7 de set. de 2008

Fobia de compromisso


Pesquisadores suecos identificam que alterações no gene responsável pela formação de laços afetivos predispõem o homem a ser um péssimo marido 

Aos 47 anos, o ator americano George Clooney é um solteirão convicto. Casou-se uma única vez, em 1989, com a atriz Talia Balsam. Depois de quatro anos, o bonitão já estava separado – e jurando que nunca mais juntaria sua escova de dentes à de uma mulher que quisesse prendê-lo por mais de uma noite. No processo de divórcio, Talia reclamou que Clooney passava mais tempo com os amigos do que com ela. 

"O casamento me deixava acuado", justificou o guapo. Tamanha é sua fobia de casamento que o ator apostou com as amigas Nicole Kidman e Michelle Pfeiffer que chegaria aos 40 anos solteiríssimo. Aposta vencida, Clooney recusou-se a aceitar o prêmio: 10.000 dólares de cada uma. Preferiu renovar o acordo para 2011, quando completará 50 anos – e ninguém mais duvida que ele vencerá novamente o desafio. A explicação para a aversão do ator à vida a dois pode estar – em parte, frise-se – nos seus genes. Pesquisadores do Instituto Karolinska, na Suécia, descobriram que os homens portadores de mutações no gene AVPR1A, quando casados, tendem a se revelar péssimos maridos. Entre inúmeras funções, o AVPR1A ajuda a regular os níveis cerebrais de vasopressina, uma substância associada à agressividade e à capacidade masculina de estabelecer laços afetivos. 

Publicado na revista científica americana Proceedings of the National Academy of Sciences, o trabalho foi liderado por Hasse Walum, de apenas 27 anos e jeitão do roqueiro Kurt Cobain. O jovem pesquisador não sabe se é portador de alterações no AVPR1A, mas se diz totalmente fiel à parceira – quando tem uma. As bases genéticas da fobia de compromisso foram identificadas pela primeira vez em arganazes. Um tipo de rato do campo, o arganaz é, de todo o reino animal, uma das raras espécies em que predomina a monogamia. Quando um arganaz macho escolhe uma fêmea, mantém-se fiel a ela até o fim, ajudando na criação dos filhotes e na defesa do ninho. Nos anos 90, pesquisadores americanos dos Institutos Nacionais de Saúde descobriram que os roedores que carregavam variações no AVPR1A fugiam aos padrões de um arganaz típico. Imediatamente após o acasalamento, eles abandonavam as fêmeas. Agora, Walum e sua equipe relacionaram tais diferenças genéticas ao modo como os homens se relacionam com suas parceiras. No estudo sueco, foram avaliados 552 pares de gêmeos, com idades entre 37 e 64 anos. Todos moravam com uma mulher. Dos 220 que possuíam mutações no AVPR1A, 48% não se consideravam casados, apesar de dividir o mesmo teto com a parceira. No grupo dos homens sem as alterações no gene, esse índice foi de apenas 17%. Além disso, os portadores da variação se diziam mais infelizes na relação – metade havia pensado em desfazer a união no ano anterior à pesquisa. 

A descoberta dos suecos representa mais um passo rumo à compreensão da influência da genética no comportamento humano, mas está longe de apresentar resultados práticos. Não, minha senhora, ainda não é possível criar uma pílula do apego ou a fórmula de um xarope antiinfidelidade. A genética não explica totalmente a ojeriza de certos homens ao compromisso amoroso. Os genes sozinhos não determinam nada – eles apenas predispõem. Ou seja, o homem portador de mutações no AVPR1A não está condenado a casamentos fracassados. A disposição masculina para a vida a dois é resultado da interação entre genética e ambiente. "Tudo depende de como esse homem foi criado, quais os valores que acumulou ao longo da vida", diz Marcelo Nóbrega, professor de genética da Universidade de Chicago, nos Estados Unidos. 

"A religião, por exemplo, pode fazer toda a diferença no modo como os homens encaram o casamento." O ser humano tem entre 20 000 e 25 000 genes. Pelo menos uma centena deles já foi associada ao modo como percebemos e reagimos ao mundo (veja o quadro abaixo). Mas eles nunca agem sozinhos. As raízes biológicas do vício, da inteligência, da violência, entre outros fatores, são determinadas pela interação entre vários genes. O ambiente, no entanto, tem papel preponderante na manifestação dessas características. No que se refere ao comportamento agressivo, um dos trabalhos mais relevantes foi realizado por pesquisadores do Instituto de Psiquiatria de Londres. 

 Eles descobriram que homens portadores de uma alteração genética, a MAOA, tendem a cometer crimes bárbaros. Essa predisposição, porém, só se concretiza se o indivíduo, quando criança, tiver sido vítima de maus-tratos. Nesse caso, a probabilidade de ele se transformar num criminoso é dez vezes maior do que a de um portador da mesma anomalia genética que tenha tido uma infância tranqüila. Os estudos mais recentes indicam que o impacto das experiências pessoais na formação da personalidade é especialmente marcante na infância e na adolescência. Em seu livro Não Há Dois Iguais, a psicóloga americana Judith Rich Harris defende que, nessa fase da vida, a maior influência vem dos amigos – e o julgamento deles pode ser essencial para definir a forma como uma criança se comportará na idade adulta. 

"Nossos genes estão à mercê de nossas experiências pessoais", corrobora o geneticista Matt Ridley, da Universidade de Oxford, nos Estados Unidos, autor do livro O que Nos Faz Humanos. Diversas pesquisas já demonstraram que alguns fatores externos são capazes de "ligar" e "desligar" genes. Esses trabalhos pertencem a um campo de investigação científica relativamente novo: a epigenética. Criado há menos de dez anos, esse ramo da ciência procura descobrir como a ação dos genes pode ser detida ou acelerada em razão do meio. "Ele já está trazendo respostas surpreendentes para questões do comportamento humano", diz o psicólogo César Ades, da Universidade de São Paulo. Aí está uma desculpa para você, prezado leitor que não gosta de compromisso: não é a genética, é a epigenética.
Adriana Dias Lopes e Anna Paula Buchalla

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