23 de jul. de 2009

Até Descartes já sabia!

Recentemente, um amigo esteve a ponto de esmurrar o computador. Havia dias que sua navegação na Internet lembrava os tempos da linha discada. Resolveu ligar para a empresa fornecedora do serviço de banda larga.

Começou seu tormento. Demorou até que alguém pudesse atendê-lo. Paciente, ele explicou o que ocorria. A moça não lhe deu resposta imediata. Pediu “um minutinho”. Depois de um tempo, retornou e lhe pediu uma série de dados “para confirmação”. Solicitou mais “um minutinho”. Aí, perguntou-lhe, mais uma vez, o que estava ocorrendo. Ele respondeu:

- Mas eu já disse o que ocorreu.

- São os procedimentos, senhor – decretou a atendente, automaticamente.

O jeito foi repetir toda a história. A atendente quis mais “um minutinho”. Depois, informou que algumas áreas da cidade estavam experimentando alguma lentidão. Ele insistiu, afirmando que o problema perdurava havia quase uma semana. Ela pediu mais “um minutinho”...

Eu sei. Até você já está ficando irritado. Acertei? Pois esse é o modelo de atendimento vigente em muitas grandes empresas. Inúmeras checagens e poucas respostas.

No caso citado, a funcionária acabou por aconselhar meu amigo a chamar um técnico para checar a fiação doméstica. Frustrado, ele já estava para desligar, quando a funcionária recitou uma longa proposta de contratação –paga, é claro– de um serviço de reparos e de um sistema antivírus. Falta de “simancol”.

Ele aguardou silenciosamente, pronunciou um “não” educado, agradeceu e desligou. Suspirou, saiu e foi cuidar dos seus cachorros. Esses, sim, capazes de entendê-lo.

Todo mundo sabe que esse tipo de atendimento é inadequado, mas por que o padrão é mantido?

Talvez porque as pessoas não pensem fora da caixa. Talvez porque muitas empresas ainda sejam negligentes no serviço ao cliente. Tempos atrás, a revista Operations & Fulfillment pesquisou 158 empresas e constatou que cerca de 25% delas não mediam formalmente o atendimento ao cliente.

Isso é grave. A situação é ainda pior, quando as companhias realizam pesquisas cujos resultados alimentam justamente a conduta inadequada de seus colaboradores.

Ora, o francês René Descartes lançou luz sobre a questão dos padrões de aferição da realidade há muito tempo. Em 1637, ele lançou o clássico “Discurso do Método”, um tratado matemático e filosófico para conduzir o pensamento humano. Esse saber ordenado foi fundamental para a constituição da ciência moderna. Está na base de estudos dos mais diversos campos do interesse humano, da sociologia à medicina, da física ao marketing.

O sábio Peter Drucker, aliás, tinha uma frase curtinha para expor sua preocupação com o tema: “Não existe gerenciamento sem medidas”. Segundo ele, métricas confiáveis são fundamentais à tomada de decisão nas mais distintas áreas da gestão.

Mas, afinal, o que acontece? Na verdade, muitas das pesquisas internas são elaboradas a partir de metodologias viciadas. O objetivo não é detectar o erro e buscar soluções, mas buscar uma justificativa para que as coisas sejam mantidas do jeito que estão.

Conforme o padrão adotado pela empresa de telefonia, o serviço da atendente pode ter sido considerado excelente. Afinal, meu amigo não chamou o supervisor, não xingou a interlocutora e nem pediu o cancelamento de sua assinatura. Se não há briga feia, muitos serviços de atendimento tendem a considerar que a missão foi cumprida a contento. A razão é bem simples: muitos estudos se concentram em verificar se o funcionário é eficiente, e não se o cliente está satisfeito.

Para ser confiável, uma pesquisa do gênero precisa ser conduzida por um agente externo ao setor, criterioso e independente. E mais: é necessário que ouça as pessoas e confira a efetividade do serviço.

Vale advertir que algumas pessoas simplesmente desistem de reclamar, porque não aguentam chateação. Outras, porque foram atendidas com simpatia, mesmo que seus problemas não tenham sido resolvidos. Esses são os “falsos satisfeitos” que contaminam os dados de pesquisas menos rigorosas.

Depois de tudo isso, também é preciso garantir que os dados obtidos sejam devidamente tabulados, comparados e interpretados. Muita pesquisa boa acaba gerando projetos sem pé nem cabeça, porque muitos executivos não estão preparados para decifrar o mistério de tabelas e gráficos.

Além disso, muitas empresas ainda não desenvolveram uma contabilidade inteligente, isto é, capaz de determinar o impacto do atendimento nos resultados financeiros.

Nessas corporações, não se conhece o tamanho do prejuízo em razão do atendimento ruim. E, pior, não se determina quanto a empresa poderia lucrar, se oferecesse um atendimento adequado. Do ponto de vista da estratégia competitiva, esse é um problema básico que muitas empresas não sabem ou não querem resolver, especialmente em setores monopolizados.

Se existe esse sério desvio, também é verdade que aí se esconde uma grande oportunidade de diferenciação de mercado. Vejamos alguns passos que podem ser adotados por um executivo bem disposto e de mente arejada:

- realizar pesquisas periódicas e refinar o método; - focar a satisfação do cliente e não a eficiência burocrática do atendente; - estabelecer uma ligação dinâmica entre a satisfação do cliente e o resultado gerado.

Por fim, é preciso pensar na diversidade e na singularização. Por vezes, diante da TV, eu me imponho um agradável exercício: penso em como minha empresa poderia atender, com educação e eficiência, os personagens que desfilam pela tela.

Como é que lidaríamos com os trotes do Bart Simpson? E com a avareza do Tio Patinhas? E com as obsessões do Peter, de “Uma Família da Pesada”? E o que dizer das suscetibilidades das moças de “Sex and the City”?

Quem faz essa reflexão logo percebe que não pode adotar uma cartilha padronizada para o atendimento. Como adotar sempre o mesmo procedimento, se as pessoas são cada vez mais diferentes?

Carlos Alberto Júlio Picture by Salvador Dali

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