Eike Batista emergiu na semana passada de um ano de raro e absoluto silêncio. Acusado de manipulação de mercado e uso de informação privilegiada – crimes financeiros para os quais as penas podem chegar a cinco e oito anos de prisão, respectivamente – ele saiu da toca depois de uma decisão judicial que arrestou os bens de sua família até o limite de 1,5 bilhão de dólares. Seguindo uma estratégia desenhada por seus advogados, ele chamou quatro veículos de comunicação (entre os quais a VEJA) para deixar bem claro que não tem esse dinheiro.
Como não conseguiu pagar as dívidas que acumulou enquanto seu império esteve no auge (cerca de 15 bilhões de dólares em 2012), o empresário é hoje um homem de menos 1 bilhão de dólares. “É um baque gigantesco voltar à classe média”, afirmou à Folha de S. Paulo na primeira das quatro conversas. Trata-se, é claro, de um tipo sui generis de classe média, uma vez que seu salário é 15 267 vezes a renda média de um cidadão dessa classe social. Na sexta à noite, ele se corrigiu no twitter: “Esclarecendo: a menção à classe média referia-se à sua capacidade (da classe média) de adaptar-se a situações adversas!”
A VEJA, ele se referiu a si próprio como um “assalariado” – ou melhor, um “assalariado com potencial de levar uma participação nesses ativos que sobraram aí”. Eike não disse, mas o pro-labore em questão é de 5 milhões de dólares por ano, quantia que lhe prometeu o fundo soberano de Abu Dabui, o Mubadala, seu maior credor, para o ano que vem, caso ele cumpra algumas condições estabelecidas no acordo pelo qual entregou quase todos os bens aos árabes. Na quarta-feira, depois de uma tarde inteira repetindo a mesma coisa, com ar cansado e os olhos caídos, o “classe média” Eike entrou em sua caminhonete Hilux blindada e foi para casa – uma mansão de 3 500 metros quadrados fincada num terreno com vinte vezes esse tamanho, aos pés do Cristo Redentor e com vista para os mais belos cartões postais do Rio de Janeiro. Seguiam-no quatro seguranças.
Na semana anterior, ele havia transitado entre Doha, a capital do Catar, e Nova York, resolvendo pendências financeiras. Fechou a venda da mineradora de ouro AUX por 400 milhões de dólares (o dinheiro foi todo para os credores) para os emires do país árabe e seguiu para reuniões com um grupo de coreanos que ele diz estar tentando atrair para o porto do Açu, no norte fluminense, em que ainda tem 10% das ações. Não usou o jato Gulfstream de 40 milhões de dólares que era a joia de sua frota de quatro aviões e dois helicópteros e que ainda é dele. Preferiu economizar tomando um vôo de carreira. Na primeira classe, é claro, que ninguém é de ferro. Em Manhattan, hospedou-se no mesmo hotel de sempre, um cinco estrelas na avenida Madison, e circulou de van ou de limusine com o mesmo motorista que o atende há anos.
Praia -- Mesmo em tempos bicudos, Eike também não abre mão de usar o helicóptero Agusta – o outro remanescente de sua frota -- nas idas frequentes a Angra dos Reis, onde ainda mantém uma mansão de dois andares na Baía de Vila Velha. Assim como a do Jardim Botânico, a “casa de praia” não está mais em nome dele. Em julho, no auge da crise da petroleira OGX, que arrastou seu império para o buraco, ele transferiu os imóveis aos filhos Thor, 22 anos, e Olin, 18 anos, e ainda comprou uma cobertura de 5,3 milhões de reais em Ipanema para a namorada, Flávia Sampaio, que é mãe do caçula de Eike, Balder, de 1 ano. Por causa dessas doações, está sendo acusado pelos procuradores da República de fraude a credor – algo que ele repele, dizendo que foi tudo feito às claras e declarado à Receita Federal. Uma vez no litoral, Eike ainda dispõe do super iate de 115 pés que comprou em 2009 por 80 milhões de reais. Na embarcação, circula entre as ilhas do balneário com o comandante e dois auxiliares.
E como é que uma pessoa que deve 1 bilhão de dólares na praça ainda consegue desfrutar de todo esse conforto? A resposta tem a ver com um ditado bastante repetido no mercado financeiro: se você deve 100 dólares aos bancos, o problema é seu. Mas, se deve 100 milhões, o problema é deles. Aos bancos a quem Eike deve dinheiro (Itaú e Bradesco, principalmente) não interessa tomar os bens que restam e registrar em seus balanços prejuízos de centenas de milhões de dólares. Mais inteligente, do ponto de vista contábil, é mantê-lo respirando e negociar os pagamentos aos poucos, em suaves prestações. Assim, apesar de carregar uma dívida impensável para a imensa maioria dos mortais, Eike segue mantendo seu padrão de vida quase intacto, com algumas poucas alterações. É o famoso “devo, não nego, pago quando puder”, transposto ao universo dos ex-bilionários. Talvez esteja aí um ponto de contato entre a vida de Eike e a de boa parte da classe média. Segundo a estatística oficial, metade dos brasileiros dessa classe social está endividada.
Malu Gaspar - Revista Veja
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