22 de nov. de 2009

Desvendando a Mente Estética


Já é possível observar diretamente como reage o cérebro diante de uma obra de arte. O prazer estético estimula áreas cerebrais que geram emoções de euforia e bem-estar.  


O que acontece quando temos uma experiência artística e, em sentido mais geral, uma experiência estética? 


Nos últimos 30 anos, as neurociências levaram suas explorações até o limiar que divide as ciências da Natureza das ciências da cultura, esclarecendo a natureza biológica e psíquica da experiência estética, uma das mais controversas e fascinantes das experiências humanas. Na realidade, já nos séculos passados escritores e filósofos – de Platão a Goethe, de Kant a Winckelmann – haviam tentado penetrar a essência do senso estético, da beleza. Nenhum deles, no entanto, podia imaginar que um dia observaríamos in vivo as dinâmicas do cérebro diante de uma obra de arte. 


No entanto, o desenvolvimento dos novos métodos de brain imaging – que nos mostram a atividade do cérebro enquanto cumprimos uma ação, pensamos ou nos emocionamos – propicia avanços formidáveis no conhecimento da fisiologia cerebral. A ressonância magnética funcional, especialmente, nos permite estudar os padrões de ativação das diferentes áreas do cérebro, mostrando como toda estrutura cerebral é especializada em uma ou mais tarefas específi cas, como a elaboração dos estímulos sensoriais (visuais, táteis, auditivos etc.), o planejamento e a execução de processos motores ou a percepção de determinados estímulos emotivos. Evidências experimentais recentes esclarecem que, embora no plano das experiências estéticas – que implicam sentimentos, recordações, emoções e outras coisas mais – os seres humanos mostrem um forte caráter individual (porque ligados a componentes genéticas e culturais), diante de uma obra de arte eles compartilham as mesmas percepções elementares. 


Nesse sentido, perceber o mesmo objeto ou experimentar as mesmas emoções provocam a ativação das mesmas áreas cerebrais em todos os seres humanos. Essa disposição comum é fundamento da capacidade de comunicar até aquelas impressões e emoções profundas que não sabemos expressar com palavras.A pintura, a escultura, a poesia e a música permitem ao homem expressar em obras de elevadíssimo nível estético conceitos sutis, paixões, prazeres, tormentos e os mais íntimos movimentos da alma humana. Há cerca de uma década, um grupo de pesquisadores ingleses elaborou um programa de pesquisa – definido como neuroestética – com o objetivo de esclarecer os mecanismos biológicos da experiência estética. 


Em diversos estudos, Semir Zeki e seus colaboradores identificaram algumas áreas cerebrais envolvidas na fenomenologia do amor (romântico ou materno), mostrando que esse sentimento – seja lá qual for seu significado – estimula as áreas cerebrais que geram sensações de prazer e recompensa. Segundo os pesquisadores ingleses, essas evidências explicariam por que o amor, assim como a arte, nos deixa eufóricos, provocando-nos sensações de bem-estar. Nas situações em que esse sentimento está em jogo, os estudiosos perceberam que, enquanto algumas áreas cerebrais são ativadas, outras se desativam: entre estas últimas, figuram os lobos frontais, especificamente envolvidos nas operações de julgamento das pessoas. 


Esse dado, muito relevante, poderia esclarecer por qual motivo as pessoas são quase sempre escassamente objetivas em seus juízos sobre as pessoas amadas, e, particularmente, as mães quase sempre tendem a ser pouco críticas em relação aos próprios ilhos. Embora pesquisas desse tipo ainda não tenham sido realizadas no âmbito artístico, não é infundado supor que eventos do mundo exterior – por exemplo, dinâmicas socioculturais – podem provocar uma inibição reversível dos lobos frontais, tornando menos imparciais nossos juízos estéticos. 


Nesse sentido, se o papel inibidor dos fatores socioculturais nos lobos frontais fosse demonstrado, talvez pudesse ser explicado por que uma obra não particularmente sugestiva, ainda que inserida em um contexto que nos é conhecido (quando, por exemplo, o artista em questão é universalmente consagrado), pode ser reavaliada do ponto de vista estético.  Busca de Essências Uma das peculiaridades essenciais do cérebro é conhecer – entre fluxos de informações enormes e inconstantes – as regularidades e as invariâncias de objetos e situações. Para esse fim, o cérebro utiliza procedimentos que lhe possibilitam extrair as informações necessárias para o conhecimento das propriedades duráveis da realidade. Um exemplo pertinente a esse respeito é a visão da cor. 


A qualquer hora do dia um objeto permanece com a mesma cor. O que medeia esse mecanismo é um sistema de elaboração do cérebro geneticamente determinado, que age, por assim dizer, por graus, reconhecendo antes as cores e depois as formas. Há mais um processo de extremo interesse: o fenômeno da abstração, mediante o qual o cérebro enfatiza o “geral” em detrimento do “particular”, ao qual se segue a formação dos conceitos, daquele da linha reta até o mais complexo de beleza. Trata-se de conceitos que os artistas procuram transfundir constantemente em suas obras. 


Assim como sabe a neurofisiologia das cores e do movimento, quando o cérebro determina a cor de uma superfície, o faz de maneira abstrata, sem se “preocupar” com a forma precisa do objeto. Há, com efeito, células do córtex visual tão especializadas a ponto de reagir somente ao movimento em uma direção e não em outra. Em geral, como busca dos princípios e das regularidades da percepção da obra de arte, a neuroestética articulou-se em dois níveis fundamentais: 


a) a indagação da visão como processo ativo mediante o qual o cérebro, construindo e reconstruindo o mundo, adquire conhecimento do ambiente; 


b) a indagação da experiência artística como função da relação entre o sujeito que percebe e o mundo percebido. As pesquisas sobre as diferentes áreas do córtex visual contribuíram de maneira determinante não somente para a elaboração de um modelo da visão como processo ativo, mas também para a definição das sequências mediante as quais o cérebro – filtrando e elaborando os impulsos nervosos provenientes da retina – representa para si o mundo exterior, por meio de uma verdadeira reconstrução fundamentada na interpretação do fluxo de informações provenientes do ambiente. 


Precisamente o estudo das dinâmicas de seleção, classificação e registro dos estímulos provenientes do ambiente exterior – do qual se origina a representação da realidade – ofereceu a deixa para uma reconsideração da relação entre essa atividade de filtro múltipla (por ser desenvolvida de maneira aparentemente independente das áreas V1, V2 e V3, V4 e V5 do córtex visual) e a elaboração do dado que o artista realiza em seu caminho de busca pelo que é essencial. 


É preciso dizer que a seleção, eliminação, comparação e enfim identificação dos dados sensoriais – isto é, o processo mediante o qual o cérebro adquire conhecimento sobre o ambiente –mostram uma forte analogia com os processos que estão na base da representação artística. Esta, de algum modo, constitui uma verdadeira extensão das atividades ordinárias do córtex visual, que são as de representar as características constantes, duradouras, essenciais e estáveis de objetos, superfícies, rostos, situações e assim por diante: isto é, todas aquelas operações que nos permitem adquirir conhecimento. 


Em sua contínua experimentação e, portanto, na busca de uma linguagem expressiva própria, o artista retomaria, de maneira mais ou menos consciente, o trabalho de seleção mediante o qual o cérebro chega ao que há de essencial no dado sensorial. Nesse sentido, a arte se mostra como a busca de regularidades e invariâncias estruturais por meio de um processo de seleção e derivação de sentido de uma grande quantidade de dados perceptivos: uma espécie de extensão da atividade fundamental do cérebro visual, que afinal é a de adquirir conhecimento do mundo identificando suas propriedades específicas e estáveis.


Mas existe uma simetria adicional a ser considerada: aquela entre a necessidade de o cérebro isolar e avaliar as qualidades permanentes, essenciais e constantes dos objetos do mundo e o esforço contínuo da pesquisa artística para apreender e investigar a própria essência da realidade. É nesse sentido que a arte acresce nosso conhecimento do mundo exterior, mostrando-se suscetível à exploração científica de alguns aspectos da interação entre a elaboração e o desfrutar da obra de arte e a atividade de algumas áreas do córtex visual. Alguns estudos se aventuram precisamente nessa direção, delineando uma espécie de abordagem intuitiva dos artistas a algumas esferas da visão. 


Isto é, o artista seria uma espécie de neurologista inconsciente que – por meio da própria pesquisa, antes introspectiva e depois formal – de maneira mais ou menos seletiva manipula as diferentes áreas do córtex visual. A carga comunicativa do produto artístico (e suas implicações intersubjetivas) se deveria à especial sensibilidade com que o artista individualmente instaura um diálogo mais ou menos consciente com as bases biológicas das próprias funções do fenômeno da visão, conseguindo assim produzir alguma coisa capaz de solicitar faculdades, estruturas e dinâmicas comuns a todos os outros cérebros. Mas isso ainda pouco ou nada nos diz quanto à própria essência da experiência estética. 


 Quando o Som Fica Colorido Todos aqueles que, por diversos motivos, tratam de neurociências, tiveram de responder, por vezes com certo constrangimento, a perguntas do tipo: mas se cada área do cérebro tem uma função específica, existe então uma área (ou mais) da criatividade? E, admitindo-se sua existência, seria talvez mais desenvolvida nas pessoas criativas? Na verdade, apesar das extraordinárias oportunidades proporcionadas por novos métodos não invasivos e de parâmetros múltiplos de estudo do cérebro (fMRI, PET, MEG etc.), ainda não temos condições de explicar a maior parte dos fenômenos cerebrais. Assim, a despeito dos enormes esforços, a identificação de uma neurobiologia da criatividade, dos estados mentais e das emoções ainda está longe de se dar. Entre os diversos fenômenos ainda envoltos em mistério, há um que está captando progressivamente o interesse dos pesquisadores e tem a ver com as questões essenciais que a neuroestética coloca: a sinestesia (do grego syn, “em conjunto”, e aisthánestai, “perceber”), fenômeno em que esferas sensoriais diferentes se mesclam em combinações que dão lugar a percepções e representações inéditas. Uma forma de sinestesia muito conhecida é aquela entre cores e sons: uma pessoa, ouvindo sons e notas específicas, percebe uma cor sobreposta às imagens que está observando, mesmo que aquela cor esteja fora de seu campo visual. 


Como o famoso caso de Mozart, que, junto com o som, “via” a cor das notas. É preciso dizer que, embora não tenhamos total consciência disso, todos nós experimentamos entrelaçamentos entre visão e audição, às vezes inextricáveis. A maior recorrência é a combinação entre sons e imagens, como no caso da percepção de sons coloridos ou vice-versa. Nos sinestésicos, por exemplo, a observação de um quadro chama à mente uma música, precisamente como ouvir uma sinfonia chama uma imagem ou uma cor. A sinestesia hoje estudada pelas neurociências é, essencialmente, a mesma que, no curso da história, incendiou a fantasia criadora de artistas, músicos, poetas e escritores como Rimbaud, Liszt, Nabokov e tantos outros. Na mente de Kandinski, por exemplo, as cores se transfiguram em um meio sonoro que “ecoa e vibra” na obra junto com as formas. 


O artista russo descobre o extraordinário poder expressivo das corres assistindo à representação do Lohengrin, de Wagner: “(...) parecia-me ter diante dos olhos – escreve – todas as minhas cores. Diante de mim formavam-se linhas desordenadas, quase absurdas. (...) O sol derrete Moscou inteira numa mancha que, como um trompete, impetuoso, faz a alma toda vibrar. Não, essa uniformidade vermelha não é a hora mais bonita! Esse é apenas o acorde final da sinfonia que doa a máxima vitalidade a cada cor, que faz com que toda a cidade ressoe como o fortíssimo de uma enorme orquestra”. 


Para Kandinski, a cor produz nos espíritos sensíveis efeitos psíquicos intersensoriais que vão além da vista: sabores azuis, sons amarelos, cores ásperas ou lisas. A relação íntima entre sons e cores que Kandinski percebeu por meio da música wagneriana se cruza com as especulações teosófico-musicais de outro artista russo seu contemporâneo, o músico Aleksander Skriabin, com o qual Kandinski compartilhava a crença na função mística da arte. Em seu Prometeu as artes se unificam, os sons e as cores se fundem. E mais: toda a sinfonia cromática de Prometeu se alimenta da correspondência entre sons e cores. Todo som remete a uma cor, toda modulação harmônica chama uma modulação cromática. A música é indissociável das cores. 


 Sinestesia não é Criatividade O cérebro se constitui de diversas áreas cerebrais separadas umas das outras, que permitem a percepção dos diferentes aspectos da cor, do movimento, dos vultos, dos sons e assim por diante. Do ponto de vista anatômico, entre a área V4 (que rege a visão das cores) e as áreas auditivas não há conexões diretas e, portanto, cores e sons percorrem caminhos perceptivos diferentes. Assim, se em condições normais a experiência cromática concerne à área V4 e a auditiva ao córtex cerebral auditivo, nos sinestésicos a audição de sons que determina atividade em V4 provoca percepções cromáticas também na ausência de estímulos específicos. 


Não sabemos ainda se no cérebro dos sinestésicos haveria peculiaridades anatômicas, estruturas neurais de contato entre áreas cerebrais distantes ou se, enfim, entre essas áreas faltaria uma inibição na comunicação neural. Sabemos, porém, que a sinestesia torna o conhecimento do mundo extraordinário e esteticamente sugestivo. Além disso, sua influência na criatividade de um artista – isto é, o efeito de sobreposição de objetos presentes no ambiente à percepção viva de cores, sons ou gostos – é formidável. Ver as cores de uma sinfonia ou sentir o gosto de uma forma intensificam o valor estético de uma obra. Mas, atenção! Embora ligados por uma origem comum, a sinestesia difere notadamente da criatividade. 


Com efeito, se a sinestesia gera uma experiência vinculada à percepção espontânea e explícita, a fantasia criativa tem por esfera eletiva a imaginação e, portanto, não tem a ver com sensorialidade. Em razão dessa natureza abstrata, as ideias criativas podem ser transmitidas através das gerações e compartilhadas por civilizações diferentes, constituindo um valor na evolução cultural. Diversamente, as percepções originais e insólitas dos sinestésicos parecem experiências extraordinárias de poucos indivíduos. Apesar disso, a busca de nexos entre criatividade e sinestesia – que afinal é a busca de uma correlação entre a estrutura física do cérebro e a criatividade – é de extremo interesse científico. 


A própria criatividade, se pensada como um efeito extremo da sinestesia, envolve relações específicas entre áreas do cérebro e conexões peculiares, que conferem ao indivíduo a capacidade de apreender novas relações entre esferas psíquicas diferentes e os objetos do mundo. Já se sabe que a amígdala atribui valores emocionais a estímulos em si neutros mediante processos associativos ditados pela experiência individual. As evidências empíricas sugerem que o sentido do belo deriva de uma ativação simultânea de áreas corticais incumbidas da análise física do estímulo (e, portanto, dependentes de parâmetros intrínsecos da obra, que podem variar de obra para obra) e da ínsula, estrutura encarregada da percepção e da organização das emoções. 


Outros valores da obra de arte são, ao contrário, elaborados pelo observador segundo critérios subjetivos em geral ligados à experiência e ao gosto individual. Esse segundo tipo de beleza, que se pode definir como subjetiva, envolve a atividade da amígdala, a área que codifica o aspecto emocional das experiências pessoais. Diferentemente do que se acreditou por muito tempo, a visão não depende da fi xação de uma imagem na retina, que em seguida é transmitida ao cérebro e por ele interpretada. No olho não há nenhuma imagem no sentido tradicional. A retina é apenas o filtro e o canal dos sinais em direção ao cérebro, que depois constrói o mundo visual. Em outras palavras, a visão é um processo ativo. Matisse compreendeu isso instintivamente quando, bem antes dos cientistas, escreveu: “Ver já é um processo criativo, que requer muito esforço”. 


Essa ideia de criatividade envolve a existência de conexões a um só tempo suplementares e atípicas, isto é, estruturas nervosas que servem de ponte entre percepções e atividades psíquicas (conscientes ou inconscientes) presentes exclusivamente em algumas pessoas mais criativas. A propensão à criatividade tem um valor formidável para artistas, cientistas, fi lósofos e, em geral, para todo indivíduo pensante. Não é necessário, porém, ser sinestésico para conquistar a inspiração e a emoção que impele a criar: bastaria aguçar a própria sensibilidade por meio do envolvimento dos sentidos em um original conjunto perceptivo. Por outro lado, hoje mais que ontem, a tecnologia permite ao artista pintar, esculpir ou escrever enquanto escuta música. 


Ele pode até acrescentar às obras de arte elementos que evocam experiências multissensoriais que lhes incrementam o valor emocional. Pesquisas recentes, como as de Cytowic, mostram como percepções próximas às sinestésicas exaltam o julgamento estético e a harmonização de perfumes, cores e sons, devolvendo às obras um amálgama sensorial de intenso prazer. A atuar tal síntese entre dimensões sensoriais diferentes estão, particularmente, indivíduos capazes de otimizar os elementos fi gurativos da gramática perceptiva humana. O sentido da experiência estética não deveria ser buscado, portanto, na simples estimulação (ou hiperestimulação) seletiva de determinadas áreas do córtex visual, mas nessa peculiar gramática utilizada pelos artistas na comunicação. 


 Rumo a uma Teoria Neural da Arte? A teoria neural da arte ainda dá seus primeiros passos. É plausível acreditar que, graças também aos novos métodos de brain imaging, aspectos que hoje escapam a nosso conhecimento poderão ser logo desvelados em seus níveis mais profundos. Não podemos desconsiderar, por outro lado, que o receio de muitos – isto é, a ideia de que interpretando os objetos artísticos em termos neurobiológicos possamos tirar deles seu valor (destituindo-os de sua capacidade de nos causar prazer) – pesa bastante nesse âmbito de pesquisa. É evidente, todavia, que não é o conhecimento dos mecanismos e das funções neurais – que ainda assim nos fazem apreciar as pinturas de Caravaggio, Turner ou Velásquez – que os torna menos maravilhosos. Bem mais profícuo é discutir se a arte teria ou não uma função. 


E, admitindo-se que a tenha, se ela consistiria na necessidade de adquirir mais conhecimento do mundo circunstante ou, até mesmo, de simular a realidade, transcendendo-a ou deformando-a. A essa altura, é preciso perguntar-se se não seria necessário reconsiderar em novos termos a relação entre neurociências, arte e filosofia. Não somente a história da arte, mas também estudos de iconologia, antropologia e psicologia demonstram que a função da representação não pode ser identificada somente com um instrumento adicional de nosso conhecimento do mundo dos objetos. 


 Se, como já foi dito, o homem é um animal produtor de símbolos, a simbolização é um processo voltado a expressar alguma coisa. A possibilidade de interpretação do símbolo, todavia, não diz respeito a uma realidade exterior e material, mas a uma realidade interna e imaterial. Eis que, portanto, estamos no interior de um paradoxo perfeito: o símbolo dá corpo e essência àquilo que corpo e essência não têm. Através do símbolo, de fato, expressamos aqueles conteúdos indistintos que afloram à consciência e depois tomam parte, em formas diferentes, da esfera racional. É a consciência que restitui às coisas um sentido além da objetualidade. Em lugar de tratar diretamente com as coisas, o homem faz experiência delas, as capta, as decifra somente no diálogo constante consigo mesmo. Ele não se move em um mundo de objetos univocamente dados, de impulsos imediatos, mas sim vive, sente e reflete mergulhado numa densa atmosfera de emoções e imagens, de sentimentos e fantasias, de expectativas e esperanças. O homem é um animal simbólico, e o símbolo, como diz Jung, é corpo vivo e alma (a mais antiga e eficaz metáfora do símbolo). 


Para além de sua notória origem, o termo símbolo – que remete etimologicamente aos movimentos de separação e reunião – carrega em si uma polaridade aparentemente derivável e uma polaridade etimologicamente inderivável. Em Freud, ele se encarrega de ocultar a verdade (unindo o conteúdo manifesto de um comportamento, de um pensamento, etc., a seu sentido latente), ao passo que em Jung designa a natureza obscura do Espírito (a sombra) em suas expressões polimorfas, mantendo constantemente viva a tensão dos contrários que está na base de nossa vida psíquica. 


Para além de si próprio, o símbolo remete a um sentido inefável, obscura mente apresentado, que nenhuma palavra expressa completamente. Além disso, o símbolo desempenha a função de substituição, que faz transitar na consciência, de forma dissimulada, os conteúdos que de outro modo não teriam acesso a ela. Não é um artifício conceitual, mas uma realidade que detém um poder real que – como se vê frequentemente em psicopatologia – em alguns casos até subverte a trama e a urdidura mentais (seria interessante, nesse sentido, um estudo entre arte e psicopatologia). 


A substituição implica também uma função mediadora que é uma verdadeira ponte entre os opostos, entre a realidade e o sonho, entre a natureza e a cultura, entre o inconsciente e a consciência. O símbolo constitui, portanto, um fator de equilíbrio que exerce uma eficácia prática no plano dos valores e dos sentimentos; o símbolo como força unificadora e fator de integração pessoal, mas também exposto a um grave risco de desdobramento da personalidade, da fragmentação do self, da falsificação do passado; o símbolo como cifra alegórica de um mistério, nunca desvelado de uma vez, mas sempre novamente a ser decifrado, como uma partitura musical, sempre com uma diferença entre sua linguagem metafórica e a coisa indicada, sempre como um além do pensamento. O símbolo é um conceito-esponja, um conceito-simbiose, com o perigo de que a repleta “irracionalidade” de seu discurso transforme o “regime noturno” em “regime diurno” e sua dupla sintaxe – precisamente como para os surrealistas – numa atividade que tudo permeia. 


 Se a indagação neuroestética não se detivesse na análise dos princípios e das regularidades da percepção e da fruição da obra; ou a esclarecer como e por que o artista se serve precisamente dos meios e da linguagem do cérebro visual, voltando-se, por assim dizer, no próprio ato expressivo, àquelas áreas altamente especializadas que evoluíram ao longo de um período milhões de anos mais longo do que aquele da linguagem; se a pesquisa neuroestética, ao contrário, se propusesse a apreender – mediante a linguagem do símbolo ou da tensão da metáfora – os elementos de compartilhamento de realidades psíquicas imateriais comuns a todos os homens; bem, então, talvez, pudéssemos colher e estabelecer não somente os códigos materiais compartilhados nas bases biológicas, mas poderíamos conhecer elementos e aspectos da realidade psíquica por uma nova perspectiva – a simbolização – que caracteriza tão profundamente o Homo sapiens. 


 Embora por mais de um século a psicologia e a psicanálise tenham indagado suas dinâmicas, o grandioso esforço de compreensão da simbolização parece agora desprovido de força vital. A neuroestética, em diálogo estreito com a neuropsicologia, se tornaria o instrumento privilegiado por estudos adicionais que poderiam entreabrir novos horizontes interpretativos para a investigação daqueles elementos do patrimônio simbólico comum que constituem o alfabeto das imagens por meio do qual nos relacionamos, conosco e entre nós, desde sempre.
Mauro Maldonato, Silvia Dell’Orco e Ilaria Anzoise

Um comentário:

Anônimo disse...

Esse foi legal!

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