14 de jan. de 2008

Culinária, educação e medicina

Sábado passado, meio-dia e meia: telefonema de um amigo, afamanado jornalista mineiro, recomendando que eu não deixasse de ler o artigo do economista Rubem de Freitas Novaes, publicado na página 7 de um jornal carioca.

O telefonema pegou-me em plena atividade culinária, tentando aproveitar duas peras, daquelas duras, incomíveis sem prévia cocção.

Se a necessidade faz o monge, não faz o confeiteiro, mas havia que aproveitar as peras, que, na geladeira, me olhavam de esguelha. Apurei com uma senhora francesa que as frutas, descascadas, deveriam ser postas em pé, numa pequena panela com vinho tinto, duas colheres de açúcar e canela, deixando-as cozer até que ficassem moles.

E agora? Será que estrago uma garrafa de vinho, que custa aí seus R$ 40, para salvar duas peras? Sobremesas de R$ 45 – cerca de U$ 25 – só nos melhores restaurantes do mundo. Sem contar meu trabalho, que, à beira de um fogão quente, num dia quentíssimo, não tem preço. De saída, eliminei a canela: não gosto do pó obtido com a trituração da casca da Cinnamomum zeylanicum, árvore nativa da Índia e do Sri Lanka. Além do mais, ando tão distraído que ouço falar do Sri Lanka e me lembro do tempo em que se chamava Ceilão (viria daí o “zeylanicum”?), depois de atender pelo nome da Taprobana nos versos de Camões. A partir de Camões, não me responsabilizo pelo resto.


Como é possível confeitar pensando nas armas e varões que passaram inda além da Taprobana? Noite dessas, de banho tomado, nadando na maionese do projeto de uma casa que pretendo construir, em vez da loção para ficar cheiroso, encharquei-me de Listerine: cabelo, pescoço, rosto, orelhas... Fui obrigado a tomar outro banho, de meia hora, para disfarçar o odor de timol 0,064%, eucaliptol 0,092%, salicilato de metila 0,060%, mentol 0,042%, água purificada, álcool 21,6%, benzoato de sódio, N-propanol, poloxamer 407 etc. Que diabo será poloxamer 407? Estabelecido o fato de que eu não gastaria uma fortuna para salvar duas peras, resolvi cozinhá-las na cerveja, com duas colheres de açúcar, sem canela. O resultado ficou bem razoável. Bebi o resto da cerveja, tive as peras como sobremesa (poire au bière?), acendi o charuto e fui ler o artigo do economista.

Nele, Novaes constata que em 2007 nossas perspectivas de desenvolvimento, no médio e longo prazos, foram abaladas pelas sucessivas demonstrações de que a educação no Brasil vai de mal a pior e que os nossos jovens estão entre os mais fracos do mundo em ciências, matemática e no domínio do idioma pátrio. E diz que boa parte do problema está na matéria-prima: a criança – multidão de estudantes com sinais evidentes de deficiência mental para aprendizados mais complexos. Mesmo correndo o risco de parecer politicamente incorreto, Novaes constata que a maioria dos nascimentos se dá em lares mal-estruturados, onde são precárias as condições de apoio à boa formação intelectual da criança. Má nutrição e/ou ausência de estímulos mentais adequados na fase pré-escolar geram handicaps cognitivos que tornam quase impossível o desempenho escolar satisfatório.

E o negócio vai por aí: “Sem que haja plena consciência do problema, seguida de ação, continuaremos a trilhar o caminho do emburrecimento progressivo de nossa juventude e a comprometer o bem-estar das futuras gerações de brasileiros”. Terminei a leitura perplexo com a recomendação do jornalista mineiro, porque já escrevi um livro sobre o assunto. Pelo visto, o bom amigo não leu nem sequer o primeiro capítulo do meu livrinho. Nele, conto que os neuropediatras sabem que uma gestante desnutrida lesa em 15% as células cerebrais do feto.
De outra parte, uma criança desnutrida em seu primeiro ano de vida terá mais 15% de suas células cerebrais lesadas. A soma da gestante desnutrida com a desnutrição no primeiro ano de vida, contudo, não dá 30%, mas 60%. Claro que não invento: recolhi os números do livro Neurologia infantil, do médico Aron Diament.


Citadas desde o Código de Hamurabi, 2100 a.C., e o Papiro Terapêutico de Tebas (1552 a.C.), as DMs (deficiências mentais), complexo sintomatológico cuja única unidade reside na deficiência intelectual, atingiam cerca de 10% da população mundial, antes da criminosa explosão demográfica que vai por aí.
Em algumas regiões do Brasil, o médico Elsimar Coutinho estima que esses números se aproximem de 30% ou 40%. E o pessoal tá-que-tá: é filho que não acaba mais.
Eduardo Almeida Reis
Picture by Blue Sorsdahl Phase

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