ana Cecília Carvalho, autora do livro A Poética do Suicídio em Sylvia Plath. "O jato de sangue é poesia / Não há nada que o detenha", escreveu Sylvia poucos dias antes de morrer. Como ocorre com artistas que se matam, é tentador interpretar a obra da americana como se fosse um bilhete de despedida a conter os sinais, mesmo que tênues, do fim voluntário. Sinais quase sempre indecifráveis em outros suicidas, cujas razões ficarão para sempre obscuras. Entre eles, Nicholas Hughes, que repetiu o caminho trágico da mãe.
Diogo Schelp
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