14 de jun. de 2009

Reinvente-se a cada idade

Colleen Nash Becht
Crise de idade: só de ouvir a expressão, algumas pessoas se arrepiam. Os sintomas deste momento variam, mas é comum sentir-se perdido e ansioso diante das dúvidas, questionamentos e interrogações inerentes que os momentos de mudança carregam. 

Compreender essas fases e aceitá-las pode ser a chave para evitar crises mais intensas adiante, ao rever valores, repensar atitudes e definir caminhos futuros. A questão que se coloca é: como atravessá- las tirando o maior proveito possível, sem sofrimento desnecessário? No mercado americano, o assunto está preenchendo prateleiras. 

Desde o final de 2008, uma enxurrada de lançamentos que abordam principalmente a da meia-idade e a dos 25 anos oferece soluções e caminhos para lidar com esses períodos de transição e sair deles no rumo certo. A crise dos 40 anos é uma das mais agudas, pois costuma ser vista como a última oportunidade para uma guinada de vida. Foi o que fez a executiva da área de marketing Carla Loretta Nórcia, 42 anos. Depois de 17 anos numa empresa de autopeças, ela percebeu que não se identificava mais com muitos comportamentos recorrentes no ambiente corporativo. 

"Eu me desencantei", diz Carla. Cansada de fofocas e da competição agressiva, está de malas prontas para se mudar com o marido e as duas filhas para Itacaré, na Bahia, no fim do mês. Carla pretende usar toda a experiência como executiva para abrir um negócio próprio. A ideia é uma loja de roupas e peças de decoração em chita. "Quando você é adolescente, cria ideais de sucesso. Mas, fora do mundo corporativo, isso não tem significado nenhum", diz Carla. A ficha caiu há cinco anos, quando ela passou por um marco histórico, uma grande desilusão com colegas de trabalho. A partir daí, começou a reorganizar a vida em função de outros valores. "O que eu desejo ter é qualidade de vida para mim e para as minhas filhas." Para os especialistas, a meia-idade é uma passagem decisiva. "Até os 25 anos, a pessoa não tem história nenhuma. Em torno dos 40, já tem experiência", afirma Dulce Critelli, terapeuta existencial e professora de filosofia da Pontifícia Universidade Católica (PUC), de São Paulo. "Nessa fase, a pessoa percebe que muito do que ela fez foi porque os pais queriam ou por influência de amigos." É o momento de avaliar erros e acertos, conquistas e perdas, e pensar em como será a outra metade da vida. 

 Planejamento de vida Mesmo no caso de quem tem o currículo recheado de metas cumpridas, é recorrente o sentimento de que faltou autorrealização e a vontade de mudar de rumo, como ocorreu com Carla. Entre as dificuldades na hora de assumir mudanças radicais está justamente a bagagem de quem chegou à meia-idade. Família, filhos, experiência em uma área: são todos fatores que precisam ser levados em conta no planejamento da vida que se quer ter. "Por mais que existam vários ciclos de vida, os problemas se repetem em idades diferentes e proporções diferentes. Aos 40, a proporção é muito maior", diz Sulivan França, presidente da Sociedade Latino-Americana de Coaching. Além do coaching profissional, para executivos, a modalidade voltada para resoluções pessoais tem crescido. "Pela experiência que eu tenho, normalmente, a pessoa quer mudar no auge da carreira", diz França. Não são só as questões profissionais que alimentam as crises. O corpo é outro detonador, como na menopausa, no caso das mulheres. 

"Elas estão ligadas à transformação hormonal, mas não é só isso. Aos 40, a mulher lida com uma série de questionamentos, como a mudança do tipo de beleza e o fim da fertilidade se aproximando", diz o psicoterapeuta João Figueiró, presidente do Instituto Zero a Seis. Nessa fase, despertar para a saúde é um comportamento que será premiado. Muitas vezes é a última chamada para evitar problemas e restrições futuros, na velhice. Para os homens, existe menos pressão por uma estética eternamente jovem, mas isso não os livra de inquietações. Segundo o psicólogo Alexandre Bez, especializado em relacionamentos pela Universidade de Miami, os avanços da medicina e da estética, como tratamentos eficazes para impotência e calvície, voltaram as preocupações para a dimensão interior. "O que pega são aspectos familiares e conjugais", diz Bez. Ajustes no trabalho É o caso do administrador Adriano Tironi, 38 anos, pai de Giovanna, 12 anos, fruto de seu primeiro casamento. Por ter perdido o pai na infância, Tironi não queria correr nenhum risco de repetir a história. "Após fazer um check-up e perceber que a minha saúde não estava bem, comecei a me preocupar mais com essas coisas", diz ele, que mudou a alimentação e incluiu exercícios na rotina. Nos seus planos está a compra de um apartamento maior para acomodar a filha. 

 As reflexões sobre sua vida emocional e afetiva estão impulsionando uma revisão profissional também. Tironi não pensa em viradas radicais, mas pequenos ajustes que lhe trarão mais prazer no trabalho. Bem-sucedido na área de administração e locação de imóveis, está migrando para a área de financiamentos. "Vou poder ajudar as pessoas a realizar um sonho", diz o administrador. "Pode parecer piegas, mas, assim como aconteceu comigo, acredito que a satisfação de comprar um imóvel próprio é algo muito marcante." Várias opções na juventude A boa notícia para os mais jovens é que a temida crise dos 40 talvez não chegue para eles na mesma intensidade. Hoje, as dúvidas e questionamentos começam mais cedo, na crise dos 25 anos. E, se forem encaradas de frente, a pessoa pode estar garantindo décadas futuras mais tranquilas. O termo "crise dos 25" foi cunhado pela jornalista Alexandra Robbins, autora do livro homônimo, lançado em 2001. "As gerações de nossos pais não tinham tempo para se confrontar com os seus demônios pessoais na descoberta de sua identidade, na casa dos 20 anos. É justamente por isso que acredito que eles têm a crise da meia-idade, e nossa geração não terá", diz. 

Alexandra acaba de escrever "Conquering your Quarterlife Crisis" (Conquistando sua crise dos 25, em tradução livre), ainda não publicado no Brasil, e fala das vantagens de passar por esta tormenta logo. "É melhor entender quem você é quando jovem e ainda tem a vida toda pela frente do que se dar conta aos 50 de que está vivendo uma vida que você não queria", diz a autora. Para a geração que hoje está entre os 40 e os 50 anos, a alternativa mais comum ainda era casar e iniciar uma nova família diante da conclusão de um curso superior e a chegada da idade adulta. "Hoje, casamento é uma das múltiplas possibilidades existentes, assim como viajar, fazer um mestrado, morar sozinho ou à custa dos pais. Existe um excesso de opções disponíveis", diz a terapeuta Regina Favre. Na opinião dela, a questão mais difícil é fazer uma escolha que, num prazo mais longo, permita que a pessoa continue a crescer e cultivar relações. É preciso sempre avaliar passos adiante: a base que a pessoa está escolhendo no momento é capaz de prover relacionamentos e escolhas nos próximos cinco ou dez anos? "E, ao mesmo tempo, existe a pressão social e de pessoas dizendo o que você deve fazer", afirma a psicóloga. Perdida entre essa miríade de futuros possíveis está Lílian Santos, em plena crise dos 25 anos. 

"São tantas opções que às vezes perco o norte", diz a jovem. Com carreira em ascensão no setor de estratégia de internet de uma empresa de previdência, ela considera a possibilidade de abandonar a profissão e começar de novo, na área de gastronomia. Ou trabalhar com crianças, uma vez que no tempo livre é contadora de histórias. "Eu gosto do que faço. Mas poderia amar, e não só gostar. Ao mesmo tempo, será que é hora de mudar agora, justo quando comecei a ganhar um dinheirinho melhor?", pergunta-se Lílian. Ela mora sozinha num apartamento alugado e pensa em comprar o seu próprio. Na dúvida, embarcou para a Europa por um mês, onde está passando as férias. De cabeça fresca, na volta, vai pensar no que fazer. Falta de autonomia Não é só a incerteza sobre que rumo seguir. A falta de autonomia financeira é um dos principais problemas na crise dos 25. Sônia Maria Guaraldo Miguel, psicóloga do departamento de sexualidade feminina da Unifesp, acredita que a dependência dos pais, ainda que eventual, causa um incômodo psicológico imenso. 

"Essa crise, que revela uma extensão da adolescência, é algo muito moderno, um sinal do nosso atual momento", diz. E a única solução é paciência para driblar a ansiedade, pois o processo para a independência financeira pode levar tempo. Nessa fase, o período de indecisão no qual a pessoa fica paralisada costuma ser mais difícil de superar. Sulivan França afirma que, quando o jovem chega desiludido com a carreira ou determinado a reverter um fracasso, é muito mais fácil decidir o novo rumo e se desenvolver na direção escolhida. "Mas qualquer ação que leve ao desenvolvimento é melhor do que ficar parado", aconselha França. O coach acredita também que, se o jovem não vê perspectiva de crescimento na carreira, pode ser o caso de rever os processos. "Toda carreira tem perspectiva, mas muita gente só vê o lado negativo. O questionamento direciona para uma meta positiva." Tão evidente na crise dos 25, essa "desconfiguração" é típica de todas elas, diz Regina Favre. "É quando suas referências e seu modo de funcionamento ficam obsoletos, não servem mais", afirma a psicóloga. 

 "A crise dos 25 anos, que revela uma extensão da adolescência, é algo muito moderno, um sinal do nosso atual momento" Sônia Miguel, psicóloga da Unifesp Embora pareça estranho entrar em crise por conta do excesso de possibilidades, esse é um fenômeno conhecido na psicologia. Ao contrário das crises por perdas, nas quais é preciso superar uma demissão ou a morte de um ente querido, na primeira parte da vida, são mais comuns as por aquisição. Um novo emprego, por exemplo, traz uma série de desafios, e um jovem que acaba de entrar no mercado de trabalho precisa se adaptar rapidamente às novas exigências e responsabilidades. Segundo João Figueiró, algumas pessoas têm mais facilidade para lidar com esses períodos instáveis. "Essa qualidade é desenvolvida nos primeiros anos de vida, e depende da criança ter uma figura adulta confiável e sensível para se espelhar", afirma o psicólogo. Administrando pressões Para o vestibulando Hiram Costa Endo, de 18 anos, a ajuda da família e da escola está sendo fundamental para gerenciar a pressão do final da adolescência. "É o ano mais decisivo, porque tem várias coisas acontecendo: completar 18 anos, ser maior de idade, prestar vestibular, Enem, tirar carteira de motorista, se alistar no Exército", enumera o estudante. Como já decidiu que vai tentar o curso de administração, sente-se livre do que considera uma das piores pressões: a opção por uma carreira. "É uma escolha para sua vida inteira", diz. 

"Quem está em dúvida, está sofrendo mais." Maria Angélica Mendes de Almeida, diretora pedagógica do colégio em que Hiram estuda, o Hugo Sarmento, cita o fato de o leque de opções atual ser muito maior do que há alguns anos. Isso ajuda a confundir. "É mais fácil quando os pais dão tempo para o aluno se encontrar", afirma a educadora. Crise longa e intensa Por ser a transição entre a infância e a vida adulta, a adolescência é uma crise longa e intensa. "Acontecem mudanças semanalmente, quinzenalmente, mensalmente", explica o psicólogo Alexandre Bez. Aos 15 anos, Isabela Garcia Santos está atravessando essa turbulência. "Ela é uma moça com corpo formado, mas é criança", diz Elaine, mãe de Isabela. A filha admite que qualquer problema ganha dimensão interior de catástrofe. "Parece que tudo que acontece de ruim é o fim do mundo", afirma. 

Para a adolescente, a parte mais estressante é lidar com os limites que a mãe impõe: não poder ir à balada, selecionar mais os amigos, os palpites na escolha da faculdade e da profissão. Segundo Alexadre Bez, quando a criança é criada com dificuldade de ouvir não, a rebeldia é quase certa na adolescência. "Quando os pedidos são negados, a crise é muito grande", diz ele. A filósofa Dulce Critelli acrescenta que, para a geração atual, a crise é pior porque os valores são voltados para a satisfação dos próprios desejos. "O tédio é muito maior", afirma ela. "Movimentar-se na vida em função de meros desejos, que na verdade são caprichos, torna a vida muito pobre." Recomeçar é possível No extremo oposto está outra crise que é relativamente nova nos consultórios: a dos 60. De acordo com o IBGE, a expectativa de vida no Brasil subiu para 72,3 anos em 2006. Em 1960, era de 54,6 anos. A geração atual chega a essa faixa etária mais produtiva do que nunca, com saúde e sem planos de se entregar ao ócio. 

 O empresário Wilson Cotrim, 63 anos, sempre foi uma pessoa ativa. Proprietário de uma empresa de auditoria, tem no currículo a prática de esportes, como vela, esqui e futebol. Nos últimos anos, viajar esteve no topo das prioridades relacionadas ao bem-estar. Junto com a mulher, Wilson visita a Índia todo ano, há 18 anos. Ao chegar perto dos 60, sentiu que precisava de um desafio novo. "Eu pesava 65 quilos fazia mais de 20 anos, e via que eu tinha tudo em cima", conta. "Mas tinha condições físicas e financeiras para voar mais alto." Depois de uma autorreflexão, o empresário mergulhou no universo das corridas de rua. A cada ano, são quatro maratonas (de 42 quilômetros) - ele já competiu em Chicago, Praga, Berlim, Paris e Buenos Aires - e treinos seis vezes por semana, percorrendo 60 quilômetros no total. "Muitas pessoas levam em conta a idade para suas escolhas. Para mim é uma questão de autoconhecimento, de você abrir a cabeça e enxergar as possibilidades", diz. 

"A crise da aposentadoria e do pijama saiu do cenário", diz a filósofa Dulce Critelli, para quem o discurso atual é o de negação da terceira idade. A professora de antropologia da Unicamp e autora do livro "A Reinvenção da Velhice", Guita Debert, afirma que, hoje, a velhice não é mais uma reprodução do que as gerações anteriores viveram. "Toda a ideia da terceira idade é montada para que ela crie novos projetos", diz a pesquisadora. "É um momento propício para a realização de sonhos que foram abandonados em outras etapas." É também quando se faz o balanço do passado. "Aí, quem acertou, acertou, e quem não conseguiu, vai ter que se ver com muitas questões", diz Regina Favre. Para garantir que a pessoa tenha condições de aproveitar ao máximo essa fase, os profissionais são unânimes em prescrever cuidados com a saúde e alimentação e o olhar mais voltado para o futuro do que para o passado. "O que faz a experiência de vida se tornar uma crise é a possibilidade de criar futuros, uma coisa que não estava à disposição antigamente", diz Guita. Então, aproveite sua crise, seja ela qual for, e invente sua história. 

60 Anos A crise estigmatizada por uma aposentadoria de pijama em frente à televisão saiu de cena. Com a expectativa de vida cada vez maior, essa geração entra em conflito com a possibilidade de inventar histórias futuras, algo que não existia no passado Saúde É um bem que precisa ser cultivado muito antes, incluindo na agenda atividades físicas e alimentação saudável. A autonomia ganha um valor enorme com os anos Relacionamentos É importante se abrir para novas relações e fortalecer as antigas. Hobbies ou uma nova atividade produtiva ajudam a criar uma nova rede social 

40 Anos É o momento de fazer um balanço e avaliar a autorrealização. Para muitas pessoas, é a última chance de reinventar a carreira e dar uma guinada nos relacionamentos. Aos 40, é hora de se apropriar da existência e validar suas escolhas Trabalho Tanto os pequenos ajustes como os grandes exigem planejamento, mas são possíveis. Reserva financeira, preparo para a nova fase e apoio da família são indispensáveis Saúde Nessa fase, entra em cena o check-up anual e ele pode revelar a necessidade de mudanças. Mas ainda dá tempo: um estilo de vida mais saudável traz recompensas Relacionamentos A vontade de buscar transformações pode levar ao fim do casamento. Vale a pena se perguntar se a relação morreu mesmo ou se é apenas vontade de se sentir livre 

25 Anos O começo da vida adulta carrega enormes desafios: fazer escolhas de longo prazo, lidar com a falta de autonomia financeira e o medo de assumir decisões definitivas, como um casamento. São tantas opções que não é raro ficar paralisado, sem conseguir optar Trabalho É muito mais fácil recomeçar uma carreira nessa fase do que na meia-idade. Por outro lado, para conquistar autonomia financeira e realização é preciso paciência, já que leva tempo para alcançar o posto e o salário desejados Independência Quem está ensaiando voo solo deve se preparar para reconquistar aos poucos um padrão de vida mais alto ou continuar mais alguns anos na casa dos pais Viagens e cursos Para os solteiros, é uma boa fase para continuar estudando ou viajar para o Exterior e adquirir novas experiências. Pese quais serão os benefícios pessoais e de carreira 

15 a 18 anos Vontade de ter autonomia de adulto, mas comportamentos que mais lembram os de uma criança. Some-se a isso um corpo em constante transformação e as primeiras decisões sérias. Não à toa o adolescente tem várias crises na sua transição para a vida adulta Decisões O apoio da família e da escola é fundamental para o adolescente não fazer escolhas sob pressão. Orientar e ouvir é muito mais eficiente que cobrar Relacionamentos Com hormônios em ebulição, o humor fica instável. Para evitar conflitos, vale buscar a ajuda de um terapeuta e gastar energia em atividade física Limites São importantes para equilibrar a vontade de agir como adulto com o grau de responsabilidade que o adolescente é capaz de assumir Verônica Mambrini Expectativas Nessa fase, com a vida estável, a prioridade é a satisfação pessoal. Toda a experiência do passado pode ser aplicada numa atividade produtiva e gratificante 
Verônica Mambrini

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