20 de nov. de 2009

Hipocrisia


A “desipocritização” das organizações será uma das mais árduas tarefas que os grandes gestores do futuro terão pela frente. Quero abordar um assunto pouco discutido no meio acadêmico ou empresarial, mas que pode comprometer o ambiente, o desenvolvimento e o futuro de uma empresa: a hipocrisia. 

O dicionário Houaiss define a hipocrisia como: 

1. característica do que é hipócrita, falsidade, dissimulação. 
2. ato ou efeito de fingir, de dissimular os verdadeiros sentimentos, intenções; fingimento, falsidade. 
3. caráter daquilo que carece de sinceridade. 

 Em poucas palavras, poderíamos dizer que a hipocrisia é a manifestação fingida de bons sentimentos. No contexto do comportamento humano, parece-nos que a hipocrisia – nos dias atuais – é uma característica comportamental observada em alguns ou vários momentos nos contextos que fazem parte da vida do ser humano. Jacques Anatole France, poeta e romancista francês, dizia que “não há castos: somente doentes, hipócritas, maníacos e loucos”. É lógico que tal afirmação é radical demais para um observador mais sensato, porém acreditamos que poucos discordarão de Napoleão Bonaparte quando disse que “quem sabe adular também é capaz de caluniar”. Tenho a impressão de que, atualmente, a hipocrisia está tão impregnada nas relações humanas que em muitos momentos ela é – mesmo quando percebida – consentida e bem recebida pelas pessoas, especialmente as inseguras e com baixa auto-estima ou carência afetiva. 

Quem nunca fez um elogio a alguém apenas para ser gentil ou enaltecer uma qualidade inexistente como forma de incentivo? Ou, ainda, quem nunca foi bajulado escancaradamente? A realidade é que a hipocrisia está aí e, portanto, também está presente no mundo dos negócios e das organizações. Quantos comerciais veiculados diariamente nos vários meios da comunicação são absolutamente verdadeiros na intenção, na mensagem ou nas imagens? Será que não é possível uma empresa patrocinar um atleta, equipe ou clube e, ao invés de dizer que faz isso em prol do desenvolvimento do esporte e da juventude em nosso país, afirmar que só espera um retorno em aumento das vendas, de clientes, da produção e do lucro? Caro leitor, você acharia isso normal e compraria o produto dessa empresa? 

 Outro campo onde a hipocrisia é muito marcante é o da responsabilidade social. Nos últimos vinte anos, tornou-se cada vez maior o número de empresas que sentiram a necessidade de passar uma imagem corporativa socialmente responsável e o fizeram através da propaganda, a forma mais fácil de construir e oferecer ao mercado uma imagem saudável e positiva. Porém, o lucro – e só ele – parece continuar a ser o único propósito de muitas empresas! Inúmeros projetos e programas são inquestionavelmente excelentes em suas concepções e fundamentalmente importantes para a sociedade, contudo, é preciso criar uma nova essência de valor para tratar a responsabilidade social sem hipocrisia. 

 Nas empresas Vamos agora abordar a questão da hipocrisia dentro das empresas. Todo profissional com alguma experiência sabe que pessoas desleais e individualistas existem em quase todas as organizações. Sabe também que puxões de tapete, promoções absurdas, protecionismos incompreensíveis e desrespeitos pessoais ou profissionais não são ocorrências tão raras. Se tudo isso acontece em tantas empresas, é também fácil supor que a hipocrisia, por estar tão impregnada no comportamento humano, seja uma realidade comumente observada dentro das organizações. 

Seguramente, você já passou por alguma situação característica de um comportamento hipócrita. Dentre os inúmeros exemplos que podem ser mencionados, eis alguns: 

• Empregados que ficam após o expediente a fim de mostrar comprometimento e responsabilidade para seus superiores; 
• Funcionários que chegam na empresa e só cumprimentam os superiores; 
• Subordinados que só almoçam com os chefes e evitam os colegas; 
• Aqueles que só elogiam o chefe, mesmo após uma decisão equivocada ou precipitada; 
• Aqueles que agradecem, mesmo não concordando, pela explicação do porquê a promoção foi concedida a outro funcionário e não para si; 
• Aqueles que se desculpam junto ao superior após receber uma “bronca” que não mereciam; 
• Aqueles que elogiam um colega quando ele está presente e, quando o mesmo se retira, criticam-no abertamente; 
• Aqueles que dizem sentir-se privilegiados por fazer parte de uma equipe da qual discordam totalmente. 

 A realidade é que a hipocrisia está sempre presente e é difícil dimensionar com que frequência ela se torna um mal efetivo para as organizações. Um mal necessário? Neste ponto, levanta-se a seguinte questão: é possível criar um ambiente interno absolutamente isento de hipocrisia? É muito difícil, senão quase impossível. Primeiramente, em razão da natureza humana, que, em tantas circunstâncias, engana-se ao aceitar a hipocrisia como uma atitude sincera, educada ou motivacional. Em segundo lugar, porque no mundo corporativo, apesar do esgotamento dos atuais modelos de gestão, ainda não se conseguiu desenvolver um novo modelo em que prevaleça – nas palavras, nos gestos e nas ações – a sinceridade absoluta, o respeito em todos os graus e a franqueza custe o que custar. Imagine um ambiente em que, por pior que fosse a crise, a direção chamasse todos os funcionários e anunciasse, com total franqueza, o corte de alguns deles para viabilizar a manutenção da operação com a lucratividade mínima imposta pelos acionistas. 

O que aconteceria com o moral e comportamento dos funcionários que ficassem? Como seriam escolhidos os demitidos? Como fazer um corte sem protecionismos ou preferências pessoais? Qual seria a posição do sindicato diante dessa situação? Suponha agora um funcionário atender uma reclamação em razão da qualidade e concordar com o cliente que, apesar da certificação ISO 9000, o produto adquirido é o que de melhor a empresa consegue fazer, que o produto do concorrente é superior, mas que espera que, como cliente, ele entenda a situação e continue comprando em razão da franqueza demonstrada. 

Ponha-se no lugar desse cliente. O que você faria ou diria? Certamente, ainda estamos distantes de um ambiente corporativo isento de hipocrisia. Mas não custa sonhar – e desejar – que um dia isso será possível se, desde já, for iniciada uma mudança de conduta de nossas lideranças, com práticas diárias onde prevaleça a franqueza (em tudo que for possível) e o incentivo ao aprendizado sobre o que é hipocrisia e seus malefícios para as pessoas e para a organização. 

 A “desipocritização” (embora a palavra não exista) de nossas organizações será uma das mais árduas tarefas que os grandes gestores do futuro terão pela frente. Por ora, talvez tenhamos que concordar com Rafael Russon quando ele afirma que “a hipocrisia no ambiente de trabalho começa na entrevista de emprego e só termina com aquele e-mail de despedida ao sair”. É uma triste realidade, infelizmente! 
Carlos Alberto Zaffani

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