10 de dez. de 2009

Ser humano tem compulsão por ajudar


Qual é a essência da natureza humana? 


Falha, segundo muitos teólogos. Cruel e viciada em guerra, escreveu Hobbes. Egoísta e precisando de um considerável aperfeiçoamento, segundo muitos pais. 


Porém, biólogos estão começando a formar uma visão mais otimista da humanidade. Suas conclusões derivam em parte de testes em crianças muito jovens, além da comparação entre crianças humanas e chimpanzés jovens – na esperança de que as diferenças apontarão o que é unicamente humano. 


A resposta obtida por alguns biólogos, bastante surpreendente, é que os bebês são naturalmente sociáveis e bons para com os outros. Obviamente, todo animal precisa ser de certa forma egoísta para sobreviver. No entanto, os biólogos também enxergam, nos humanos, uma disposição natural para ajudar. 


Quando bebês com 18 meses de idade veem um adulto sem parentesco, cujas mãos estão ocupadas e que precisa de ajuda para abrir uma porta ou apanhar algo do chão, eles imediatamente ajudarão, escreve Michael Tomasello em "Why We Cooperate” (Por Que Cooperamos, em tradução livre), livro publicado em outubro. Tomasello, psicólogo de desenvolvimento, é codiretor do Instituto Max Planckde Antropologia Evolucionária em Leipzig, na Alemanha. 


O comportamento de ajuda parece inato por aparecer tão cedo e antes de qualquer pai ensinar à criança as normas do comportamento educado. "É razoavelmente seguro supor que eles não foram explicita e diretamente ensinados a fazer isso", disse Elizabeth Spelke, psicóloga de desenvolvimento de Harvard. "Por outro lado, eles tiveram muitas oportunidades de experimentar atos de ajuda por outras pessoas. Acho que o júri está focado na questão de isso ser inato". 


Tomasello, entretanto, não acha que a ajuda é motivada por recompensas, sugerindo que não é algo influenciado pela educação. O fato parece ocorrer em diversas culturas, com diferentes agendas para o ensino de regras sociais. E o comportamento de ajuda pode ser visto até mesmo em filhotinhos de chimpanzés, sob as condições experimentais corretas. 


Por todas essas razões, Tomasello conclui que ajudar é uma propensão natural, e não algo imposto pelos pais ou pela cultura. Bebês também ajudarão com informações, além das maneiras práticas. Desde os 12 anos de idade, eles apontarão a objetos que um adulto pensa ter perdido. Chimpanzés, ao contrário, nunca apontam coisas um para o outro – e quando apontam para pessoas, parece mais um comando para buscar algo do que um compartilhamento de informações. 


Para pais que acham que seus filhos, de alguma forma, pularam a fase cooperativa, Tomasello oferece um conselho animador – de que as crianças muitas vezes são mais cooperativas fora de casa, explicando por que os pais podem ficar surpresos ao ouvir de um professor ou treinador como seus filhos são ótimos. "Nas famílias, o elemento competitivo está em ascendência", disse ele. Conforme crescem, as crianças se tornam mais seletivas em suas ajudas. Por volta dos três anos, elas se associarão mais generosamente com uma criança que já tenha sido boa para elas. 


Outro comportamento que surge na mesma idade é um senso de normas sociais. "A maioria das normas sociais se refere a ser bom a outras pessoas", disse Tomasello em entrevista, "então as crianças aprendem essas normas porque querem fazer parte do grupo". 


As crianças não apenas sentem que devem obedecer a essas regras, mas também que devem fazer os outros do grupo agirem da mesma forma. Até mesmo crianças de 3 anos estão dispostas a impor normas sociais. Se alguém lhes ensina um jogo, e um boneco se junta com suas próprias ideias sobre as regras, as crianças irão se opor, algumas delas de forma barulhenta. Onde elas conseguem essa ideia de regras de grupo, o senso de "nós que o fazemos desta maneira?" Tomasello acredita que as crianças desenvolvem o que ele chama de "intencionalidade compartilhada", uma noção do que os outros esperam que aconteça e, disso, um senso do grupo "nós". Seria dessa intencionalidade compartilhada que as crianças obteriam seu senso de normas, e de esperar que os outros as obedeçam. 


 A intencionalidade compartilhada, na visão de Tomasello, é parecida à essência do que distingue as pessoas dos chimpanzés. Um grupo de bebês humanos usará todos os tipos de palavras e gestos para formar objetivos e coordenar atividades, mas os jovens chimpanzés parecem demonstrar pouco interesse no que pensam seus companheiros. Se os bebês são naturalmente cooperativos e sociáveis, que sistema de educação parental melhor aproveita essa surpreendente propensão? 


Tomasello diz que a abordagem conhecida como paternidade indutiva funciona melhor, pois reforça a propensão natural da criança a cooperar com outros. A paternidade indutiva é simplesmente se comunicar com crianças a respeito do efeito de suas ações nos outros, e enfatizar a lógica da cooperação social. "As crianças são altruístas por natureza", escreve ele. Embora elas também sejam naturalmente egoístas, tudo que os pais precisam fazer é tentar inclinar o equilíbrio na direção do comportamento social. A intencionalidade compartilhada repousa na base da sociedade humana, segundo Tomasello. Dela fluem ideias de normas, de punir aqueles que violam essas normas e de vergonha e culpa para a autopunição. 


A intencionalidade compartilhada se desenvolveu muito cedo na linhagem humana, ele acredita, e seu provável intento era a cooperação pelo acúmulo de alimento. Antropólogos relatam que, quando os homens cooperam ao caçar, eles abatem presas muito maiores, algo q eu caçadores solitários não conseguem fazer. Chimpanzés se juntam para caçar macacos Colobus, mas Tomasello argumenta que isso é muito menos que um esforço cooperativo – já que os participantes agem de maneira pontual, e nem chegam a compartilhar suas presas. Um interessante reflexo físico da intencionalidade compartilhada nos humanos é a esclera, ou o branco dos olhos. Todas as mais de 200 espécies de primatas possuem olhos escuros, e uma esclera quase invisível. 


Todas com a exceção dos humanos, cuja esclera é três vezes maior, uma característica que torna muito mais fácil seguir a direção do olhar de outros. Chimpanzés também seguem o olhar de uma pessoa, mas olhando para sua cabeça, mesmo que seus olhos estejam fechados. Bebês acompanham os olhos de uma pessoa, mesmo que essa mantenha sua cabeça imóvel. Propagandear o que se está olhando pode ser um risco. Tomasello argumenta que o comportamento se desenvolveu "em grupos sociais cooperativos onde monitorar o foco um do outro visava o benefício comum ao completar tarefas conjuntas". Isso poderia ter acontecido em algum ponto bem no início da evolução humana, quando as pessoas eram forçadas a cooperar na caça ou coleta de frutas para sobreviver. O caminho da cooperação obrigatória – aquele que não foi usado pelos outros primatas – levou a regras sociais e à sua imposição, ao altruísmo humano e à linguagem. 


"Os humanos unindo suas cabeças em atividades cooperativas compartilhadas são, portanto, os criadores da cultura humana", escreve Tomasello. Uma conclusão similar foi atingida independentemente por Hillard S. Kaplan, antropólogo da Universidade do Novo México. Os humanos modernos viveram pela maior parte de sua existência como caçadores coletores, então muito da natureza humana foi presumivelmente moldada para a sobrevivência nessas condições. Com o estudo de povos caçadores coletores existentes, Dr. Kaplan encontrou evidências de cooperação entrelaçadas em muitos níveis de atividades humanas. 


A divisão de trabalho entre homem e mulher – os homens concentram 68% das calorias em sociedades de caça – exige cooperação entre os sexos. Os jovens dessas sociedades consomem mais do que produzem até os 20 anos de idade, o que por sua vez exige cooperação entre as gerações. Esse longo período de dependência era essencial para o desenvolvimento das habilidades necessárias ao modo de vida caçador-coletor. 


A estrutura das primeiras sociedades humanas, incluindo seus "altos níveis de cooperação entre familiares e não-familiares", era assim uma adaptação ao "nicho especializado de busca" por alimentos que eram difíceis demais para outros primatas capturarem, segundo Kaplan e colegas escreveram recentemente no The Philosophical Transactions of the Royal Society. 


Nós evoluímos para sermos bons uns aos outros, em outras palavras, porque não havia alternativa. Em outro livro lançado em outubro, "The Age of Empathy” (A Era da Empatia, tradução livre), Frans de Waal chegou praticamente à mesma conclusão. De Waal, primatologista, estudou por muito tempo o lado cooperativo do comportamento primata, e acredita que a agressão, algo que também estudou, é muitas vezes superestimada como uma motivação humana. "Somos pré-programados a estender a mão", escreve Dr. de Waal. "A empatia é uma resposta automática, sobre a qual temos controle limitado". As únicas pessoas emocionalmente imunes à situação do outro, segundo ele, são os psicopatas.Realmente, é em nossa natureza biológica, e não em nossas instituições políticas, que devemos colocar nossa confiança, segundo sua visão. Nossa empatia é inata e não pode ser alterada, tampouco suprimida por muito tempo. "Na verdade", escreve De Waal, "eu argumentaria que a biologia constitui nossa maior esperança. Podemos apenas tremer ao pensamento de que a humanidade em nossas sociedades dependeria dos caprichos da política, cultura ou religião". 


A sociabilidade básica da natureza humana não significa, é claro, que as pessoas são boas umas às outras o tempo todo. A estrutura social exige que algumas coisas sejam feitas para mantê-la, algumas das quais envolvendo atitudes negativas em relação a outras pessoas. O instinto de impor normas é poderoso, assim como o instinto pela justiça. Experimentos demonstraram que as pessoas rejeitam distribuições injustas de dinheiro, mesmo se isso significar que elas não receberão nada. 


"Os humanos claramente desenvolveram a habilidade de identificar injustiças, controlar desejos imediatos, prever as virtudes de se obedecer a normas e obter as recompensas pessoais e emocionais que acompanham a visão de outro sendo punido", escrevem três biólogos de Harvard, Marc Hauser, Katherine McAuliffe e Peter R. Blake, revisando seus experimentos com saguis e bebês. Se as pessoas fazem coisas más aos outros de seu próprio grupo, elas podem se comportar de maneira ainda pior em relação a quem está fora. 


A capacidade humana para cooperação "parece ter se desenvolvido principalmente para interações dentro do grupo local", escreve Tomasello. A sociabilidade, a união de membros de um grupo, é o primeiro requisito da defesa, já que sem ela as pessoas não colocarão os interesses do grupo à frente de seus próprios, ou estarão dispostas a sacrificar suas vidas em batalha. Lawrence H. Keeley, antropólogo que investigou a agressão entre povos antigos, escreve em seu livro "War Before Civilization" (A Guerra Antes da Civilização, tradução livre) que, "No final das contas, a guerra não é uma negação da capacidade humana para cooperar, mas simplesmente a expressão mais destrutiva dessa capacidade". 


As raízes da cooperação humana podem estar na agressão humana. Somos egoístas por natureza, mesmo que também sigamos regras exigindo que sejamos bons para com os outros. "É por isso que sofremos com dilemas morais", concluiu Tomasello. "Porque somos egoístas e altruístas ao mesmo tempo". 
Nicholas Wade - The New York Times

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