8 de out. de 2009

Gestão e alquimia


Os alquimistas não constituíam uma classe uniforme. Entre eles era possível encontrar de gênios a loucos. Uma metáfora para o estágio atual da gestão corporativa, segundo o autor do texto.

Há alguns anos, caiu em minhas mãos um livro sobre a história da alquimia. Lembro pouco do conteúdo, mas ficou na memória uma receita completa para o preparo da pedra filosofal – aquela que, ao tocar um metal qualquer, faria com que se transformasse em ouro puro. São raríssimas essas receitas na literatura antiga; os alquimistas costumavam ocultá-las ou transcrevê-las misturadas a poemas obscuros, textos de jardinagem, desenhos e outros meios. 
Tinham bons motivos para tanto, pois houve épocas em que a prática da alquimia era punida com a morte. Esta receita, em particular, continha uma longa lista de ingredientes estranhos, instrumentos especiais, potes de vidro, cadinhos e procedimentos complexos que duravam pelo menos seis meses. As instruções eram rigorosas e precisas. Não faltava nem o alerta final: se você não for a pessoa certa, se a lua não estiver no lugar exato do firmamento, a fórmula não funcionará. Os alquimistas não constituíam uma classe uniforme. Havia gente de vários tipos entre eles: desde gênios do porte de Francis Bacon e Isaac Newton, até loucos, aventureiros e picaretas de diversos matizes. Eram pessoas isoladas que, por ganância e medo, não colaboravam entre si. 

Alguns foram bruxos reclusos; outros, bancados por reis e imperadores, cairam em desgraça quando, depois de certo tempo, não conseguiram materializar a pedra filosofal (esse prazo era variável, conforme a paciência do monarca). Os alquimistas enfrentavam o ceticismo de pensadores como Avicena – grande médico e filósofo da Pérsia medieval –, que advertia: "Os que conhecem a química sabem que nenhuma mudança pode ser induzida nas diferentes espécies de substâncias, embora se possa produzir a aparência de que a mudança ocorreu”. A busca pela pedra filosofal durou séculos, e só terminou quando a alquimia foi suplantada pela química inorgânica. Contudo, por mais absurdos e risíveis que tenham sido os esforços desses homens (sim, a alquimia era profundamente machista), é importante reconhecer que produziram um corpo importante de conhecimentos. Não consigo imaginar metáfora mais apropriada para o estágio atual da gestão corporativa. Ou será que também não vivemos a busca incessante da “pedra filosofal” – aquela teoria geral e perfeita que, ao simples toque de um botão, produzirá o lucro certo na outra ponta? Temos os nossos Francis Bacon, nossos Isaac Newton e nossos charlatães, nossos loucos e aventureiros. Basta uma olhada rápida nas capas de livros, artigos de revistas e papers acadêmicos para ser inundado por fórmulas mágicas. Há quem coloque suas poções em barraquinhas na beira da rua, enquanto outros, discretos, se escondem nos porões dos laboratórios, e outros mais vendem seus serviços apenas aos monarcas abastados. Alguns caem em desgraça quando suas teorias fracassam por falta de tempo ou consistência. Porém, ao contrário dos alquimistas, não há pena de morte. 

 Como seus colegas medievais, são quase todos homens, e desconfiados entre si. Colaborar não faz parte do seu vocabulário, pois ninguém que dividir os louros e os dólares da descoberta da pedra. Diferentemente da receitinha alquímica, a bula das suas soluções nunca traz a advertência: cuidado, se você não for a pessoa certa, se a lua não estiver no lugar exato do firmamento, a fórmula não funcionará e sua empresa pode fracassar. Os novos alquimistas são assertivos e arrogantes. Tal como Avicena, também existem céticos em seu meio: “Grande parte dessas recomendações atrai o interesse; muitas são quase irresistíveis. Tudo se tornou, por si só, um grande negócio. 

O único problema é que quase nada funciona—ou seja, quase nada disso produz resultados. É apenas um amontoado de afirmativas abstratas, inconsistentes e logicamente equivocadas, sem nenhuma utilidade como base concreta para ações concretas em situações concretas.” (Chris Argyris) É como se estivéssemos diante de diversos puzzles espalhados pelo chão. Um deles – apenas um – quando montado, fará surgir uma empresa eficaz, mas cada guru e cada teórico está concentrado numa pequena parte, sem ver o conjunto. Mesmo assim, são categóricos ao afirmar que têm o caminho e sabem como chegar ao final. 

Só quem observar de cima perceberá a confusão, e poderá apontar que isto é um braço, aquilo é uma perna, mais aquilo é um dedo – e este dedo não pertence à espécie humana. Opa: esta peça é uma roda de automóvel e não faz parte do quebra-cabeça! Ei, você está montando o quebra-cabeça errado! Embora devamos manter uma prudente desconfiança e, principalmente, identificar os charlatães, é importante que não sejamos duros demais com esses alquimistas contemporâneos. O tempo que lhes coube é difícil e mais turbulento que o de seus colegas medievais; enquanto aqueles tiveram séculos à disposição, os proto-químicos gerenciais enfrentam a urgência impaciente da modernidade, a pressão insensata por resultados, e o desprezo pelo necessário amadurecimento das ideias. De seus esforços sairá, um dia, a verdadeira ciência da gestão. 
Fernando Barcellos Ximenes

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