23 de ago. de 2009

Susan Sontag

Até os 30 anos, Susan Sontag (1933- 2004) era uma intelectual desconhecida. Com o romance de estreia “O Benfeitor” (1963) e o ensaio “Contra a Interpretação” (1966) deixou o anonimato e se tornou uma grande intelectual americana. Vítima de leucemia aos 71 anos, Susan deixou à humanidade seu brilhantismo, imortalizado em ensaios, peças de teatro, romances, monografias, filmes e pensamentos inquietantes.
A seu filho, o escritor David Rieff, 57 anos, legou 100 cadernos empilhados no closet do quarto, com relatos pessoais surpreendentes. O primeiro volume, “Diários (1947-63)”, lançado na semana passada, traz confissões da escritora dos 14 aos 30 anos, período das intermináveis confusões mentais que serviram de arcabouço para a sua intelectualidade precoce. Após a morte da mãe, David foi informado de que as anotações e papéis da escritora deveriam ser direcionados para a Biblioteca de Los Angeles (EUA). Decidiu, então, publicálos. “Se eu não os organizasse e apresentasse, outra pessoa o faria. Pareceu melhor ir em frente”, justificou. Os diários trazem muitas revelações, como o desinteresse de Susan pelo pai de David, detalhes das suas aventuras sexuais e um certo descaso como mãe. “Há coisas que são uma fonte de dor para mim e muitas outras que eu preferia não saber”, confessa ele. A respeito da orientação sexual da escritora, David assume o risco. “Minha mãe evitava qualquer discussão a respeito da sua homossexualidade”, conta. “Minha decisão viola a privacidade dela.” Os diários dos outros 40 anos serão publicados em dois volumes. A homossexualidade foi a base dos dramas pessoais da escritora, que se apaixonou (e sofreu) por duas mulheres durante 15 anos – a dramaturga Maria Irene Fornés e a estudante de literatura Harriet Zwerling. A descoberta da orientação sexual se deu aos 16 anos, quando era caloura na Universidade de Berkeley, na Califórnia. Nestes anos, Susan estava determinada a conhecer todas as artes e obras musicais, ir a todas as exposições e ler os melhores livros.
A cada semana, fazia uma lista das obras obrigatórias e riscava os títulos à medida que os devorava. Entre os livros de cabeceira, “O Mal-Estar na Cultura”, de Freud, “Os Miseráveis”, de Victor Hugo, e as obras de Shakespeare. Na Califórnia, Susan descobriu sua sexualidade, mas foi em Chicago, para onde se transferiu para estudar filosofia e literatura, que nasceu a intelectual. Lá, conheceu o professor de sociologia Phillip Rieff, com quem se casou aos 17 anos. A forte admiração acadêmica virou compromisso, mas não houve paixão. O casamento e o nascimento do filho coincidem com um hiato dos relatos. Susan não escreveu nenhuma linha entre 1952 e 1953. Quando retoma o diário, Susan se mostra infeliz na união que durou oito anos – tinha sonhos eróticos com mulheres, enquanto dormia ao lado do marido. Após o divórcio, concluiu o curso de filosofia, literatura e teologia na Universidade de Harvard e mudou-se para a Europa, formando-se nas universidades de Oxford, na Inglaterra, e na Sorbonne, na França. Em Paris, reencontrou Harriet e Irene, mas não foi feliz. “Harriet passou a me desprezar e não sente a menor necessidade de esconder isso”, diz. De Irene, teve apoio em alguns momentos difíceis, como na descoberta do tumor que originaria o seu primeiro câncer, mas não foi correspondida na paixão. Decidiu ficar sozinha. Aos 30 anos, Susan clamava pela recuperação do sentido da vida, queria ouvir e sentir mais e, ao contrário do que pregava na adolescência, desistiu de entender todas as coisas, ideias defendidas em “Contra a Interpretação”, publicado três anos depois. “Ela conseguiu articular a sua vida pessoal com as ideias que defendeu em suas obras”, afirma Edgard de Assis Carvalho, professor de antropologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. “A sua sensibilidade e intensidade captavam o essencial da vida.” Sexualidade 23 de maio de 1949 – Primeira relação homossexual “Harriet e eu fomos dormir num beliche estreito. Talvez eu estivesse embriagada, afinal, foi tão lindo quando ela começou a fazer amor comigo... Na primeira vez que me beijou, eu ainda estava dura (...) eu simplesmente não sabia como, não que eu não tenha gostado (como aconteceu com o Jim). Tudo foi tão concentrado que chegou a doer no fundo do meu estômago. Fui subjugada no atrito contra ela, o peso do seu corpo em cima do meu, as carícias da sua boca e das suas mãos... E o que sou agora? Nada menos do que uma pessoa inteiramente diferente. A bissexualidade é a expressão da plenitude de um indivíduo.” Estupro 6 de junho de 1949 – Quando foi violentada “Quando eu tinha dezessete anos, queria descobrir o que era o sexo [penetração] e então fui a um bar e saí com um marinheiro (tinha o cabelo vermelho) e fui estuprada, com tudo a que tinha direito... Meu Deus! Fiquei semanas sem conseguir sentar! E fiquei com muito medo de ficar grávida.” Casamento 4 de setembro de 1956 – Casada há seis anos com Phillip Rieff “Quem inventou o casamento foi um torturador astuto. É uma instituição destinada a embotar os sentimentos. (...) O melhor que ele almeja é a criação de dependências fortes e mútuas. (..). Assim, depois do primeiro ano, a pessoa para de ‘perdoar’ depois das brigas – apenas recai num silêncio irritado, que passa a um silêncio comum, e depois continua outra vez. Casamento se baseia no princípio da inércia. Proximidade sem amor. Comportamento privado, não público. Parede de vidro. Amizade.” O filho 6 de janeiro de 1958 – Reflexões sobre a maternidade “Quase nunca sonho com o David, e nem penso muito nele. David fez poucas incursões na minha vida de fantasia. Quando estou com ele, eu o adoro completamente e sem ambivalência. Quando vou embora, contanto que saiba que estão cuidando bem dele, David se apaga depressa. Entre todas as pessoas que amei, ele é menos que tudo um objeto do amor mental, sobretudo intensamente real.” Vida adulta 3 de março de 1962 – Aos 30 anos “Pensei que a raiz era o medo – medo de crescer, como se eu, ao crescer, fosse abdicar da minha única pretensão de não ser abandonada, de ser objeto de cuidados. Pensei que isso acontecia porque eu não conseguia me entregar com firmeza (ou de qualquer modo) ao sexo, ao trabalho, a ser mãe, etc. Pois se eu fizesse isso, estaria me chamando de adulta. Mas eu nem cheguei a ser criança de verdade!” Carina Rabelo

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