4 de dez. de 2010

No caminho com Maiakóvski


Assim como a criança
humildemente afaga
a imagem do herói,
assim me aproximo de ti, Maiakóvski.
Não importa o que me possa acontecer
por andar ombro a ombro
com um poeta soviético.
Lendo teus versos,
aprendi a ter coragem.

Tu sabes,
conheces melhor do que eu
a velha história.
Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem:
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz, e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.

Nos dias que correm
a ninguém é dado
repousar a cabeça
alheia ao terror.
Os humildes baixam a cerviz;
e nós, que não temos pacto algum
com os senhores do mundo,
por temor nos calamos.
No silêncio de me quarto
a ousadia me afogueia as faces
e eu fantasio um levante;
mas manhã,
diante do juiz,
talvez meus lábios
calem a verdade
como um foco de germes
capaz de me destruir.

Olho ao redor
e o que vejo
e acabo por repetir
são mentiras.
Mal sabe a criança dizer mãe
e a propaganda lhe destrói a consciência.
A mim, quase me arrastam
pela gola do paletó
à porta do templo
e me pedem que aguarde
até que a Democracia
se digne aparecer no balcão.
Mas eu sei,
porque não estou amedrontado
a ponto de cegar, que ela tem uma espada
a lhe espetar as costelas
e o riso que nos mostra
é uma tênue cortina
lançada sobre os arsenais.

Vamos ao campo
e não os vemos ao nosso lado,
no plantio.
Mas ao tempo da colheita
lá estão
e acabam por nos roubar
até o último grão de trigo.
Dizem-nos que de nós emana o poder
mas sempre o temos contra nós.
Dizem-nos que é preciso
defender nossos lares
mas se nos rebelamos contra a opressão
é sobre nós que marcham os soldados.

E por temor eu me calo,
por temor aceito a condição
de falso democrata
e rotulo meus gestos
com a palavra liberdade,
procurando, num sorriso,
esconder minha dor
diante de meus superiores.
Mas dentro de mim,
com a potência de um milhão de vozes,
o coração grita - MENTIRA!



Eduardo Alves da Costa

Eduardo Alves da Costa nasceu em no ano de 1936. Concluiu o curso de Direito na Universidade Mackenzie em 1952, em São Paulo SP. 


Por volta de 1960 organizou as Noites de Poesia, no Teatro Arena, em São Paulo. 


Seu único livro de poesia, No caminho, com Maiakóvski, foi publicado em 1985. 


Sobre sua obra, a crítica Elvira Foeppel afirmou: "Eduardo Alves da Costa, em direção à originalidade, implica em experiências mais difíceis abandonando todavia o itinerário do cerebral que constrói seu mundo poético frio e asséptico, árido e imperfeito. 


 Há certa obediência em seu roteiro lírico, os recursos literários são medidos, de um coeso inovador. O verso elástico e descritivo em explosões sem rima, sem fórmulas métricas, o predispõe ao caminho da prosa."

Um comentário:

Non je ne regrette rien: Ediney Santana disse...

esse poema do Edurado sempre causou problemas, sempre davam a autoria a muita gente, mesnos ao Eduardo que é o autor, valeu pelo teu texto coerente,e pela palavra do Edurado

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