Com os costumes andam os aforismos. Assim, eis que eles tomam um caráter mais criticador e vibrante, isto na linguagem de Karl Kraus, homem sagaz e ventríloquo de certas causas que a sociedade não confia à voz pública. Ele diz, por exemplo: «As mulheres, no Oriente, têm maior liberdade. Podem ser amadas».
Ou então: «A vida de família é um ataque à vida privada». Ou ainda: «A democracia divide os homens em trabalhadores e preguiçosos. Não está destinada para aqueles que não têm tempo para trabalhar».
Tudo isto, como axioma, lembra Bernard Shaw, esse inglês azedo e endiabrado cujo Manual do Revolucionário fez o encanto da nossa adolescência. Todavia, o aforimo do homem de letras, se impressiona, quase nunca comove ninguém.
Ou então: «A vida de família é um ataque à vida privada». Ou ainda: «A democracia divide os homens em trabalhadores e preguiçosos. Não está destinada para aqueles que não têm tempo para trabalhar».
Tudo isto, como axioma, lembra Bernard Shaw, esse inglês azedo e endiabrado cujo Manual do Revolucionário fez o encanto da nossa adolescência. Todavia, o aforimo do homem de letras, se impressiona, quase nunca comove ninguém.
O autêntico aforismo não é uma arte - é uma espécie de pastorícia cultural. Não está destinado a divertir nem a chocar as pessoas, mas, acima de tudo, propõe-se transmitir uma orientação. É uma lição, e não o pretexto para uma pirueta.
Os aforismos e paradoxos de Karl Kraus têm esse sabor irreverente que se diferencia da sabedoria, porque há algo de precipitado na sua confissão. Precisam de ser situados num estado de espírito, para serem aceites e compreendidos; enquanto que os verdadeiros aforismos quadram sempre à natureza das coisas e das pessoas, qualquer que seja a era em que se pronunciam e a civilização em que se repercutem.
O aforismo deve ser a última colheita do uso da vida, e não uma impertinência ou uma afronta. Mas acontece que um coração novo encontra na rebelião uma força que se assemelha à sabedoria e que provém do desprendimento das coisas que ele não amou ainda; enquanto que aquele que muito conheceu o mundo, uma vez liberto, encontra-se, além de desamarrado das suas paixões, menos apressado no julgamento.
O sábio é o homem que amou tanto a casa em festa como a casa em luto, e o fim e o princípio de todas as coisas. No momento da reflexão, ele pensa que o melhor da terra é não sabermos o futuro que nos está destinado; e, no dia alegre, goza de alegria. Esta condição da alegria não produzirá nunca o falso aforismo, que é apenas um excitante e um divertimento. Goza de alegria o que não encontra no mundo atrativo maior do que a virtude desconhecida.
Assim, lendo os aforismos de Karl Kraus, tomei-os como impróprios dum espírito profundo e sabedor. Como acontece decerto a muita gente inclinada à observação, ele conhece no seu íntimo aquele aforismo magistral: «Mais vale a sabedoria do que a força; mas a sabedoria do pobre é desprezada e as suas palavras não são escutadas». Esse sentimento de indigência que se apodera do indivíduo que pensa com justiça no meio duma turba indiferente, é o que prevalece no repentista dos aforismos.
Ele sabe que um improviso veemente e a pedra de escândalo atirada com habilidade podem tirá-lo da sombra e levá-lo a abrir os ouvidos fechados. É por isso que os momentos de maior convulsão da história aparecem prodigiosamente povoados de oradores e de pensadores. Eles são os sábios pobres, aquele que em época discreta e burocrática não chegariam a pronunciar uma só palavra ou não seriam escutados.
Agustina Bessa-Luís
Picture by Dee Emeigh
Aforismo (ou Aforisma) (do Latim aphorismu) é uma sentença que em poucas palavras se compreende princípio moral.
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