Meu filho, não há felicidade sem coragem, nem virtude sem luta. A palavra virtude vem de força; a força é a base da virtude; a virtude só pertence a um ser fraco por natureza e forte por sua vontade; é só nisto que consiste o mérito do homem justo; e embora digamos que Deus é bom, não dizemos que é virtuoso, porque não necessita de esforço para agir bem. Para te explicar esta palavra tão profanada esperei que estivesses em condições de me entender. Enquanto a virtude nada custa para ser praticada, pouca necessidade se tem de conhecê-la. Essa necessidade vem quando as paixões despertam; chegou agora para ti (...).
Que é então um homem virtuoso? É aquele que sabe dominar suas afeições, pois então segue sua razão, sua consciência, faz seu dever, mantém-se dentro da ordem e nada o pode afastar dela. Até aqui não era livre senão aparentemente; não tinhas senão a liberdade precária de um escravo a quem se tivesse determinado. Sê agora livre efetivamente; aprende a te tornares teu próprio senhor; manda em teu coração, Emílio, e serás virtuoso. Eis portanto outro aprendizado a ser feito e este é mais penoso do que o primeiro, porque a natureza nos liberta dos males que nos impõe, ou nos ensina a suportar, mas nada nos diz quanto aos que vêm de nós; ela nos abandona a nós mesmos; ela nos deixa, vítimas de nossas paixões, sucumbirmos a nossas dores vãs e ainda por cima nos vangloriamos das lágrimas de que nos deveríamos nos envergonhar. Eis a primeira paixão. (...)
É um erro distinguir as paixões em permitidas e proibidas, a fim de nos entregarmos às primeiras e nos recusarmos às outras. Todas são boas quando as dominamos; todas são ruins quando nos sujeitamos a elas. O que nos é proibido pela natureza é levarmos nossas afeições além de nossas forças; o que nos é proibido pela razão é querermos o que não podemos obter; o que nos é proibido pela consciência não é sermos tentados e sim deixarmo-nos vencer pelas tentações.
Rousseau
picture by Dorothea Lange
Nenhum comentário:
Postar um comentário