Quando eu era pequeno, uma das coisas que as pessoas notavam a meu respeito era o pessimismo precoce. Era comum dizer "não vai dar certo" e "não vai dar tempo" nas mais variadas situações. Não acreditei que pudesse ser capaz de decorar as capitais de todos os Estados brasileiros e sofri muito antes da prova de geografia. O choque foi ainda maior no momento de memorizar os afluentes do Rio Amazonas. "Meu deus, eu não vou conseguir."
Seria fácil chegar ao fim dessas páginas só enumerando as centenas (milhares?) de vezes em que manifestei uma profunda descrença em relação ao famoso "final feliz" das coisas. Mas não é isso o mais importante. Apesar de hoje o desespero ser menor, meu pessimismo está plantado numa base firme, ainda que subterrânea. Sempre que há um prazo a cumprir ou algo a resolver, aquela voz distante faz ecoar a frase que já cansei de repetir: "Não vai dar certo". Por isso, para mim, não poderia haver desafio maior do que entender ootimismo. Como todo bom pessimista, sempre olhei para essa característica com certa desconfiança, desprezo até. É possível ser otimista num mundo tão errado, impreciso e imprevisível? Deve até fazer mal olhar para o mundo com os olhos de Poliana, tamanho o risco de deixar passar algum perigo escondido.
Criada pela escritora Eleanor H. Porter em 1913, a moça que vê o que há de bom em todas as situações virou um símbolo do otimismo, para o bem ou para o mal. O "jogo do contente", criado pelo pai da personagem, sempre tenta extrair a parte boa dos obstáculos encontrados na vida. Até verbete do dicionário Websters ela virou, definida como uma pessoa de "otimismoirrefreável". Outra vez aparece aqui a velha desconfiança: como alguém pode ser tão positivo? Só se essa pessoa não tem contato com a realidade. Ser otimista, dirão os pessimistas, é uma fuga covarde. Será?
"Ser otimista não se reduz a pensamentos positivos", afirma a psicóloga Lidia Weber. "Seu fundamento se encontra na maneira como se pensa sobre causas. A diferença entre o otimista e o pessimista está na forma de eles explicarem a causa de eventos ruins ou bons que lhes acontecem no cotidiano, ou seja, como é seu `estilo explicativo'".
Se você tem dificuldades para enxergar o que há de positivo nas situações que vive, se se concentra mais nos problemas que nas soluções, pode ser que seu estilo emocional seja pouco resiliente, como define o neurocientista americano Richard Davidson, autor de O Estilo Emocional do Cérebro. Ou seja, eu e você temos dificuldades para nos recuperar das adversidades. Por exemplo: você (ou eu) pode achar que nunca vai conseguir entregar um trabalho que esteja à altura do que gostaria (esta matéria, só para dar um exemplo). Você vai se concentrar no que considera serem as falhas do processo: será que ouvi fontes suficientes? Será que li todos os livros que deveria? Será que eu não deveria ter escrito mais versões do texto?
Não que essas perguntas sejam o problema em si. A questão é que quem tem pouca resiliência tem dificuldade em se livrar de sentimentos de raiva, tristeza, ou qualquer emoção negativa após perdas, adversidades, reveses ou outros tipos de aborrecimento. Além de se recuperar mais rápido de adversidades, os otimistas têm a capacidade de manter sensações positivas por períodos prolongados de tempo. Para Davidson, isso se traduz numa dimensão das emoções chamada de atitude: "Pessoas normalmente bem-humoradas tendem a ser otimistas; pessoas cujos momentos de alegria podem ser medidos em microssegundos costumam se sentir cronicamente tristes ou ser pessimistas".
A maior duração dos momentos felizes não é a única vantagem de ser um "poliano". Os otimistas gozam também de uma melhor saúde. Pesquisas mostram que esse modo de encarar a vida diminui as chances de ocorrerem doenças cardiovasculares e melhora a resposta do sistema imunológico. Segundo a escola de medicina de Harvard, homens pessimistas têm o dobro de chance de desenvolver alguma doença cardíaca em relação aos otimistas e três vezes mais de ter hipertensão. Algumas pessoas são naturalmente positivas. Para elas, isso vem fácil, elas pensam no lado bom das coisas sem esforços, são meio Polianas. Mas outras, não. A neurociência está descobrindo que existem várias maneiras de o cérebro registrar e processar emoções, com uma grande variação. "É uma característica bem pessoal. Há quem seja extremamente perseverante, otimista, precise dar com os burros n¿água muitas vezes antes de desistir de fato de alguma coisa, o que é um fator importante para decidir a qual atividade você se dedica", explica a neurocientista Suzana Herculano-Houzel.
Bom, seria inútil insistir nesse ponto, afinal, quem tem essas características nasce com elas e pronto. E quem está geneticamente determinado a ser pessimista, a enxergar o lado mais cinza das coisas também está fadado, certo? Talvez não. Talvez o otimismo seja algo a ser conquistado e talvez esteja ao alcance até de quem não cogita ser possível essa atitude. É o que afirma Davidson em O Estilo Emocional do Cérebro. Diz ele que, se nem todos podemos ser Polianas ou assobiar canções felizes em momentos tensos, dá para injetar otimismo de maneira gradual. Há mais de 30 anos pesquisando a relação entre as emoções e o cérebro, Davidson afirma, em primeiro lugar, que, por mais que muitas de nossas características sejam determinadas pelo material genético herdado de nossos pais, ainda assim temos um certo poder sobre o cérebro. "Mesmo nos aspectos com algum componente hereditário, os genes não explicam o quadro como um todo", escreve. "Sabemos hoje que até mesmo características genéticas podem ser modificadas consideravelmente pelas experiências vividas pelas crianças e de acordo com o modo como são tratados por pais, professores e demais pessoas", afirma o pesquisador. Entre essas características que podem ser trabalhadas, está o otimismo.
Mas afinal, como fazer isso? Precisamos entender, em primeiro lugar, que ser otimista não é sinônimo de ignorar a realidade. "Ser otimista inclui conhecer a si mesmo e as variáveis que controlam nosso comportamento, ou seja, conhecer também os limites e entender que existem problemas no mundo", diz Lidia Weber. O pessimista é visto como alguém mais pé no chão, mas essa não é toda a verdade. É possível enxergar a realidade com bons olhos e, ao mesmo tempo, sem fantasias.
Professor de teologia da puc-sp, Jorge Claudio Ribeiro define o otimismo como uma "confiança de base". "Ela não é uma coisa definitiva, para sempre, mas é uma espécie de um músculo que você vai exercitando. Quando você tem isso bem desenvolvido, você elabora projetos, nem pergunta se não vai dar certo", argumenta.
Imaginar tal esforço extremo fica mais fácil com um exemplo concreto. Viktor Frankl (1905 - 1997), um psicólogo austríaco judeu, foi preso durante o regime nazista e mantido no campo de concentração de Auschwitz. "Ele foi libertado e começou a refletir sobre a experiência, e uma das perguntas que fez foi: `por que determinadas pessoas resistiram e acabaram libertadas e outras se afundaram e acabaram não se libertando?¿. Ele notou que a `frase oculta¿ da pessoa não era `se eu sair daqui', e sim `quando eu sair daqui", diz Ribeiro.
"Se a gente for absolutamente lógico e racional (vai se perguntar): a gente está vivo para quê? Para que se esforçar para fazer qualquer coisa, se no final a gente morre mesmo?", afirma Suzana Herculano-Houzel. Como, então, mudar de atitude? É possível? "Todo mundo se levanta da cama porque nosso cérebro tem a capacidade de formar esse conceito, de que o esforço vale a pena, de que coisas boas vão acontecer se você se esforçar", afirma Houzel. E isso está ancorado em pesquisas científicas que mostram ser possível mudar certos aspectos do "estilo emocional", como define Richard Davidson, de forma que consigamos exercitar o otimismo. "O estilo emocional que se formou na vida adulta não precisa se manter inalterado para sempre", escreve o cientista. "O cérebro tem uma propriedade chamada neuroplasticidade, que é a capacidade de modificar de forma considerável sua estrutura e seus padrões de atividade, não só na infância, mas durante a vida adulta".
Mais importante ainda, aponta o cientista, é que podemos alterar esses padrões. Antigamente, a medicina acreditava que cada parte do cérebro tinha uma função fixa e que o temperamento de uma pessoa estava determinado por suas características genéticas e ambientais. Uma vez adulta, uma pessoa, por exemplo, tímida, estaria fadada à timidez. Davidson teve de fazer inúmeros estudos para entender que essas noções estavam equivocadas: é possível exercer algum controle sobre como os estímulos percorrem o cérebro.
Para que isso ocorra, é necessário recorrer a exercícios mentais que estimulem certas partes do órgão, de acordo com o resultado que se quer. Por exemplo, quem é resiliente (recupera-se facilmente das adversidades) tem uma forte conexão entre o córtex pré-frontal e a amígdala. Nesse caso, a primeira estrutura trata de mandar sinais para a amígdala, que é responsável por sentimentos como medo e nojo. Os pessimistas têm poucas dessas conexões, o que quer dizer que a amígdala fica mais ativa e envia sinais negativos para o cérebro.
A saída, diz Davidson, é treinar os "circuitos neuronais" (as conexões que nosso cérebro ativa quando recebe alguma informação) para tomar outros caminhos. E isso é possível. Alguns métodos conseguem criar esse círculo virtuoso. A terapia cognitiva, uma forma de treinamento da mente, é uma delas. Aprende-se a entender como os pensamentos fluem e a lidar com as ideias negativas.
Outro método é a meditação, tema de vários estudos para Davidson. Ele percebeu que ela consegue ativar setores do cérebro que equilibram os pensamentos de pessoas muito ansiosas ou muito pessimistas. Algumas horas semanais de prática são suficientes para mudar o padrão dos circuitos neuronais e incentivar pensamentos positivos. Segundo ele, a meditação nos faz lidar melhor com o estresse e isso "faz com que consigamos nos recuperar mais rapidamente de uma adversidade, enxergando o mundo com olhos mais otimistas".
Davidson descreve os resultados de um estudo feito em voluntários não praticantes de meditação: "O percurso habitual tomado pelos sinais neuronais mudou, como a água que seguia por um caminho num córrego e "após uma tempestade súbita" adota um curso diferente, cavando um novo canal". Como a água que quer trilhar um novo caminho, a mudança de rumo não vem de uma hora para outra. Se estamos acostumados a fazer as coisas de uma determinada maneira, será mais fácil continuar no velho caminho do que explorar um novo.
Por isso, é importante entender que, seja com a meditação, seja com a terapia cognitiva, chegar mais perto do otimismo é uma questão de prática, e não só de vontade. Para ter controle dos pensamentos é necessário ter técnica e paciência. Um rio não muda de curso de uma semana para outra e nós não conseguimos passar do espectro pessimista ao otimista tão rapidamente. As dificuldades, porém, não devem nos deter, e sim servir de incentivo para que comecemos a acostumar nossos olhos a enxergar um lado mais iluminado da vida.
Por isso, resolvi desafiar meu tão enraizado pessimismo. Experimentei algumas técnicas básicas de meditação descritas em O Estilo Emocional do Cérebro. Obviamente que ainda não funcionaram totalmente, já que é difícil mudar hábitos de um par de décadas num par de semanas. Mas alguma coisa acontece (no meu cérebro). E decidi tentar mais. Até me inscrevi num curso rápido para explorar melhor a meditação. Quando penso sobre o que vai ser dessas aulas, um silêncio se impõe. Pela primeira vez em muito tempo, aquela velha frase não veio: "não vai dar certo". Será mesmo?
Diogo Antonio Rodriguez, Gustavo Ranieri & Leandro Quintanilha
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