paintings by loci |
Afinal, a maioria gasta mais da metade do dia no trabalho e nossas profissões influenciam profundamente cada aspecto de nossas vidas: o tempo que gastamos com a família e os amigos, a segurança material, a educação que proporcionamos para nossos filhos, as pessoas que conhecemos. De fato, levamos nosso trabalho tão a sério que nos identificamos com aquilo que fazemos.
Embora consideremos nossa carreira muito importante, vários estudos mostram que os brasileiros estão cada vez mais insatisfeitos com seus empregos. E a principal causa desse cenário é a falta de reconhecimento em relação ao desempenho exercido no ambiente de trabalho. Foi o que revelou estudo feito pelo instituto de pesquisa Market Analysis, em 2006, quando foram ouvidas 400 pessoas das cinco principais capitais do País — São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Recife e Porto Alegre.
Considerando a popularidade de livros como Valores humanos no trabalho, de Ken O’Donnel, e Zen no trabalho, de Les Kaye nossa cultura parece preocupada com a qualidade e o significado do trabalho nesses dias. Os trabalhadores confrontam uma combinação estressante de pressões e insegurança no emprego que mina a satisfação e os faz refletirem se deveriam procurar algo que traga mais realização. Não importam as circunstâncias, você pode achar que seu trabalho não corresponde às suas expectativas, muito menos aos seus sonhos. Talvez você não se comprometa com seus talentos criativos ou impulsos altruísticos, ou ache os colegas de trabalho agressivos ou hostis. Ou simplesmente não gosta do seu emprego, mas não sabe bem por quê. Se você pratica Yoga ou meditação, talvez queira aplicar os princípios que aprende no mat no seu ganha-pão. O desejo pode conduzi-lo aos mais difíceis questionamentos: como ganhar dinheiro e se comprometer em um trabalho que gosta sem sacrificar sua paz de espírito, saúde e valores espirituais? Como contribuir com seus talentos e dons para o progresso do planeta sem prejudicar o meio ambiente ou as outras pessoas?
Se já refletiu sobre essas questões, está explorando o que é conhecido como meio de vida correto. Embora o termo derive da tradição budista, o meio de vida correto refere-se mais largamente a qualquer trabalho significativo e satisfatório que dê uma contribuição positiva ao mundo e expresse a intenção compassiva ou sagrada. Para algumas pessoas, o meio de vida correto assume a forma de uma carreira devotada às mudanças sociais, negócios sobre ética e sustentabilidade ambiental. Para outras, é um trabalho criativo e inovador que expressa suas aspirações mais profundas, paixões e talentos. Para muitos de nós, pode simplesmente envolver fazer algo que adicione à loja coletiva do mundo um pouco de paz, amor, felicidade e bem-estar material. O emprego pode ser salvo? Simone Garcia, uma gerente de vendas de uma indústria farmacêutica, se confrontou com muitos questionamentos sobre o meio de vida correto. Ela adiou encontrar um companheiro e ter filhos até atingir o sucesso material que achou que merecia.
Agora, ela procurou ajuda em aconselhamento porque começou a se questionar sobre sua vida. Definitivamente ela gosta do que faz — o contato com os clientes, a relação com o chefe os colegas de trabalho, as viagens frequentes, mas quando começou a praticar Yoga e adotou um estilo de vida mais saudável e espiritual, ela refletiu sobre o que a empresa estava fazendo, se era mais prejudicial do que bom. Seu envolvimento com terapias alternativas a levou a questionar os benefícios dos medicamentos que ela defendia e questionou o marketing agressivo para vender remédios a pessoas que não precisavam. Simone estava com um dilema. Depois de quase uma década que levou para construir a carreira, ficou em dúvida sobre os princípios fundamentais e práticas da indústria onde trabalhava. Ela fez um balanço da sua vida e se deu conta de que ser uma gerente de vendas deu a ela uma oportunidade limitada de expressar o seu lado mais criativo e espiritual. “O que devo fazer agora?”, perguntava a si mesma.
“Preciso deixar meu emprego e encontrar um estilo completamente diferente de carreira? Ou fico onde estou e faço um trabalho interno necessário para trazer uma atitude diferente para o trabalho que já faço e expressar minha criatividade em outra coisa?” Se você acha o dilema de Simone familiar, não está sozinho. É claro, as respostas que encontrará depende das circunstâncias da sua vida. Nos últimos anos, três pontos de vista principais do que constitui um trabalho cheio de significado e sagrado ganhou popularidade. Primeiro, professores de budismo nos ensina a não fazer o mal e, se possível, ser bom para os outros. Segundo, autores de livros best-sellers sobre crescimento pessoal determinam seu caminho intelectual para a tradição cristã de “encontre sua vocação” ao encorajar “faça o que ama” e confie que o universo o apoiará nos seus esforços. E terceiro, há muitas tradições religiosas que ensinam que você pode transformar qualquer atividade em direção ao trabalho sagrado pelo poder da sua presença, devoção e intenção. Para finalizar, Simone resolveu o dilema tirando um pouco de cada uma dessas diferentes, mas compatíveis, abordagens.
Depois de reconhecer que não poderia continuar trabalhando para uma indústria farmacêutica, ainda que estivesse relutante em abrir mão dos confortos materiais, ele mudou de carreira como corretora de empréstimos para imóveis em um bairro nobre. Apesar de o novo trabalho não estar de acordo como alguns dos princípios espirituais de Simone, trouxe alívio para sua consciência e permitiu que fizesse uma contribuição significativa para a vida das pessoas. Bel César, psicóloga que trabalha sob a perspectiva do budismo tibetano e coordena o Espaço Vida de Clara Luz, em São Paulo, explica: “Se determinado trabalho estiver comprometendo meus valores e princípios, devo buscar outro. Mesmo que essa mudança seja gradual já sabemos que condições de grande pressão, estresse e ansiedade nos vulnerabilizam e nos tornam cada vez mais vazios internamente.
Não é difícil reconhecer os sinais de que nossa saúde física, mental, emocional e espiritual está ameaçada, mas um bom salário pode nos levar à autoilusão de que num futuro próximo iremos viver de forma mais coerente”.Como ensinaram Buda e seus seguidores, o conceito básico do meio de vida correto é simples: não faça mal. Praticante por muitos anos de meditação, Claude Whitmyer, consultor de organizações, complementa que o meio de vida correto deve também envolver outros sete aspectos do nobre caminho óctuplo: fala correta, ação correta, esforço correto, atenção correta, concentração correta, visão correta e intenção correta. Em outras palavras, o trabalho que pode verdadeiramente apoiar nosso desdobramento espiritual deve nos permitir seguir nossos princípios básicos éticos, como contar a verdade, não matar e não roubar. Além do mais, esse trabalho deve ser desempenhado atentamente, com compaixão e paz e admitir os ensinamentos fundamentais budistas de interdependência entre todos os seres.
É um desafio e tanto para a maioria de nós, que já nos esforçamos muito para pagar as contas. Ingrid Schrijnemaekers, consultora de Gestão de Mudança na Souza Queiroz Academy e praticante de meditação da Fundação Brahma Kumaris, em São Paulo, escreveu um livro chamado A energia do sucesso com cinco atitudes fundamentais para a vida profissional que fazem parte de um ciclo — o da energia do sucesso. Estas cinco atitudes são: acreditar, ser bom, ter respeito, adequar-se e mudar. “Cito alguns casos de clientes que atendi em minhas sessões de coaching. Percebi, ao longo desses últimos anos, que a maioria dos executivos que passa a não ter sucesso tem problema de arrogância, ou seja, falta respeito. Não respeitam os outros e não conseguem adequar-se à novas situações. Se todos refletissem sobre o seu nível de arrogância e trabalhassem essa atitude, teriam mais sucesso. O segredo está em parar para ouvir sua voz interna, refletir ou meditar e revisar suas ações diariamente e adequar-se”, explica.
Essas orientações fundamentais têm muito a oferecer aos ocidentais que buscam uma atitude mais consciente e espiritual em relação ao trabalho e à carreira. Em particular, os ensinamentos budistas sobre interdependência de todos os seres, que implica que toda ação que fazemos traz consequências. Isso quer dizer que o meio de vida correto deve usar os recursos que tiramos do planeta adequadamente e considerar o impacto que temos na vida das outras pessoas e no meio ambiente. O que Buda faria? Baseada no budismo tibetano, Bel César diz que “vivemos numa rede de fenômenos interligados que estão em constante movimentação. Podemos ter boas intenções, mas se não soubermos olhar o outro e as condições interdependentes, estaremos invariavelmente criando interferências em seus caminhos e no meio ambiente.
O budismo nos ensina a reconhecer essa rede de interdependência e a substituir nossa visão egocentrada por uma visão mais ampla, seja de abertura mental, seja de empatia por todos os seres e pelo meio ambiente”. Mas o meio de vida correto muitas vezes é mais fácil na teoria do que na prática. O casal budista Patrick Clark e Linsi Deyo achou que tinha encontrado a solução perfeita para o meio de vida correto quando abriu uma empresa que fazia almofadas para meditação. Mas o idealismo espiritual do casal e a aversão à competitividade do mercado inicialmente impediu que eles se comprometessem com os negócios para promover seus produtos com sucesso. “Éramos ingênuos e idealistas. Nossa sobrevivência dependia de ganhar novos clientes, mas não queríamos competir contra outras empresas”, explica Clark. Ao mesmo tempo, eles se depararam com escolhas difíceis que desafiaram o comprometimento com o meio ambiente.
“Algodão é uma das colheitas que mais prejudicam o meio ambiente e usa muitos herbicidas e pesticidas. Tivemos de mudar nossa atitude e aprender a viver com a realidade econômica.”, diz Clark. Como Clark e sua esposa rapidamente aprenderam, praticar o meio de vida correto no modo budista mais puro pode ser muito difícil, até impossível, devido à complexidade da política econômica. “O problema é que cada ocupação nos solicita a fazer coisas que comprometem nossos valores espirituais — por exemplo, usar recursos naturais não-renováveis ou não contar totalmente a verdade. Fazemos o melhor que podemos dentro das circunstâncias”, diz o consultor de empresas, autor do livro Mindffulness and meaningful work (sem tradução no Brasil) Claude Whitmyer.
A professora budista e ativista social Joanna Macy, co-autora do livro Nossa vida como Gaia (Ed. Global), concorda: “O meio de vida correto é mais complexo agora do que no tempo de Buda, porque nos encontramos em um sistema econômico e ecológico que não é mais sustentável a longo prazo. À medida que participamos desses sistemas, inevitavelmente causamos algum mal por meio do nosso trabalho”, diz. Isso não significa que precisamos renunciar aos nossos esforços, mas às vezes necessitamos ajustar o idealismo e nossas próprias expectativas. “Num mundo imperfeito como este, o mais próximo que podemos fazer no meio de vida correto é cultivar a intenção correta e fazer o melhor que podemos.” Encontre sua vocação Embora palavras de efeito como interdependência e sustentabilidade solicitem nosso senso de responsabilidade ética e social, elas não são a motivação primária para cada pessoa que aspira ao meio de vida correto. A maioria de nós está mais preocupada em encontrar um trabalho que acenda nossas paixões, ilumine nossos corações e deixe nossa vida fluir no dia-a-dia.
Estamos procurando por uma carreira que dê expressão aos nossos interesses mais profundos, talentos e sonhos que forneçam à vida um propósito e significado. Embora concordemos com o princípio budista de não fazer mal, talvez estejamos mais afinados com mantras como este de Joseph Campbell — “siga a sua felicidade”, ou de Carlos Castañeda — “escolha um caminho que signifique algo para você” ou de Marsha Sinetar — “faça o que ama e o dinheiro virá”. “Dizem que a prosperidade é a consequência de uma vida com valores e de nossa espiritualidade. A questão é que nem todos entendem que quando vivemos nossos valores, o universo providencia o que precisamos, talvez não tanto quanto gostaríamos, mas com certeza o que precisamos”, explica Ingrid Schrijnemaekers. A abordagem “faça o que ama e o dinheiro virá” pode ser baseada na ignorância. “O trabalho que amamos e o dinheiro que ganhamos podem ter vir recursos abomináveis e consequências desastrosas. Você pode ser uma pessoa consciente a serviço de um sistema sem consciência.
A não ser que esteja sintonizado com os resultados do que faz, não está praticando o meio de vida correto, não importa o quanto ame seu trabalho”, diz Joanna Macy. Whitmyers concorda que o modelo de “siga a sua felicidade” requer cautela. “Faça o que ama e o dinheiro virá, se você estiver fazendo a coisa certa”, diz. “Mas o que precisa é explorar ‘amor’ e ‘certo’ em profundidade para entender completamente o significado disso. Precisamos cultivar um nível de consciência que nos permita ser menos reativos e estar com pessoas que se encontrem no mesmo nível de consciência”, afirma.
Stephan Bodian
Nenhum comentário:
Postar um comentário