12 de mar. de 2010

Corrida contra os vícios

Há cerca de quatro anos o advogado empresarial Thiago Trevisan Rocchetti, 29, decidiu mudar de vida: tirou os dois maços de cigarro do seu dia-a-dia. A decisão ocorreu após a morte do seu pai, um fumante inveterado. “Todas as complicações que ele teve foram causadas pelo consumo excessivo do cigarro e isso me marcou muito”, conta. Passado o luto do pai, investiu em exercícios e em dieta, além de optar por cigarros mais fracos. “Intercalava 8 km entre caminhada e corrida. Fui parando de fumar até cortar totalmente.” E mais. No processo, Trevisan emagreceu 14 kg, ganhou disposição e um corpo mais definido. “O cigarro me levou à corrida, e hoje eu tenho mais qualidade de vida.” Serenidade, tranquilidade, bem-estar A atividade física faz com que o organismo libere endorfinas, relacionadas à sensação de bem-estar e responsáveis pela redução da ansiedade e do estresse, importantes no momento em que a pessoa está se desligando de um vício. “Toda vez que tratamos um fumante orientamos para que ele se afaste de momentos que causam ansiedade no dia-a-dia e pratique atividade física. Indicamos, pela facilidade, iniciar com caminhada todos os dias ou andar de bicicleta”, conta o coordenador do Prevfumo (Núcleo de Apoio à Prevenção e Cessação do Tabagismo), Sérgio Ricardo Rodrigues de Almeida Santos. Os estudos realizados no centro de reabilitação mostram que aliar exercícios ao tratamento permite atingir o resultado final em curto prazo. “O grande problema é que as pessoas iniciam o processo com exercícios e depois de um tempo não dão continuidade, aumentando o risco de recaídas. Orientamos adotar a atividade física para a vida inteira, porque ela mantém a motivação para não fumar”, fala o pneumologista. Sionaldo Ferreira, educador físico e professor de Educação Física da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), acredita nos resultados positivos dos exercícios físicos, no combate às dependências. “Sabemos de tentativas de clínicas e centros que dão certo porque os dependentes que se valem da atividade física aguentam mais tempo sem a droga e apresentam menos sintomas de abstinência. O bem-estar causado pelo exercício ajuda na mudança de hábitos, levando a comportamentos saudáveis”, afirma. Fácil entrar, difícil sair Cada dependência tem sua característica e não há como generalizar ou traçar um perfil do indivíduo que tem predisposição para o vício. “A depressão e a ansiedade são os grandes vilões da procura por uma válvula de escape. Quem tem fobia social, por exemplo, pode recorrer ao álcool para se sentir mais à vontade em lugares públicos. Como a bebida, em um primeiro momento, torna a pessoa mais sociável, ela consegue resolver rapidamente o seu problema. E, assim, sempre que precisar, sabe o que fazer”, declara João Carlos Dias, psiquiatra e diretor da Associação Brasileira de Psiquiatria. Entre as drogas lícitas e ilícitas mais comuns consumidas no Brasil estão: álcool, tabaco, maconha, ansiolíticos e cocaína. “O fácil acesso é o principal fator que leva ao consumo e ao vício. Em geral, as primeiras experiências começam aos 12 anos”, explica Elisaldo Carlini, diretor do Cebrid (Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas). Para abandonar a “muleta”, no entanto, as dificuldades são grandes: são necessários, além de muita força de vontade, apoio familiar, tratamentos com psiquiatras e psicólogos e ajuda de núcleos assistenciais. O tratamento para um dependente varia de acordo com as respostas do organismo e não há previsão de quanto tempo a pessoa pode se considerar livre. No Centro de Apoio Alcoólicos Anônimos, por exemplo, os participantes se autodenominam alcoólatras em recuperação por toda a vida. O grande fantasma para quem está em recuperação é a recaída. É aí que a indicação para a prática de exercícios físicos entra como parte do tratamento. “A endorfina e a anandamida são antidepressivos endógenos [produzidos pelo nosso corpo] durante e depois da prática de exercícios, por isso funcionam como agentes `amenizadores´ nas crises de abstinência, evitando possíveis recaídas”, afirma Ferreira. Mais a fundo Tanto cocaína, nicotina, maconha e ansiolíticos como inibidores de apetite criam um estado de bem-estar pelo aumento de metabolismo. Depois, quando passa o efeito, esse aumento cessa, levando à depressão. O educador físico e fisiologista do exercício do Cemafe (Centro de Medicina da Atividade Física e do Esporte) Paulo Corrêa teve uma experiência positiva com a “troca de dependência”, como ele explica: “Propus a uma aluna a troca da maconha diária pela corrida e ela aceitou”. Os 30 minutos de corrida que ele sugeriu produziram benefícios para coração, pulmão e mantinham a frequência cardíaca estável, liberando endorfina (sensação de prazer). “Foi aí que ela compreendeu que se deixasse de usar maconha ela renderia muito mais nos treinos e sua capacidade cardiorespiratória melhoraria muito”, conta. “Os resultados foram ótimos. Ela perdeu peso, ficou mais bonita, sumiu aquele ar de ‘derrubada’, melhorou na vida profissional, aumentou a concentração, ganhou força corporal e abandonou também a bombinha contra asma que carregava”, relata. Mudanças do vinho para a água Mesmo quem já tem o esporte na agenda não está livre dos vícios. A corrida sempre esteve presente no dia a-dia do metroviário Antônio Carlos (nome fi ctício adotado pelo corredor), 48. “Participava de competições e saía para beber depois. Chegou um momento em que eu tive de parar de correr porque não agüentava mais”, relembra Antônio. “Fui campeão paulista de karatê aos 19 anos e saí para ‘bebemorar’ com os amigos”, conta. Esse foi o começo. Durante dez anos (dos 20 aos 30 de idade) ele se tornou um alcoólatra. Não largou o trabalho, mas nos momentos de lazer, quando ia jogar futebol ou encontrar com os amigos, sempre havia bebida. No caso de Antônio, o fundamental para a sua recuperação foi a força de vontade e a paixão pela corrida. Quando a bebida começou a influenciar seu desempenho no trabalho, a assistente social o encaminhou a uma clínica de recuperação, em que ficou internado durante um mês. “Os três primeiros dias são os mais sofridos”, conta. Após a dura temporada na clínica e as crises de abstinência, voltou se sentindo mais seguro e confiante para controlar a bebida. “Não tive problemas em voltar aos esportes. Voltei a caminhar e depois de 15 dias a correr. Hoje nem consigo caminhar (risos), já saio trotando”, estusiasma-se. Desde então ele treina todos os dias no parque do Ibirapuera e na rodovia dos Imigrantes. Como não tem tempo para treinar muito, prefere as corridas curtas, de 5 km e 10 km. “Já ganhei tanta medalha que agora dou de presente. Tenho dois quadros com 100 medalhas e 30 troféus de corridas”, conta. Conto de fadas Ana Luiza dos Anjos Garcez, 44, hoje faz trabalhos para a Federação Paulista de Atletismo, “mora” na pista de corrida do Ginásio do Ibirapuera e dá aulas de corrida para crianças. Mas Ana morou 17 anos na praça da República e na avenida Paulista, passou pela antiga Febem (Fundação do Bem-Estar do Menor), e se viciou em cola. “Logo a cola não fez mais efeito e eu parti para outras opções: maconha e cocaína”, relembra. Mas a vida dela mudou quando começou a correr, aos 36 anos. Segundo Ana, os colegas não acreditaram que ela conseguiria correr, por ser uma usuária de drogas. Mesmo assim, ela se inscreveu em numa prova. “Corri uma maratona. Quase morri. Eu achava que eram só 5 km. Cheguei por último e levei seis horas para completar. Corria e parava, tudo doía. Fiquei seis dias sem andar, sem mexer os braços e depois de uma semana comecei a correr de verdade.” A atleta, que é facilmente reconhecida nas provas de corrida de rua que acontecem em São Paulo, por seu visual descontraído e cabelos com dread, complementa: “Minha droga agora é o esporte. É a melhor que existe. Hoje eu dou resultado, ganho provas e medalhas e sou conhecida como Animal”, diz. Fórmulas nem tão mágicas A economista Carolina Sawaya Bonazza, 30, quando entrou na faculdade, aos 19 anos, resolveu partir para os inibidores de apetite, cansada de lutar contra a balança. “Emagreci dez quilos. Fiquei de bem com meu corpo, mas toda vez que suspendia o uso do remédio, engordava”, fala. Aos 28 anos, resolveu parar com as fórmulas de fenproporex, anfepramona e sibutramina. “Os remédios causam efeitos colaterais fortes. Eu ficava acelerada, o coração disparava.” O psiquiatra Dias explica que no caso de antidepressivos e fórmulas emagrecedoras, a combinação para o corpo é bombástica. A manipulação é composta por duas substâncias que se contradizem. “Uma acalma para controlar a ansiedade e evitar compulsões pelos alimentos e a outra acelera para aumentar o metabolismo e perder peso mais rápido”, explica. A reviravolta na vida da economista veio aos 29 anos. Procurou uma nutricionista, contratou um treinador e mudou seus hábitos. Em um ano enxugou 6 kg. O treinador Rodrigo Galvão foi quem iniciou os treinos de corrida para Carolina. “Para emagrecer, não há exercício melhor que a corrida. Ela requer o trabalho de todos os músculos e potencializa o desempenho cardiorespiratório”, explica ele. Lara Schulze

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