17 de jul. de 2011

Um pouco de disciplina cai bem

Na primeira página de Grito de Guerra da Mãe-Tigre, a sino-americana Amy Chua afirma, sem o menor constrangimento, ter educado suas duas filhas dentro de um rigoroso ideário que estipula que elas não podem, entre 11 regras, tirar nota abaixo de A nem tocar qualquer instrumento senão piano ou violino. 

Foi baseada no estilo chinês de educação que essa professora de Direito da Universidade de Yale, filha de imigrantes e nascida nos Estados Unidos, criou uma polêmica no início deste ano quando seu livro chegou às prateleiras norte-americanas (no Brasil foi editado, recentemente, pela Intrínseca). Afinal, Amy criticou os pais ocidentais, tachando-os de altamente permissivos em relação ao padrão chinês, que se dedica a formar cidadãos competitivos e aptos a serem os melhores.

O pano de fundo dessa teoria está embasado na disciplina e a meta é uma só: fazer com que Sophia e Louisa sejam perfeitas. As teorias de Amy são no mínimo desconcertantes. Confesso que eu nem tinha lido 20 páginas e minha vontade era deixar o livro de lado. Não achei bacana ler que a "mãe chinesa", como ela se autodefine, deixou a filha de então 3 anos fora de casa e sem agasalho numa temperatura abaixo de zero porque ela se recusou a aprender a tocar piano. E me perguntei: isso é disciplina?

O filósofo e educador Mario Sergio Cortella nem pestaneja para dizer que "a mãe chinesa adestra os filhos e forma pessoas eficientes, e isso tem eficácia para algumas coisas. Por outro lado, tira a autonomia da pessoa". Na visão de Cortella, um ser bem treinado como as filhas de Amy não necessariamente é disciplinado e, o mais importante, não é livre, porque está preso a regras rígidas. O disciplinado consegue riscar todas as tarefas marcadas na agenda e ainda tem tempo para se divertir ou simplesmente não fazer nada.

Vem do berço

O primeiro contato do ser humano com a disciplina acontece ainda no berço. "Na relação entre mãe e bebê já se estabelece um sistema de organização", diz Vladimir Safatle, professor da Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo. Segundo ele, a mãe determina quando vai alimentar o bebê (ela pode estar no banho quando o rebento chora e ele tem de esperar para mamar), e assim começa a ser criado o ritmo de vida da criança. Depois surgem outras normas, como a hora de brincar, estudar e por aí afora. Com tudo isso reunido, cada indivíduo cresce, é educado e se encaixa nesse modus vivendi.

As rotinas aprendidas no colégio ajudam a criança a se organizar no tempo, já que tendo um período estabelecido para as tarefas ela aprende a noção de começo, meio e fim de execução de algo. "Rotinas são importantes porque ajudam a criança e a família a serem organizadas e dão senso de disciplina", explica a coordenadora do Núcleo de Cultura, Estudos e Pesquisas do Brincar e da Educação Infantil da PUC-SP, Maria Ângela Barbato Carneiro. Na prática, significa que as pessoas conseguem planejar e cumprir todas as metas para aquele dia. Não encare isso como coisa de gente metódica. A disciplina não é sinônimo de vida ultrarregrada. Ao contrário, é ouro puro na mão de quem quer fazer as coisas com agilidade e qualidade para, no fi m das contas, ter tempo livre para viver.

Ter um plano B

"A disciplina permite fazer algo em menos tempo e com mais eficiência, muitas vezes até além do esperado", afirma Cortella. O consultor de recursos humanos Marco Antonio Lampoglia, da Active Educação e Desenvolvimento Humano, de São Paulo, explica que existem dois tipos de "tempo" para se realizar algo: o cronológico e o psicológico. "No primeiro você cria o cronograma para o que tem de fazer e desenha o caminho que leva ao objetivo. Já o tempo psicológico é aquele em que a pessoa tem de ter persistência para dar conta de tudo e ainda enfrentar as dificuldades eventuais." Nesse ponto, o disciplinado sempre tem um plano B para lidar com imprevistos - de qualquer natureza.

Imagine que você vai para o litoral no fim de semana com a família. Quando chega lá, chove sem parar e nem você nem seu marido se lembraram de pegar jogos ou DVDs para distrair a garotada, que sobe pelas paredes porque não pode ir à praia. "Não pensar na possibilidade da chuva é não ter um plano B. É não ter a mente organizada e disciplinada para contar com o imprevisto", diz Lampoglia. Agora visualize essa situação no campo do trabalho ou do estudo e o resultado é o mesmo. Quem se organiza e tem disciplina não se trumbica, diria o Velho Guerreiro Chacrinha.

Tem solução

Gabriel Amorim, mestre de kung fu em São Paulo, é constantemente procurado por gente que quer aprender a luta para ser mais organizado. Ele explica que as artes marciais se baseiam na tríade disciplina, paciência e perseverança. Unindo esses três elementos, o praticante tem sucesso no tatame e em outras esferas da vida. Aplique esse conceito no dia a dia e veja como a disciplina requer paciência (tempo) para se chegar à meta e perseverança para vencer os contratempos. E adicione a essa fórmula o comprometimento - sim, porque sem ele pode-se perder o foco, a rota e até as botas na busca pela chegada ao objetivo.

Quem tem disciplina e comprometimento sabe o caminho, mas nem por isso deve acionar o piloto automático. "Ter uma rotina para fazer as coisas não significa executá-las com monotonia", diz o filósofo Cortella. A monotonia é reflexo de algo autômato, feito sem pensar. "Como o treinamento militar, que faz o soldado marchar para a esquerda e a direita para ser condicionado a obedecer ordens e a não refletir."

Quem se detém para pensar também abre os olhos às tentações, como um convite para uma festa na semana de terminar a monografia do mestrado. "O disciplinado tem de definir prioridades e abrir mão de algumas coisas a fim de cumprir sua meta. É importante saber dizer não", afirma Américo Marques Ferreira, da consultoria empresarial AMF Parceria, de São Paulo.

O filósofo Safatle é enfático ao afirmar que todo mundo internaliza um conjunto de disciplinas - até mesmo os indisciplinados. Para ele é tudo uma questão de projeção do uso do tempo. Claro que quando as ações atingem o outro, como chegar atrasado a um compromisso, é sinal de que essa pessoa não consegue programar suas atividades, seu dia. Mas nem tudo está perdido para quem convive com as pendências da agenda desorganizada. "Estudos comprovam que para instalar ou desinstalar um novo hábito, são necessárias cerca de seis semanas. É um processo gradativo de adequação que pede prática regular", afirma o consultor Ferreira.

Digamos que tornar-se disciplinado requer o compromisso e a força de vontade semelhantes ao que é necessário para uma pessoa engatar firme no regime e perder os almejados 5 quilos. Quem estiver comprometido com isso certamente chega lá. Quem não estiver vai continuar vivendo como sempre o fez, já que no mundo há espaço para disciplinados e indisciplinados. A diferença está no que foi dito por Mario Cortella lá no começo deste texto: o disciplinado é um ser livre porque dá conta do recado e ganha tempo para curtir a vida, enquanto o indisciplinado está às voltas com sua desorganização.

No trabalho

Os especialistas em recursos humanos e consultoria empresarial Marco Antonio Lampoglia e Américo Marques Ferreira dão algumas ideias para ajudá-lo a ser mais disciplinado.

1) Se você tem muitas tarefas para fazer, uma sugestão para priorizá-las é determinar o tempo de execução de cada uma.

2) Depois de estabelecer quais são as mais importantes, comece pela mais difícil ou a que dará mais trabalho.

3) Pode parecer excesso de zelo, mas tenha sempre um plano B para contornar os imprevistos com agilidade.

4) Vai participar ou coordenar uma reunião? Então, uma boa sugestão é evitar conversas desnecessárias, que tomam tempo e desviam o foco.

5) Se você trabalha em casa, seja rigoroso com horários, determinando quando começa e termina a jornada.

6) Observe-se e perceba quanto tempo você demora para fazer algumas tarefas. Isso ajuda na hora de eleger prioridades.

7) Comprometa-se com o que faz. Isso o ajudará a entregar tudo no prazo.
Roberta De Lucca 

Um comentário:

Anônimo disse...

Gostei do texto, mostra realmente o quanto a mãe é responsável pelo desenvolvimento do filho. Abraço Cy

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