23 de jun. de 2009

O poder dos impotentes

De como a Revolução Islâmica alimentou os filhos que, finalmente, irão devorá-la
Independentemente do que possa ocorrer no futuro, o fato é que o Irã já escreveu um novo capítulo na história do poder popular.
Todos aqueles que conseguiram transpor a barreira do medo no país e protestar pacificamente nas ruas de Teerã, Isfahan ou Shiraz, portando alguma fita verde, fizeram história. Sozinhos, os indivíduos são impotentes. Mas juntos, pelo poder absoluto dos números, eles conseguem, mesmo que por poucas horas, contestar de maneira cabal o violento poder repressivo do Estado. Mesmo os brutamontes da milícia Basij não conseguem espancar tanta gente. Enquanto os manifestantes de verde continuarem não violentos, como ocorreu com a grande maioria deles, e enquanto saírem às ruas em grande número, Mahatma Gandhi os estará aplaudindo do seu túmulo. Porque aprenderam a lição fundamental de Gandhi sobre o poder dos impotentes. A quintessência do poder popular permanece a mesma, mas cada novo capítulo da sua história traz um fato novo. No caso do Irã, a inovação foi a utilização das mais novas tecnologias de comunicação e informação. Detalhes sobre os locais das manifestações, táticas e slogans foram passados por meio do Twitter, redes sociais virtuais como Facebook e mensagens de texto para celulares.
Videoclipes das manifestações e gravações foram carregados no YouTube e outros websites de modo a poderem ser acessados por pessoas fora do país e retransmitidos de volta. O Davi digital combatendo o Golias teocrático. Nada disso significa que os jovens iranianos usando o Twitter pela liberdade terão sucesso a curto prazo. Ou que mais alguns deles não serão atacados e assassinados em seus dormitórios estudantis pelos milicianos Basij, como já ocorreu. Nem significa que nós, no Ocidente, devemos rotular apressadamente os eventos como a "revolução verde", e mais rapidamente ainda compará-los à derrubada do Xá, 30 anos atrás. E tampouco que devemos ser ingênuos quanto aos motivos de conspiradores clericais, como Hashemi Rafsanjani, cujas manobras nos bastidores são uma parte importante desta história. Os movimentos do poder popular quase sempre fracassam, pelo menos no curto prazo. Como ocorreu com os protestos em Mianmar, em 2007, eles vivem das lembranças e imagens tocantes de um curto momento de poder popular, até que, talvez décadas depois, finalmente ocupam o seu lugar na mitologia retroativa de um país libertado. No caso presente, não tenho dúvida de que os jovens e as jovens que forneceram grande parte da energia das manifestações da oposição acabarão vencendo. Dois em cada três iranianos têm menos de 30 anos. Muitos nasceram na época em que os mulás exortavam as famílias a ter mais filhos - os pequenos "soldados do Imã oculto", como eram chamados - para fortalecer o novo regime islâmico e substituir os mártires da guerra entre Irã e Iraque. Graças a uma grande expansão do ensino superior na República Islâmica, milhões deles foram para a universidade. Quase a metade das pessoas com nível universitário no país é constituída de mulheres. E mais de dois terços da população iraniana vivem nas cidades. Essa população jovem, cada vez mais educada e urbana, quer empregos, casa, oportunidades e mais liberdade. Qualquer pessoa que viajar pelo Irã e conversar com esse jovens pode observar como estão descontentes. Na semana passada, o mundo inteiro viu isso: sobretudo nos rostos e nas palavras inesquecíveis das mulheres iranianas que, como qualquer mulher num Estado islâmico, necessitam duplamente do poder dos impotentes. Portanto, essa Revolução Islâmica criou os filhos que finalmente irão devorá-la. Aqueles destinados a serem os "soldados do Imã oculto" um dia verão a saída dos autodenominados oficiais do Imã oculto, como Mahmoud Ahmadinejad. Mas esse dia provavelmente não será hoje ou amanhã. No momento, devemos nos concentrar numa eleição roubada. Foi a magnitude e o descaramento da fraude eleitoral que transformou um momento político num momento histórico. Se o regime tivesse procurado resolver as coisa de um modo que Ahmadinejad ficasse com, digamos, 52%, e os candidatos de oposição vencendo em suas cidades natais, ocorreriam protestos, mas provavelmente não nessa escala. Muitos, incluindo governos ocidentais, podem aceitar o resultado e reconhecer que Ahmadinejad teve, de fato, um enorme apoio. Em vez disso, o líder supremo, o aiatolá Ali Khamenei, autorizou essa fraude esmagadora e até saudou-a como um "julgamento divino". Como resultado desse supremo julgamento político equivocado do líder supremo , os protagonistas da mudança agora têm duas grandes vantagens: primeiro, existe apelo simples e claro que atrai o apoio de milhões de iranianos comuns que podem não concordar com muitas outras coisas. "Meu voto foi tratado com desprezo. Ele tem que ser respeitado." Em segundo lugar, o próprio regime está profundamente dividido, um fato que tem sido crucial para o sucesso de outros movimentos do poder popular. Para aqueles iranianos que querem uma mudança de peso, o desafio agora é manter a pressão popular pacífica, que deve continuar estrategicamente concentrada na exigência de Mousavi de uma nova eleição. Chegaremos a um momento crucial se o Conselho dos Guardiães, que está reexaminando o "julgamento divino" a ponto de aprovar uma recontagem parcial, decidir na próxima uma ou duas semanas que Ahmadinejad venceu, embora por uma margem menor de divina falsificação. E depois? Haverá energia suficiente, em algum ponto entre uma juventude conectada, mobilizada, o campo de Mousavi e facções descontentes dentro do regime, para sustentar a demanda de uma nova eleição? Ou tudo isso vai evaporar, vencido por uma combinação de repressão, censura, exaustão e desacordo? Somente o povo iraniano pode responder a isso. Somente ele tem o direito de dar a resposta. Porque se os governos ocidentais apoiarem explicitamente Mousavi e os manifestantes, como George W. Bush teria feito, e John McCain vem insistindo, isso só dará ao regime um cassetete com que espancar os democratas iranianos. Afinal de contas, o Irã é um Estado que por décadas coloca a culpa de todos os seus males nas maquinações dos grandes (americanos) e pequenos (britânicos) satãs. Em compensação, acompanhar a China e a Rússia e reconhecer a vitória fraudulenta de Ahmadinejad, colocando equivocadamente em primeiro lugar um interesse de curto prazo, que é prosseguir com as negociações na área nuclear, e depois o interesse de longo prazo, que é a democratização do país, será um tapa no rosto dos iranianos privados do direito de voto. Do mesmo modo, como é gratificante constatar que nos últimos cinco meses, até agora, Barack Obama conseguiu chegar ao equilíbrio certo. No entanto, existe algo que os governos democráticos podem e devem fazer, sem precisar dizer alguma coisa que tenha relação direta com as autoridades iranianas. É manter e fortalecer a infraestrutura de informação global do século 21, que vai permitir que os iranianos. seja qual for o candidato que apoiarem, continuem em contato e descubram o que está de fato ocorrendo no seu próprio país. No início dessa semana, passei algum tempo no estúdio londrino do Serviço de TV Persa da BBC observando o pessoal carregando e retransmitindo gravações em vídeo, postagens em blogs e mensagens geradas pelos iranianos de dentro do Irã. Provavelmente a coisa mais importante que o Departamento de Estado americano fez para o Irã recentemente foi contatar o Twitter durante o fim de semana e insistir para que adiasse uma planejada atualização do serviço que poderia prejudicar a comunicação entre os iranianos durante algumas horas cruciais das manifestações de protesto. Bem-vinda a nova política do século 21. Timothy Garton Ash Professor de estudos europeus da Universidade Oxford, senior fellow da Hoover Institution, da Universidade de Stanford, e autor de Free World (Penguin UK), seu último livro

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