Era tão brutal a tempestade que caía na Zona Sul do Rio, que não espantaria se naquela hora alguém estivesse se apressando em construir uma arca. A maioria dos cidadãos fechava os olhos a tudo para cuidar exclusivamente do dilema de como fugir das águas.
Felizmente, porém, uns poucos seguiam vigilantes e conscientes de suas responsabilidades, de maneira que, em pleno dilúvio, pipocou um alerta rosa-choque nos computadores da Bobags: "Separem a Chanel 2.55 Double Flap preta. Ela vai sair no fim de semana!"
Como a voz de Isabel Braga não dava margem a protelações, no mesmo instante uma funcionária saltou da cadeira giratória, destrancou o grande armário de madeira onde é guardado o acervo da empresa - até meados de fevereiro, uma centena de bolsas assinadas - e alcançou a pérola, meticulosamente enfileirada entre Marc Jacobs, Pradas, Fendis, Moschinos, Balenciagas, Chloés, Diors e Goyards. Com o olho clínico que só uma patricinha puro-sangue sabe ter, Isabel vistoriou toda a bolsa, deteve-se no fecho e na alça, passou o dedo indicador pelo couro preto e, satisfeita, liberou o produto para entrega.
"Esse modelo vintage é objeto de desejo de fashionistas e celebrities do mundo inteiro", explicou em bom português. Naquela manhã de sexta-feira, ignorando o aguaceiro, ela ainda despacharia outros cinco pedidos, todos para o fim de semana. Ou weekend, como prefere. Morena, alta, esguia e com um sorriso de comercial de dentifrício, Isabel poderia passar por irmã da atriz Demi Moore, até porque não chega nem ali na esquina sem esbanjar o inglês. Business, cool, look e clean são algumas das suas palavras preferidas.
Aos 28 anos, ela é a fundadora e ceo da Bobags, um site de aluguel de bolsas de grife que, segundo o texto de apresentação, "surgiu para ser uma extensão do closet das mulheres partindo do conceito de um amplo armário de acessórios que proporcione tantos estilos quantos a criatividade feminina permitir". E não é só isso. A Bobags Corporation, All Rights Reserved, como especifica o site, também garante confidencialidade absoluta à mulher suficientemente criativa para estender o seu closet. As bolsas, levadas em casa por um serviço de delivery que atende do Leblon à Baixada Fluminense, seguem numa sacola de papelão, dessas de loja, só que inteiramente branca, sem nenhum logotipo ou inscrição.
Seria impossível desconfiar, portanto, que em meio à enxurrada viajava uma bolsa francesa lançada em fevereiro de 1955 em matelassê pespontado, cujo preço na loja Chanel da rue Cambon, em Paris, é de 1 800 euros e, em São Paulo, não menos de 7 mil reais. A cliente que solicitara a 2.55 pagaria 198 reais pelo privilégio de bater perna durante todo o fim de semana com a sua Chanelzinha pendurada no ombro. Caso se apegasse ao mimo, teria a opção de estender o convívio por uma semana ou mesmo um mês, ao custo de 387 ou 568 reais.
"Me parece um preço muito justo", pondera Isabel, deixando entrever algo de progressista na missão empresarial da Bobags. No site, ela e sua sócia, Bianca Silveira (que entrou com o know-how operacional), informam que a companhia "acredita no movimento de propriedade transitória numa era onde os ciclos são rápidos, e os acessórios têm que acompanhar essa fluidez". Isabel acordou para a verdade dessa proposta há alguns anos, ao conhecer os sites Sac de Luxe e Feelchic. Em 2008, quando assistia ao filme Sex and the City, constatou o sucesso avassalador do bagborroworsteal.com, um site americano que conseguira levantar 15 milhões de dólares no mercado financeiro para expandir seus negócios de aluguel de acessórios. Isabel juntou coragem, tirou 50 mil reais da poupança, quarenta bolsas do seu próprio armário e em 2009 pôs a Bobags no ar. Desde então, fatura 20 mil reais por mês e mantém mais de 50% das bolsas na rua, a um preço médio de 180 reais por aluguel.
"A bolsa está pronta", informou uma funcionária. O boy pegou o pacote e verificou o endereço. Isabel o despachou com um "Volte logo, please", e pediu que não esquecesse o cheque-caução de 455 reais. Romildo Ramos, um rapaz alto e magro, saiu às pressas, tomou o elevador, pulou num ônibus e, dali a menos de três horas, encharcado, deixaria a Chanel 2.55 num condomínio grã-finíssimo dos confins da Barra da Tijuca. Por ora ele trabalha sozinho, mas Isabel sonha alto: "O Romildo ainda vai ser o meu diretor de logística."
A bobags já possui um cadastro de 1 500 clientes, do qual constam duas atrizes de novela e uma apresentadora da Rede Globo cujos nomes ficam bem trancadinhos. As três sofrem os tormentos de quem não pode aparecer com roupa ou adereço repetido, sob pena de escárnio das revistas de fofoca. Trata-se de um segmento importante da clientela, explica Isabel. Existem outros três: "A mulher que é fã de bolsa e quer fazer um test-drivezinho antes de comprar uma; a que tem pouco dinheiro, mas não abre mão de um look diferente todo fim de semana; e aquela que aluga mesmo só pra gastar o dinheiro do marido."
O futuro testará o feeling empreendedor das duas moças, que, ainda segundo o site, são "amigas há muito tempo, interagem pessoalmente e profissionalmente, além de serem participantes ativas da revolução digital". Nessa condição, pretendem, em breve, introduzir a Bojewels, para a mulher que necessita ampliar e/ou variar o seu cardápio de pingentes, colares, tiaras e pulseiras. Nos planos está também o estabelecimento de um programa de fidelização que dará pontos às Boclients que se mostrarem mais assíduas em suas urgências de diversificação. "É o passo definitivo para estabelecer a holding Bocompanies", ri a simpática Isabel.
O conglomerado surgirá "da experiência de atender mulheres brasileiras nas suas múltiplas funções. Como executivas, atletas, mães, amantes, avós, companheiras: tudo ao mesmo tempo". Uma bênção, sem dúvida, especialmente para a eventual maratonista sexa-genária envolvida nas delícias de uma relação extraconjugal com o CFO da empresa que preside com elevado senso de responsabilidade social. Quando bater aquela necessidade de uma trousse Balenciaga, bastará um clique na internet.
Cristina Tardáguila
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