6 de jan. de 2011

Trabalho na medida

Quanto tempo do seu dia você passa trabalhando? Se já refletiu o mínimo sobre o assunto – e toda vez que falta um tempinho na nossa agenda espremida a gente acaba mesmo pensando nisso –, percebeu que essa resposta tende a ser um número maior do que aquele que você gostaria. Não porque necessariamente você não goste daquilo que faça. Pode até ser que esteja contente com o seu emprego atual – e vamos supor que você realmente esteja. Mesmo assim, o resultado dessa equação (horas de trabalho real x horas de trabalho ideal) tende a ser negativo. No final do dia, a impressão é que passamos tempo demais na frente do computador, em reuniões intermináveis, recebendo ligações, elaborando relatórios... e a nossa rotina de labuta parece nunca ser suficiente para darmos conta de tudo. Essa sensação de dever não cumprido tem a ver, talvez, com a mesma pergunta do início desse parágrafo, mas com uma leve reformulação: quanto tempo do seu dia você passa, efetivamente, trabalhando? Para responder, vamos tentar reconstituir a sua rotina de trabalho: você chega, liga o computador e vai pegar uma água. Dá uma olhada rápida em cima da mesa para ver o que ficou do dia anterior e checa e-mails. À medida que responde as mensagens mais importantes, seus colegas vão chegando e papeando sobre o que fizeram de ontem para hoje. Após alguns (muitos?) minutos de conversa, você começa a trabalhar no relatório do mês e se lembra de uma reunião importante. Depois de uma hora e pouco de reunião, volta para a mesa, lê mais e-mails e trabalha. Logo é a hora do almoço. Na volta, relê e-mails, troca ideia com seus colegas sobre aquele projeto, fala com seu chefe, vai resolver um problema em outro departamento e (finalmente) volta para a sua mesa para terminar o relatório. Mas já é hora de ir embora e a tarefa fica para amanhã. Pois bem, não é de estranhar que você volte para casa com a sensação de o dia não ter rendido como deveria. Por mais estranho que pareça, a verdade é que não conseguimos trabalhar efetivamente no nosso local de trabalho. E essa constatação, tão bizarra quanto lógica, está abrindo novos caminhos para que possamos repensar a nossa relação com o batente. Nova forma Um deles é dos amigos e programadores norte-americanos Jason Fried e David Heinemeier Hansson, que criaram uma empresa de softwares que se tornou uma referência até mesmo para a maioria das companhias acostumadas a atingir o primeiro lugar em famosos rankings de “melhores para se trabalhar”. Isso não significa que eles oferecem um salário milionário nem que permitem que seus funcionários tenham 90 dias de férias. O diferencial é que eles investiram na produtividade de seus colaboradores – e, principalmente, na forma de eles a alcançarem. A primeira constatação diz respeito aos novos anseios dos profissionais, que mudaram muito no decorrer dos últimos anos. Segundo a dupla, os profissionais não estão mais interessados em ganhar dinheiro a qualquer custo nem buscar estabilidade em uma companhia onde não se sentem felizes. “Eles querem fazer algo que amam e ser pagos por isso”, escrevem na apresentação de Rework (“Retrabalho”, em tradução livre), livro recém-lançado nos Estados Unidos, ainda sem edição no Brasil. Até aí, nenhuma novidade, né? Mas, para os jovens empresários, o mais importante é que eles “querem poder trabalhar”. Se você sempre fi ca até mais tarde na empresa e trabalha aos finais de semana, não significa, necessariamente, que tem muita coisa a fazer. É porque você não está fazendo o suficiente no seu trabalho e a razão disso são as interrupções, segundo Fried e Hansson. Para eles, a maioria das pessoas consegue trabalhar melhor no início da manhã ou no fi nal da tarde. “Não é coincidência que esses sejam os períodos em que há menos pessoas à nossa volta”, justificam. “Quanto mais gente ao redor, mais interrupção, e as interrupções acabam atrapalhando e quebrando a rotina. No modelo que temos hoje, estamos fadados a um esquema em que você começa, para, começa, para. E isso não é ruim só para a empresa mas também para o profissional, que passa a ficar cada vez mais descontente com o próprio desempenho e desmotivado.” O consultor de empresas norteamericano Tony Schwartz concorda com a visão de que “a forma como estamos trabalhando não está adiantando”. Essa, aliás, é a frase-título de seu livro, que também vem engrossar a lista de lançamentos que não param de chegar ao mercado editorial gringo para discutir esse novo trabalho. Menos é mais Para ele, vivemos em uma era em que, mais do que nunca, as informações estão muito disponíveis e a velocidade das coisas aumenta exponencialmente, o que nos causa um senso de urgência permanente e uma distração sem fim. “Nós temos mais clientes para atender, mais e-mails para responder, mais telefonemas para retornar, mais reuniões para participar e mais tarefas para fazer. Se não damos conta de tudo, nos sentimos menos capazes e, consequentemente, menos realizados”, afirma Schwartz. E realização é palavra de ordem hoje para os profissionais. Todo mundo quer trabalhar para se sentir completo e feliz, acima de qualquer coisa. Foi em busca disso que o fotógrafo Everett Bogue trocou um emprego bem-sucedido na revista New York por uma rotina mais pacata e tranquila. Cansado da correria das redações, decidiu trabalhar menos. “Eu não via mais sentido em ficar sentado em uma estação de trabalho pelo resto da vida. Hoje, trabalho cerca de duas horas por dia, e o resto do meu tempo me dedico a projetos pessoais, como aprender e praticar ioga, por exemplo”, conta. O estilo de vida minimalista adotado por Bogue mudou suas relações, inclusive com o dinheiro – já que passou a ganhar bem menos para se sustentar. Ele se tornou o propagador de um modo de vida em que viver com menos é, realmente, mais. Lançou um livro (A Arte de Ser Minimalista, sem edição no Brasil) e um blog (farbeyondthestars. com), em que conta sua experiência sobre como é possível ter uma vida mais simples. “Muitos trabalhos são focados em criar porcarias para as pessoas consumirem. O meu foco é criar esperança para quem quer uma vida melhor”, diz. “As pessoas trabalham muito para comprar as coisas que acham que precisam. Mas, quando se dão conta, percebem que não querem comprar e pagar por aquilo que, no fundo, nem precisam.” Consumir menos, para ele, é uma forma de liberdade, pois não exige que você se mantenha em um emprego para ter de bancar um estilo de vida que escolheu. “As pessoas estão percebendo que não precisam – e nem querem – trabalhar feito loucas para comprar o que veem pela frente e podem ter uma relação mais agradável com o ofício que escolheram.” Essa nova conscientização tem a ver com a morte anunciada do mito do workaholic. Muito tempo visto como o herói, o cara que fi cava até bem tarde no escritório, só sabia falar de trabalho na happy-hour da firma e mal tinha tempo para se dedicar à família e aos fi lhos era considerado o profissional ideal. Durante anos, a nossa cultura celebrou o workaholic, mas, agora, percebeu- se como esse modelo é desnecessário – para não dizer estúpido. “Trabalhar mais não significa que você se preocupa mais ou faz mais coisas. Signifi a simplesmente que você trabalha mais”, concluem Fried e Hansson. O verdadeiro herói consegue dar conta dos afazeres para chegar em casa a tempo de brincar com os filhos e não precisa desmarcar a pelada semanal porque ficou preso no escritório. É aquele que prima por ter uma vida fora do ambiente de trabalho – e assim tem tempo livre para viver e até trabalhar melhor. Herança desgastada Essa mudança de mentalidade é gradual, claro. Ainda há empresas que acham que seus funcionários precisam ser os bitolados que praticamente fazem do escritório a sua casa. É uma herança cultural que nos foi legada através dos séculos, portanto é compreensível que leve um tempo para se modificar. “Vivíamos na sociedade industrial, onde éramos ‘mão de obra’ e o bom operário deveria deixar o cérebro e as emoções em casa”, afirma Marcos Cavalcanti, coordenador do Crie (Centro de Referência em Inteligência Empresarial) da UFRJ. “Hoje, vivemos em uma sociedade em que o conhecimento se transformou no principal fator de produção de riqueza, e a criatividade e a capacidade de inovar são essenciais. O drama é que nosso sistema educacional e a maioria das empresas continua a funcionar como se ainda vivêssemos na sociedade industrial.” Prova disso é o horário de trabalho. Por que temos de trabalhar todos na mesma hora? “Porque era assim na fábrica”, justifica. “Para que ela pudesse funcionar, todos tinham de estar nela na mesma hora. Isso não faz mais sentido hoje, pois a atividade industrial representa apenas 15% do trabalho no Brasil. Fazermos todos o mesmo horário só serve para termos engarrafamentos diários”, diz Cavalcanti. Mas essa constatação não vai fazer com que as empresas passem a adotar horários flexíveis e mudem seus ideários, há anos resguardados em missões e visões cunhadas por consultorias que cobram caro demais para isso. Essa nova relação com o trabalho é uma revolução silenciosa, que começa a tomar corpo nas empresas pequenas, mais fáceis de se adaptarem ao novo cenário, como a de Fried e Hansson. As ideias defendidas por eles talvez pareçam ideológicas demais para as grandes corporações e multinacionais que, acima de tudo, precisam seguir modelos globais de organização corporativa. A saída para uma nova relação com o trabalho, defende a dupla, pode começar com você e a sua forma de lidar com o ofício de todo dia. Se as interrupções acabam por minar sua atenção e produtividade, tente se programar para buscar sua “zona de isolamento”. Se seu trabalho (e seu chefe) permite, negocie horários mais flexíveis para executar suas tarefas. Ou decrete um período do dia que você não vai responder a e-mails, atender a ligações e nem marcar reuniões – e, lógico, avise seus colegas e clientes. “Também vale lançar mão de ferramentas de comunicação passiva, como e-mail, que não requer uma resposta imediata. Assim, as pessoas podem dar retorno quando for mais conveniente para elas”, indicam Fried e Hansson. Ou faça dos primeiros ou últimos períodos do dia seu “momento de solidão” para que você possa trabalhar de verdade. Confesso que esta reportagem foi escrita meio assim, nesse esquema de para, retoma, para, retoma. Aqui, na redação, nem sempre é fácil se concentrar. Para terminar o texto, cheguei mais cedo dois dias seguidos, quando o pessoal ainda devia estar tomando café da manhã em casa (e fui embora enquanto eles estavam às voltas com fotos e textos). Foi o meu jeito de conseguir deixar meus afazeres em dia e ter a sensação boa de dever cumprido. Buscar essa flexibilidade e essa realização depende muito de nós. Eu, pelo menos, estou trabalhando para isso. Rafael Tonon

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