19 de ago. de 2007

Sobre certas solidões


Há corações que Deus não poderia contemplar sem perder sua inocência. A tristeza aquém da criação: se o Criador houvesse penetrado antes no mundo teria comprometido seu equilíbrio. Quem crê que ainda pode morrer não conheceu certas solidões, nem o inevitável da imortalidade percebida em certas angústias ...A sorte dos modernos é haver localizado o inferno em nós: se tivéssemos conservado sua figura antiga, o medo, sustentado por dois mil anos de ameaças, nos teria petrificado. Não há pavores que não estejam transpostos para o subjetivo: a psicologia é nossa salvação, nosso subterfúgio. Antigamente, pensou-se que este mundo havia surgido de um bocejo do diabo: hoje, só é erro dos sentidos, preconceito do espírito, vício do sentimento. Sabemos a que nos ater ante a visão do Juízo Final de Santa Hildegarda ou ante a do inferno de Santa Teresa: o sublime - seja o do horror ou o do da elevação - está classificado em qualquer tratado de doenças mentais. E embora nossos males nos sejam conhecidos, nem por isso estamos livres de visões, mas já cremos nelas. Versados na química dos mistérios, explicamos tudo até nossas lágrimas. Algo permanece, porém, inexplicável: se a alma é tão pouca coisa, de onde vem nosso sentimento de solidão? Que espaço ocupa? E como substitui, subitamente, a imensa realidade desvanecida?
Cioran
picture by Aldemir Martins

Nenhum comentário:

LinkWithin

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...