3 de mai. de 2008

Perder


“Eu só escrevo o que vivi, senti e sofri na própria pele ou transbordando dentro da corrente humana.”
Pedro Bloch


Sem saber que sabia, eu sempre soube que só teria chances de ganhar se soubesse perder. Desde pequeno, o exercício de suportar perder me fez mais forte.

Até hoje não sei onde aprendi, mas há muito sentia que as perdas eram mais importantes que os ganhos. Tinha certeza de que as múltiplas perdas me levariam a vitórias.

Era só insistir, mesmo perdendo mais que ganhando. E essa insistência já tinha o sabor de resistência. Produzia sentido. Sempre senti o presente demasiadamente.

Amanhecia opresso; uma dor que não sabia de onde vinha. Logo a razão exigia que reconhecesse, implacável. Era o vazio. Na minha voracidade de viver, demorei-me a preencher esse saco sem fundo. Por conta disso, não tive tempo para reconhecer minha própria dor. Quando finalmente descobri, ela se tornou minha força. Algo que eu conhecia e com que podia contar. Jamais falhava. Do modo como percebia a vida sendo desprezada em mim e nos outros, via na coexistência uma ameaça para todos. O outro me transformava em objeto. A vida seria, de fato, um bem para todos? Questionava.

Ao escapar de quase meio século de grades e muralhas (estive anos preso na Febem de minha época), percebi que, na pressa de acompanhar o tempo, estava me tornando imediatista e interativo. Hábitos como o de ler, parar para pensar, aprofundamento de dúvidas e questionamentos de origem existencial foram desativados, imperceptivelmente. Pode parecer loucura, mas sinto que o tempo, em sua pressão sobre o espaço, faz com que o mundo esteja em cada local em que estou. Ainda mais agora que consegui instalar internet móvel em meu laptop.

Acho que a noção que eu tinha de espaço exige novas definições. Parece que me tornei passageiro (como Passageiro da tormenta, do The Doors) da fluência do tempo e não vivo mais no espaço. Vivo todo tempo em toda parte, sôfrego, a buscar o novo que, imagino, irá me satisfazer. Eu estava perdendo novamente. Sempre me enganei quando me levei a sério. Fernando Sabino afirma que o artista é inocente, que precisa aprender a olhar tudo como se fosse a primeira vez.
Embora eu jamais tenha me sentido um artista, é o que ocorre comigo. O mundo tem menos de 4 anos para mim. O mais decepcionante de tudo é não ter nascido com o poder de resolver os problemas das pessoas. Minha vontade era de ser um santo, um anjo, algo que resolvesse tudo agora, agora...

Queria viver com grandeza. É daí que tiro a esperança que sinto nos outros. Já sei que a verdade é mais um caminho que uma meta. Tudo me parece relativo. Relativo a meu esforço, ao meu empenho. Penso quase como Schopenhauer com relação à soberania da vontade. Então, em vez de procurar a Lua inalcançável, parodiando o poeta, busco o luar, que é muito mais interessante. Como não é possível viver grandes momentos o tempo todo, fiquei cultivando expectativas e ansiedades. Às vezes tinha a nítida impressão de que, quanto mais caminhava, mais distante ficava.

A inveja que sentia daqueles que criam e realizam me fazia sentir mais insignificante ainda. E foi pensando nisso tudo que, depois de muito perder, descobri que somos o que fazemos aos outros. Só então comecei a ganhar. O problema é que a gente se habitua a tudo que nos faz bem. Então quis ganhar sempre. Eis aí a perda maior: perder a perspectiva da vida. Toda vitória se alicerça em muitas derrotas. Acho que vencer é construção permanente, não é possível deitar sobre louros. Perder faz parte de vencer, é um mesmo e longo jogo. Talvez os budistas tenham razão: tanto perder como ganhar não têm significado algum. É a fluência do jogo que interessa. Por quê? Percebo agora, neste instante: é como perdemos ou ganhamos que importa, porque é isso que nos constrói. As metas são apenas metas.
Luiz Alberto Mendes
Picture by Valerios

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