14 de abr. de 2011

O Menino que carregava água na peneira

Tenho um livro sobre águas e meninos.
Gostei mais de um menino
que carregava água na peneira.

A mãe disse que carregar água na peneira
era o mesmo que roubar um vento e sair
correndo com ele para mostrar aos irmãos.


A mãe disse que era o mesmo que
catar espinhos na água
O mesmo que criar peixes no bolso.


O menino era ligado em despropósitos.
Quis montar os alicerces de uma casa sobre orvalhos.
A mãe reparou que o menino
gostava mais do vazio
do que do cheio.
Falava que os vazios são maiores
e até infinitos.


Com o tempo aquele menino
que era cismado e esquisito
porque gostava de carregar água na peneira


Com o tempo descobriu que escrever seria
o mesmo que carregar água na peneira.


No escrever o menino viu
que era capaz de ser
noviça, monge ou mendigo
ao mesmo tempo.


O menino aprendeu a usar as palavras.
Viu que podia fazer peraltagens com as palavras.
E começou a fazer peraltagens.


Foi capaz de interromper o vôo de um pássaro
botando ponto final na frase.

Foi capaz de modificar a tarde botando uma chuva nela.

O menino fazia prodígios.
Até fez uma pedra dar flor!
A mãe reparava o menino com ternura.

A mãe falou:
Meu filho você vai ser poeta.
Você vai carregar água na peneira a vida toda.


Você vai encher os
vazios com as suas
peraltagens
e algumas pessoas
vão te amar por seus
despropósitos.
Manoel de Barros

Um comentário:

Luz disse...

Amo esse cont
Esse Manoel é mesmo um passarinho, voa té nas palvras... e nos faz voar!
Lindíssimo, mto bem escolhido.
abç

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