Wilhelm Reich foi inicialmente um psicanalista que pesquisou e inovou a teoria e a técnica psicanalíticas, notadamente quanto à importância dada aos aspectos somáticos em seu trabalho, e que depois rompeu com a fundamentação psicanalítica e seguiu um caminho próprio.
Ao longo da década de 1930, ele se distancia progressivamente do pensamento freudiano, e sua fundamentação teórica é estruturada cada vez mais no âmbito da biologia, sendo especialmente importante a apropriação do conceito de auto-regulação, elemento-chave de suas novas idéias. Ganha importância também sua própria teoria sobre o papel da bioenergia, o campo de estudos por ele denominado de Orgonomia. Segundo Ola Raknes, “a partir da descoberta da energia orgone cósmica, o principal interesse de Reich concentrou-se nesse novo campo de pesquisa”.
No Congresso de Psicanálise de 1934 (ano em que se dá a sua exclusão da Associação Psicanalítica Internacional), Reich apresentou pela primeira vez suas idéias inovadoras sobre a couraça muscular. É aí apresentada a tese de que “todo aumento de tônus muscular e enrijecimento é uma indicação de que uma excitação vegetativa, angústia ou sensação sexual foi bloqueada e ligada”, havendo “uma identidade funcional entre couraça do caráter e hipertonia ou rigidez muscular”. Vemos aqui expostas as bases de uma clínica que também ficará cada vez mais distanciada da ortodoxia psicanalítica.
Em dezembro de 1934, Reich faz um balanço da relação entre suas concepções (às quais denominava na época de “psicanálise materialista dialética”) e as de Freud: “me considero o mais sólido representante da psicanálise científica natural e do seu desenvolvimento lógico”.
Em artigo de 1938 já se percebe uma postura bastante diferente daquela de 1934, com Reich vendo-se como estando além da psicanálise. Ele afirma o valor dos processos biológicos e a superioridade das suas formulações em relação às idéias de Freud. Porém ainda reconhece um certo valor na psicanálise no terreno dos processos psíquicos.
Em artigo de 1938 já se percebe uma postura bastante diferente daquela de 1934, com Reich vendo-se como estando além da psicanálise. Ele afirma o valor dos processos biológicos e a superioridade das suas formulações em relação às idéias de Freud. Porém ainda reconhece um certo valor na psicanálise no terreno dos processos psíquicos.
Em 1942, quando ele escreve seu livro “A Função do Orgasmo”, dá-se um novo balanço da relação entre suas idéias e as de Freud: “O objetivo do meu trabalho é o mesmo hoje e há vinte anos atrás: o despertar das experiências da primeira infância. Entretanto, o método para consegui-lo mudou consideravelmente; tanto, na verdade, que nem se pode mais chamar de psicanálise”.
Em anotação de 1946, afirma que “Freud confundiu a doença mental que encontrou no vivo com a essência intacta que está por trás dela – isto é, com a vida real. Esse foi seu grande erro. A biologia de Freud é completamente sem esperança”.
No relato clínico que consta como o capítulo XV (A Cisão Esquizofrênica) da terceira edição do "Análise do Caráter", que foi escrito no inverno de 1948-49, percebe-se que o referencial clínico da psicanálise praticamente não está mais presente, exceto quanto a alguma elaboração das vivências transferenciais. A questão das chamadas correntes orgonóticas assume papel central, o uso de técnicas corporais e do acumulador de orgone constituem-se como elementos decisivos do tratamento. Conclui-se que “... a esquizofrenia é uma doença de fato biofísica, e não ‘apenas’ mental (...) as emoções são funções bioenergéticas, e não mentais, químicas ou mecânicas’.
No relato clínico que consta como o capítulo XV (A Cisão Esquizofrênica) da terceira edição do "Análise do Caráter", que foi escrito no inverno de 1948-49, percebe-se que o referencial clínico da psicanálise praticamente não está mais presente, exceto quanto a alguma elaboração das vivências transferenciais. A questão das chamadas correntes orgonóticas assume papel central, o uso de técnicas corporais e do acumulador de orgone constituem-se como elementos decisivos do tratamento. Conclui-se que “... a esquizofrenia é uma doença de fato biofísica, e não ‘apenas’ mental (...) as emoções são funções bioenergéticas, e não mentais, químicas ou mecânicas’.
Percebemos que Reich vai se deslocando progressivamente para fora do âmbito da psicanálise, tendência que se mostra ainda mais radicalizada em 1952, quando ele é entrevistado por um representante dos Arquivos Sigmund Freud. Podemos observar aí a consolidação desse processo de mudança, onde percebe-se uma declaração de ruptura e de distanciamento, de ver a relação com Freud e a psicanálise quase como um acidente histórico em sua evolução intelectual:
“Eu já nem sequer me considero um discípulo de Freud. Não tenho nada a ver com ele há muito tempo”. “Como lhe disse, não estou absolutamente nada interessado em psicanálise”.
A psicanálise “para mim é um período completamente morto (...) Os psicanalistas pensam ainda que eu sou um psicanalista. Não! Não!”.
“Eu já nem sequer me considero um discípulo de Freud. Não tenho nada a ver com ele há muito tempo”. “Como lhe disse, não estou absolutamente nada interessado em psicanálise”.
A psicanálise “para mim é um período completamente morto (...) Os psicanalistas pensam ainda que eu sou um psicanalista. Não! Não!”.
“Portanto não se trata de psicanálise. Não tem nada a ver com psicanálise.”. “Não sou psicanalista. Não estou interessado em psicanálise. Não tenho qualquer má vontade contra ela – de modo nenhum. Está tudo morto e enterrado”.
“Eu coloquei numa base científica natural o que estava correto na psicanálise, mas o meu trabalho metodológico, científico, não tinha em si mesmo nada a ver com a psicanálise, no sentido de fazer parte dela ou de se ter desenvolvido a partir dela. O que eu fiz foi por o meu ovo de águia no ninho de ovos de galinha. Depois tirei-o e dei-lhe o ninho apropriado”.
Será que a psicanálise foi apenas um casulo dentro do qual Reich se nutriu e desenvolveu, e com o qual rompeu irreversivelmente para libertar sua bela e grandiosa teoria? Se formos ouvir a opinião dele, parece que sim.
“Eu coloquei numa base científica natural o que estava correto na psicanálise, mas o meu trabalho metodológico, científico, não tinha em si mesmo nada a ver com a psicanálise, no sentido de fazer parte dela ou de se ter desenvolvido a partir dela. O que eu fiz foi por o meu ovo de águia no ninho de ovos de galinha. Depois tirei-o e dei-lhe o ninho apropriado”.
Será que a psicanálise foi apenas um casulo dentro do qual Reich se nutriu e desenvolveu, e com o qual rompeu irreversivelmente para libertar sua bela e grandiosa teoria? Se formos ouvir a opinião dele, parece que sim.
Reich desde cedo mostrou-se um defensor de certas idéias de Freud, e manteve-se fiel a elas (ou, pelo menos, acreditava manter-se). Por outro lado, desde cedo também criticou determinados aspectos das formulações de Freud, especialmente muitas das idéias contidas em “Além do Princípio do Prazer”, “O Ego e o Id” e “Inibições, Sintomas e Ansiedade”. Um exemplo é a crítica à teoria da pulsão de morte, em artigo sobre o caráter masoquista publicado sob grande polêmica no Internationalen Zeitschrift für Psychoanalyse em 1932, e depois incluído no “Análise do Caráter” como o capítulo XI.
Isso traz uma implicação importante: pode ser que haja em Reich uma continuidade com a obra de Freud. Mas talvez isso se dê com uma parte da obra de Freud que este próprio, e praticamente toda a psicanálise posterior, considera como uma teoria inicial, em grande parte depois ultrapassada e superada por uma formulação mais exata, mais abrangente e mais adequada. Falamos aqui da segunda tópica, da teoria da pulsão de morte, das últimas concepções sobre a ansiedade e a cultura.Alguns comentadores reichianos parecem compartilhar deste ponto de vista, afirmando que Reich prosseguiu num caminho que Freud iniciara e do qual desviou-se depois. Segundo Boadella, o ponto de vista da teoria da libido “foi relegado a um abandono progressivo tanto por Freud quanto por seus colegas. A Reich coube a tarefa de se dedicar a essa teoria inicial, de confirmá-la e de desenvolvê-la”. Este autor comenta que, “na psicanálise, um abismo profundo começava a se abrir entre a teoria geral do instinto, centrada no conceito de energia psíquica, e as novas teorias da psicologia do ego, centrada no conceito de estrutura psíquica”.
Curiosamente, os neo-reichianos fizeram o mesmo com Reich, como já assinalado em artigo anterior: praticamente todos eles assimilaram, valorizaram e desenvolveram a parte inicial da produção reichiana (a Análise do Caráter e a Vegetoterapia), deixando de lado, tanto na teoria quanto na técnica, suas últimas formulações relativas ao manejo da bioenergia orgone (Orgonomia). Ou seja, mesmo onde Reich é compatível com as idéias de Freud, há uma ruptura no sentido de que a psicanálise de Reich não é a mesma dos psicanalistas atuais.
Ricardo Amaral Rego
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