O episódio que envolveu a estudante da Uniban mostra as consequências de uma administração inadequada
Se crise é igual a oportunidade, como reza a sabedoria chinesa, saber enfrentá-la requer bem mais que uma tomada de decisão.
Foi o que faltou à direção da Uniban, no rumoroso episódio em que a estudante Geisy Arruda foi hostilizada publicamente no campus da instituição, por vestir um microvestido cor-de-rosa. Imagens gravadas por celular e divulgadas pela internet, que mostravam os acontecimentos daquele 22 de outubro, ganharam o planeta. Imagens precárias, tremidas, mas com áudio explícito de gritos histéricos contra a honra da colega.
A resposta veio na velocidade e proporção de uma bola de neve, uma condenação universal à atitude que alguns chamaram de Unitaleban, referência às milícias xiitas conhecidas pela repressão que impõem às mulheres.
A Uniban tomou sua decisão. Bombardeada pela opinião pública do Brasil e de outros países, publicou um anúncio nos principais jornais de São Paulo, duas semanas após a ocorrência, que informava a expulsão da estudante Geisy. Mais: o texto acusava a universitária de "flagrante desrespeito aos princípios éticos, à dignidade acadêmica e à moralidade".
Se o problema era grande, possivelmente tornou-se incontornável, depois que a própria Uniban, assustada com o clamor popular, voltou atrás e readmitiu Geisy.
O ano letivo terminou, mas especialistas em gerenciamento de crises - área que se dedica a administrar problemas inesperados que abalam o cotidiano de uma empresa - concordam que a crise não apenas está longe de terminar como já deixou sequelas para a instituição.
A diretora da agência de comunicação corporativa LVBA, Gisele Lorenzetti, entende que o caso provocou total inversão na imagem da Uniban. Reconhecida até então como um espaço de inclusão, por abrir as portas do ensino superior a um público de menor poder aqusitivo, a entidade transformou-se em símbolo de preconceito. Além disso, analisa Gisele, as respostas que a escola deu ao problema foram totalmente inadequadas. O momento crítico, sem dúvida, foi a expulsão, seguida pelo recuo, em uma demonstração de que a cúpula da instituição não soube em momento nenhum administrar os fatos.
Para Gisele Lorenzetti, isso aconteceu porque a busca da solução foi entregue ao setor jurídico da Uniban, e não à área de comunicação. E, por tratar-se de uma entidade voltada para o ensino superior, seus educadores deveriam ter participado da estratégia da operação, dado o alcance que tomou.
"Um profissional de comunicação provavelmente buscaria as respostas para a crise exatamente entre os educadores, e então faria a comunicação aos vários públicos, mas parece que tudo foi feito na área jurídica e isso é próprio de uma gestão que não se preocupa com a comunicação", explica a executiva Gisele.
Carlos Brickmann, jornalista e diretor de uma empresa de assessoria e gerenciamento de crise, aponta para um cenário ainda mais distante, mas igualmente preocupante:
"É preciso ver, por exemplo, se agora existem problemas entre os possíveis empregadores de estudantes formados na Uniban".
O jornalista vê como quase insuperável o abalo na imagem da Uniban. O impacto alcançou públicos distintos e diferenciados. A começar pelos alunos que lá estudam e, além desses, os pais de jovens que poderiam se matricular na instituição.
"Será necessário um bom suporte financeiro para segurar a queda da imagem dessa marca, que será intensa e longa', explica Carlos Brickmann.
Prever e responder
O caso Geisy pegou de surpresa os gestores da Uniban, certamente mais preocupados com a inadimplência ou com a qualificação dos docentes. Mesmo assim, uma organização que ostenta um leque com várias dezenas de cursos de graduação, em vários Estados, deveria estar preparada para responder a qualquer demanda. Essa é a opinião de Ciro Dias Reis, da agência Imagem Corporativa e presidente da Abracon (Associação Brasileira de Agências de Comunicação).
Uma empresa aérea, por definição, deve saber como se comportar na hipótese de um acidente com um de seus aviões. Um hospital deve considerar a possibilidade de um erro médico ou de uma cirurgia mal sucedida.
"Uma instituição de ensino, que reúne milhares de estudantes, se não pode prever que uma moça com um vestido curto enfrentará problemas, deve ao menos prever a possibilidade de um desentendimento, ou de um tumulto", argumenta Reis.
No processo de elaboração de respostas a uma crise, é preciso considerar todos os públicos por ela impactados, explica Eduardo Prestes, professor de Pós-Graduação da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing), nas áreas de comunicação corporativa e comunicação de crise. Qualquer plano estratégico inclui, na conta do público interno, alunos, professores e funcionários. Perifericamente, entram ex-alunos e seus empregadores. E, prevendo a possibilidade de um incidente ligado à área dos costumes, o público externo deve incluir entidades de direitos humanos e também grupos feministas.
Na opinião do especialista, o planejamento deve ser elaborado por profissionais preparados, que atuem e sejam experientes em comunicação. "Uma ação, assim que for decidida, deve ser comunicada, pois a mídia tem um espaço a ser ocupado, e se a organização não preencher esse espaço que lhe é dado, certamente irá aparecer alguém com interesses contrários", descreve o professor Prestes.
Um compromisso inescapável é responder às demandas da mídia. Um porta-voz deve ser designado para representar a empresa publicamente, dispondo, é claro, de informações precisas e abrangentes. "É preciso segurança total quanto à veracidade dessas informações, senão o problema pode se agravar", explica Carlos Brickmann. O jornalista cita um caso recente em que se viu obrigado a recorrer a comunicados oficiais, na impossibilidade de se designar um porta-voz. Foi no acidente em templo da Igreja Renascer, no início de 2009, em que nove fiéis morreram. Na ocasião, a imprensa mostrou-se extremamente hostil aos líderes da seita, que por sinal cumpriam pena de prisão por crime fiscal, nos Estados Unidos. Assim, a versão da Renascer foi emitida através desses comunicados.
Nos Estados Unidos, programas de prevenção e gestão de crises são hoje comuns, mesmo porque as empresas estão sujeitas a perdas consideráveis em processos judiciais decorrentes de conflitos. Pode ser um processo por assédio sexual. Pode ser a família de um paciente que reclama indenização por sua morte. Qualquer suposta lesão ao direito do consumidor pode motivar um processo. E mesmo que a empresa saia vencedora, arcou com honorários dos seus advogados.
"No Brasil, a quantidade desses processos vem crescendo", conta Ciro Dias Reis. "Poucas empresas, porém, já têm uma conduta elaborada a respeito". Empresas que dispõem de um sistema de alerta certamente estão melhor equipadas para reagir. Quase sempre, contam com comitês de gestão de crise, compostos por representantes de várias áreas - comunicação, marketing, recursos humanos, jurídico - que periodicamente se reúnem e agendam pautas. Esse comportamento, que lembra uma equipe de bombeiros pronta para atender a um pedido de socorro, fornece um ingrediente fundamental no atual universo on-line: agilidade.
"É inadmissível não dar respostas a questões que geram problemas. Não é apenas o público em geral que quer respostas, os investidores, os clientes, os parceiros de negócios, as autoridades, todos exigem respostas rápidas", afirma Reis.
"Obviamente, a imagem da instituição não deve ser trabalhada apenas em momentos de crise", adverte Carlos Brickmann. "Esse comportamento deve ser contínuo e se fundamentar em ações capazes de gerar uma imagem consistente. Quando surge uma crise, já há uma blindagem para a imagem da instituição".
Gisele Lorenzetti, da LVBA, cita exemplos de bom gerenciamento de crise: "A Petrobrás é uma empresa que lida bem com isso; também a Gol parece-me ter gerenciado bem a crise decorrente do acidente ocorrido tempos atrás com um de seus aviões".
Organizações situadas no circuito de empresas de 'risco percebido' - empresas aéreas, mineradoras, companhias de óleo e gás, entre outras - têm também programas de gestão de crise bem elaborados, segundo o professor Eduardo Prestes, da ESPM. O impacto produzido por uma crise pode, muitas vezes, alvejar os chamados "ativos intangíveis", componentes relevantes na composição de um patrimônio. No caso de uma instituição de ensino, as instalações e os equipamentos contam menos que a imagem ou a credibilidade. "Em uma mineradora, o ativo tangível, que é a mina, é muito mais valioso. Já uma escola vive basicamente da imagem e da reputação", ensina Prestes.
Para a Uniban, um instrumento para recuperar o desgaste sofrido pela marca seria investir em ações ligadas a responsabilidade social, defesa da liberdade e da diversidade. O conselho parte do consultor Carlos Monteiro, da CM, empresa especializada em planejamento e gestão de ensino superior. Com essa estratégia, a Uniban poderia combater e apagar as sequelas de instituição autoritária, sem respeito pela liberdade individual. "Isso deve ser mostrado não apenas na comunicação", explica Monteiro, "mas por meio de ações. A Uniban precisa mostrar-se como um espaço de liberdade e respeito à diversidade". Quando priorizou a classe C como seu público-alvo, a instituição soube empreender uma comunicação competente e bem elaborada. Agora, na visão do consultor Monteiro, é hora de reagir.
Em tempo: a Uniban não quis participar desta reportagem.
Um exemplo de recuperação da imagem
Pior universidade do País? Quando foi execrada publicamente como a última classificada nos sistemas de avaliação do Ministério da Educação, em 2008, a pernambucana Maurício de Nassau formou um comitê de crise. Cobrou, de saída, o reconhecimento, pelo próprio MEC, de que o ranking estava incorreto. O reconhecimento foi feito, a imprensa divulgou, mas a imagem já estava comprometida.
O comitê de crise abriu o jogo com alunos e professores, garantindo assim o apoio fundamental de seu público interno. Passou a monitorar sites de internet, com o objetivo de responder a todas as repercussões.
Em seguida, montou uma "agenda positiva", composta por projetos e iniciativas que associavam a Maurício de Nassau ações de responsabilidade social, valorização da cultura e investimentos acadêmicos. Os efeitos positivos não demoraram a aparecer.
"Além de eliminar repercussões com o monitoramento da web, recebemos em novembro um prêmio como instituição de ensino superior mais lembrada pelos pernambucanos", destaca Talita Vasquez, coordenadora da assessoria de imprensa do Grupo Ser Educacional (controlador da Maurício de Nassau).
Para ela, o gestor de processos de crise deve trabalhar para recuperar a imagem da entidade, levando em conta a volatilidade dos meios de comunicação. Dá um exemplo recente: "Bastou o apagão, para o caso da Uniban perder espaço na mídia. Cabe às organizações manter a calma para não tomar medidas precipitadas. Ações judiciais contra os veículos de comunicação que divulgaram o caso podem jogar gasolina na fogueira, ao pautar novamente a imprensa e resgatar todo o histórico da crise", acrescenta Talita.
Uma história mal conduzida desde o início
O episódio que varreu como um tsunami a imagem da Uniban aconteceu na noite de 22 de outubro último, quando a aluna Geisy Villa Nova Arruda, 1º ano do curso de Turismo, compareceu às aulas com um microvestido. Nada que não se veja em shoppings ou lugares da moda, mas o primeiro assobio desencadeou uma reação coletiva de reprovação à moça. Atraídos pelo burburinho, estudantes de outras classes se aproximaram, e a maioria aderiu ao coro que, a essa altura, intercalava palavrões e incitamentos à agressão. O que era provocação, virou histeria coletiva. Geisy, assustada e humilhada, só conseguiu sair do campus escoltada pela polícia.
Alguns celulares, empunhados por alunos mobilizados pelo bizarro episódio, registraram a "perseguição", acompanhada pelo coro ululante da massa.
Na mesma noite daquela quinta-feira, as cenas gravadas eram repassadas na internet, gerando uma repercussão planetária. A Uniban instaurou uma sindicância para apurar a ocorrência. Duas semanas depois, publicou anúncio nos principais jornais paulistas, que comunicava sua decisão de expulsar Geisy Arruda, por alegado desrespeito ao ambiente acadêmico.
Organizações de defesa dos direitos civis empreenderam atos de protesto. O Ministério da Educação exigiu explicações da Uniban. No mundo inteiro, reações indignadas em defesa de Geisy. No YouTube, uma paródia montada mostra Hitler indignado com a pecha de "nazistas" atribuída aos estudantes da universidade, e se justificando: "Nós não perseguimos mulheres!".
A expulsão foi depois revogada pela Uniban, mas o estrago estava feito. Ao longo de várias semanas, a mídia explorou os desdobramentos do fato, transformando a estudante em símbolo da luta contra o preconceito e o cerceamento das liberdades individuais. A repercussão chegou às páginas do "The New York Times", "The Guardian" e do "Pakistan News", para citar alguns títulos. Por todos os lados, a instituição viu-se questionada e não demorou para que seu desempenho nos exames de suficiência fosse radiografado.
O público foi informado, assim, que 38 cursos são mal avaliados no Enade (Exame Nacional de Desempenho de Estudantes). Que nenhum de seus cursos cumpre a proporção mínima de 30% de professores contratados em regime parcial ou integral. Que, no ranking do MEC, denominado Índice Geral de Cursos (IGC), ocupa a 159ª colocação entre as universidades.
O episódio marcou a imagem da instituição para sempre. Se irá prejudicar a ponto de inibir a procura de candidatos aos seus cursos, logo se saberá. Com 70 mil alunos distribuídos em 14 unidades, a Uniban ganhou o status de universidade em 1994.
Estreou 1995 com 6 mil alunos. Na virada do milênio, já tinha 23 mil estudantes. Em 2002, dobrou as matrículas, graças a testemunhais de televisão gravados por Pelé e Martinho da Vila.
Quanto a Geisy Villa Nova Arruda, tornou-se arroz de festa dos programas da tevê aberta. No início de dezembro, impetrou ação cível solicitando indenização, da Uniban, no valor de R$ 1 milhão.
Antonio Carlos Santomauro
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