
Adentro dos limites intransponíveis de que te falei há pouco, posso defender a minha posição passo a passo e recuperar mesmo algumas polegadas do terreno perdido. Não deixo por isso de ter chegado à idade em que a vida se torna, para cada homem, uma derrota aceite. Dizer que os meus dias estão contados não significa nada; sempre assim foi; é assim para todos nós. Mas a incerteza do lugar, do tempo e do modo, que nos impede de distinguir bem o fim para o qual avançamos sem cessar, diminui para mim à medida que a minha doença mortal progride. Qualquer pessoa pode morrer de um momento para o outro, mas o doente sabe que passados dez anos já não será vivo.
A minha margem de hesitação já não se alonga em anos, mas em meses. As minhas probabilidades de acabar com uma punhalada no coração ou por uma queda de cavalo tornam-se cada vez menores; a peste parece improvável, a lepra ou o cancro afiguram-se definitivamente afastados. Já não corro o risco de cair nas fronteiras, atingido por um machado helénico ou trespassado por uma flecha parta; as tempestades não souberam aproveitar as ocasiões que se lhes ofereceram, e o feiticeiro que me predisse que eu não me afogaria parece ter acertado.

Assim como o viajante que navega entre as ilhas do Arquipélago vê despontar, ao entardecer, uma espécie de névoa luminosa e descobre pouco a pouco a linha da costa, eu começo a avistar o perfil da minha morte.
Certas frações da minha vida assemelham-se já a salas desguarnecidas de um palácio demasiadamente vasto que um proprietário empobrecido renuncia a ocupar todo.
Marguerite Yourcenar
Um comentário:
Uma visão real e cruel do ocaso.
Bjs
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