12 de dez. de 2009

Pulseirinhas

Feitas de plástico colorido, elas deram origem a uma brincadeira que leva as crianças a falar de sexo – para angústia de pais e professores Era para ser só uma brincadeira de criança – usar, trocar e emprestar as pulseirinhas de plástico coloridas exibidas aos montes nos pulsos de meninos e meninas. Mas a pulseiramania virou polêmica e foi proibida em algumas escolas da Inglaterra e dos Estados Unidos depois que se criou, a partir delas, uma espécie de jogo com conotação sexual. Chamado snap game (algo como jogo de arrancar, em português), ele consistiria no seguinte: o garoto que conseguisse arrebentar a pulseira de uma menina teria direito a uma versão apimentada do velho "beijo, abraço ou aperto de mão", de acordo com a cor do acessório. As ações iriam de um simples abraço (a pulseirinha amarela) ao sexo propriamente dito (a de cor preta) – daí por que elas passaram a ser conhecidas nesses países como sex bracelets, ou pulseiras do sexo. A proibição teria sido motivada pelos relatos de crianças a pais e professores sobre o real significado de cada uma das cores dos braceletes. Num diálogo publicado no jornal britânico The Times, uma garota de 9 anos explica à professora como funciona a brincadeira: "Se um garoto arrebentar a pulseira azul, você deve fazer sexo oral nele". Não há nenhuma evidência de que as crianças e os pré-adolescentes estivessem chegando às últimas consequências do jogo. Aliás, essa possibilidade é praticamente descartada pelos especialistas. O certo é apenas isto: as pulseiras levaram a garotada a falar sobre sexo. E pais e professores não se sentem preparados a tratar desse assunto com crianças tão novas – na sua maioria, entre 8 e 11 anos. A decisão das escolas americanas e inglesas de proibir o uso das pulseiras não põe fim à discussão. "Tirar a polêmica do radar das escolas não resolve o problema e instiga ainda mais a curiosidade das crianças", diz a psicóloga Ceres Alves de Araújo. Ao se tornar clandestina, a brincadeira da pulseira fica ainda mais interessante. As pulseirinhas de plástico, que já foram moda na década de 80 nos pulsos de Madonna, voltaram à cena neste ano inicialmente entre estudantes americanos e europeus. Aqui, elas se tornaram populares a partir da metade do ano e podem ser encontradas aos milhares em bancas de jornal e barracas de camelô a preços irrisórios. O pacote com doze pulseiras custa 1 real – elas não poderiam vir de outro lugar senão da China. Até recentemente, as pulseirinhas serviam exclusivamente para ser trocadas como figurinhas ou para pular corda (as meninas fazem uma longa corrente da junção de várias pulseiras). "Lá na escola ninguém tenta arrebentar a pulseira de ninguém", diz Antonio Carlos Fiorezzi, de 11 anos. No último mês, no entanto, as notícias sobre o snap game começaram a circular no país. Bem informadas, as crianças, se não pesquisaram na internet, souberam por outros coleguinhas o significado malicioso das cores das pulseiras. E aconteceu, aqui, exatamente o que aconteceu na Inglaterra e nos Estados Unidos: as pulseirinhas ganharam conotação sexual e passou-se a falar sobre sexo por causa delas. No Colégio Marista Arquidiocesano, em São Paulo, o assunto foi levantado pelos próprios alunos. Partiu deles a iniciativa de procurar a diretoria para saber se estavam autorizados a continuar usando os acessórios. Em vez de proibir, o colégio optou pelo diálogo. Enviou um e-mail aos pais com informações veiculadas sobre as pulseiras coloridas para estimular as conversas dentro de casa. O assunto também foi levado às salas de aula. "A proibição das pulseiras não faz sentido. O diálogo é o primeiro passo para evitar que a informação chegue distorcida a essas crianças", explica Chico Sedrez, diretor educacional do colégio. "Quanto mais bem informadas, menos vulneráveis elas ficam." Ainda que os pais não se sintam à vontade para falar sobre sexo com os filhos pequenos, é importante que o façam sempre que partir deles a conversa. Este é o mundo em que vivemos: as crianças são expostas cada vez mais cedo a temas ligados a sexo e passam a levar precocemente esse assunto para dentro de casa. Segundo os psicólogos, crianças de 8 a 11 anos não têm maturidade nem interesses sexuais. Nesse caso, as respostas devem ser proporcionais à curiosidade delas. Já na questão específica das pulseirinhas, a recomendação é outra: os pais devem se adiantar à dúvida dos filhos e alertar sobre a existência de um jogo diferente com as pulseiras. Não é preciso entrar em detalhes íntimos se não forem mencionados, evidentemente. Mas saber o que acontece é importante para que a criança possa se proteger de uma eventual participação no jogo. "Para puxar o assunto, basta dizer que soube de uma brincadeira com a pulseira envolvendo beijo e abraço, por exemplo", ensina Maria Helena Vilela, diretora do Instituto Kaplan e educadora sexual do Colégio Bandeirantes, em São Paulo. Ninguém sabe exatamente onde surgiu o tal jogo do snap. É bem provável que tenha sido criação de meninos e meninas adolescentes, no auge de sua sexualidade. Criar códigos para expressar desejos é uma forma de estabelecer um mundo com regras próprias, que escapam à autoridade dos pais. "As pulseiras são símbolos efêmeros, mas que dizem muito sobre a atual geração", diz a psiquiatra Carmita Abdo. "Ela busca atender de imediato aos seus desejos, de forma direta, sem rodeios." Exceto por constituírem outro fator de exposição precoce dos pequenos ao sexo, as pulseirinhas coloridas tendem a ser mais um modismo sem grandes consequências, como tantos outros. Foi assim com os tamagotchis, criaturinhas virtuais que, surgidas nos anos 90, faziam as vezes de bicho de estimação: nasciam, cresciam e, na falta de amor e carinho, ficavam doentes e morriam. De cara eles foram reprovados: na época, o robozinho foi responsabilizado pelo aumento do número de casos de depressão infantil e pela diminuição do rendimento escolar dos pequenos. Do jeito que veio, ele se foi – e nada mudou na história das brincadeiras. Daniela Macedo

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