Talvez por nunca ter presenciado nem estado no local de uma catástrofe natural, eu fiquei prá lá de chocado com a da região serrana do Rio de Janeiro. Portanto, nem preciso dizer que o desastre ocorrido no Japão é algo que eu não consigo sequer imaginar. Não me atreverei a escrever sobre ele. Fico no meu assunto habitual, a política.
Parece-me evidente – além de obviamente compreensível - que a situação japonesa ofuscou todos os outros assuntos internacionais. Mudou o foco e alterou de maneira drástica, como não podia deixar de ser, a agenda dos chefes de Estado e de Governo de todo o Primeiro Mundo. Essa mudança teve um grande beneficiário: o Sr. Kadaffi.
Se os holofotes tivessem ficado em cima dele, a ONU e/ou as potências ocidentais provavelmente já teriam equacionado alguma forma de intervenção. Mais provavelmente a zona de exclusão aérea, cuja imposição parece ter recebido o sinal verde da Liga Árabe. Tendo acontecido o oposto, o ditador líbio teve plenas condições para reorganizar suas forças e desfechar uma poderosa ofensiva no sentido leste.
O que eu me pergunto é se os chefes de Estado ocidentais estão sendo devidamente alertados por suas assessorias e serviços de inteligência para as gravíssimas implicações da vitória a esta altura provável do ditador.
Foi na região leste – e sobretudo em Benghasi -, que a oposição conseguiu se estabelecer. Benghasi é, portanto, não apenas a segunda cidade e grande centro econômico do país, mas o grande objetivo estratégico-militar de Kadaffi.
A se confirmar o prognóstico de que ele obterá vitórias relativamente fáceis contra o que resta de bases rebeldes no trajeto, Benghasi será alcançada em poucos dias. Concentrando ali as suas forças terrestres e beneficiando-se da vacilação ocidental no tocante à imposição da zona de exclusão aérea, Kadaffi tratará de liquidar os rebeldes em grande estilo.
Tudo sugere, portanto, que Benghasi será o palco de uma grande e sangrenta batalha. Quando Kadaffi chegar às portas da cidade, sua mente doentia deverá estar trabalhando com dois cenários: o imediato, de caráter militar, e o seguinte, de caráter político. E tratando de visualizar como o segundo influencia o primeiro.
Mesmo para um jejuno em Líbia, como é o meu caso, o day after político é relativamente óbvio. O que fundamentalmente o determina é a enorme escala e o radicalismo do levante contra o kadaffismo. A luta está chegando a um mês esta semana : isto num país governado na base do tacape; num país sem Constituição e sem sequer uma oposição consentida, cujo poder está há décadas concentrado nas mãos de uma família.
Deixando de lado os imponderáveis, os sonhos e as utopias, e tentando pensar em termos estritamente lógicos, que sorte aguarda os revolucionários se eles forem mesmo derrotados em Benghasi? Que Kadaffi os libere e anuncie que vai tolerá-los como uma oposição legal? Que lhes sugira organizarem-se em partido para as eleições que ele finalmente terá decidido permitir?
Volto aqui à interrogação que fiz lá em cima: se os governos ocidentais estão devidamente alertados para a gravidade do que pode estar para acontecer em Benghasi, e num prazo bastante curto. O cenário provável é evidentemente um banho de sangue. Kadaffi pode muito bem optar por resolver seu problema político liquidando fisicamente os opositores que restarem após a operação militar.
Se a especulação acima tiver alguma base na realidade, é até possível que a exclusão aérea tenha deixado de fazer sentido. Nesta hipótese, a opção restante ficará entre intervir militarmente, e numa escala provavelmente considerável, ou assistir passivamente ao acting out da selvageria.
Bolívar Lamounier
Nenhum comentário:
Postar um comentário