Sério. Ontem à noite, na cama, um título me pegou para esta coluna. Em vez de levantar e anotar, como bons repórteres, colunistas e escritores, repeti como o título como se contasse carneiros, até dormir. Quando acordei, tinha sumido.
Este mundo cada vez mais velho é um mundo cada vez mais distraído e esquecido. Não reconheço ninguém. Nome? Iiiihhh. Já quis abrir a porta da casa com a chave do carro e vice-versa. Tenho um dispositivo no chaveiro que apita por controle remoto.
Chaves e óculos são problemas menores. Sempre encontro, mas antigamente memorizava um texto de três minutos. Hoje um minuto e meio é um sacrifício. Para quem trabalha em televisão e não sabe usar o ponto eletrônico (você grava o texto e repete o que ouve), boa memória faz diferença.
Li que mirtilo, ou uva do monte (blueberry, em inglês), fez milagre com a memória dos ratos em labirintos. Desde então, todas as manhãs devoro uma quantidade colossal destas frutas deliciosas, mas não saí do meu labirinto.
Também devorei livros sobre exercícios para melhorar a memória e acompanhava os campeonatos mundias de memórias excepcionais. Não leio mais. É humilhante. Mas acompanho os campeonatos.
Para conquistar o titulo de “Grande Mestre” é preciso decorar uma sequência de mil dígitos - mil, amigo, mil... - em menos de uma hora, a ordem precisa das cartas de dez baralhos, também em uma hora e a sequência das cartas de um baralho em apenas dois minutos. Você já tentou decorar a sequência de dez cartas?
Os grandes mestres são quase todos europeus, um deles é o austríaco Lukas de 22 anos. Ele memoriza a sequência de um baralho, embaralhado, é claro, em menos de um minuto. Em 15 minutos Lukas decora 99 nomes e caras, e em 20 minutos vomita tudo em perfeita ordem. E ainda não é o campeão do mundo, mas aqui entra a salvação de desmemoriados que trabalham na frente de todo mundo e passam a impressão de que sabem do que estão falando: o teleprompter.
Quando o prompter, também conhecido como tp ou “caixa do idiota” - uma das expressões favoritas do Paulo Francis -, foi usado pela primeira vez, pelo ex-presidente Herbert Hoover na convenção republicana de Chicago, em 1952, conquistou os políticos.
Era um trambolho de 30 quilos, mas o público não via as letras na tela. Hoover não escondeu o jogo. Quando começava a improvisar o texto, parava. Quando terminava dizia ao operador: pode rodar.
A grande rede 20th Century Fox, onde trabalhava seu inventor, não se interessou pela invenção. Isto foi dois anos anos antes do sucesso de Hoover. Fred Barton, um ator no começo de carreira e incapaz de memorizar tantos textos, foi o pai da idéia, concebida originalmente para atores. O criador foi Hubert Schlafly, um engenheiro elétrico que trabalhava na Fox. O terceiro sócio foi Irving Berlin Kahn, um sobrinho do compositor Irving Berlin.
Fred Barton trabalhava numa peça na Broadway e em outra na TV, naquela época só ao vivo. Passava horas na decoreba dos textos, entre eles o da novela The First Hundred Years, na CBS.
A invenção de Schlafly pegou mais rápido nas redações de TV. Na década de 50, surgiram os primeiros telejornais, que duravam 15 minutos. Na frente da câmera, parecia um entendiante professor numa mesinha modesta. Don Hewitt, produtor da CBS, queria que seu âncora aprendesse Braille e olhasse de frente para a câmera.
Hubert Schlafly ganhou milhões com sua TelePrompTer Corporation, que se tornou uma rede de TV por assinatura em 140 mercados. Foi também o inventor do primeiro sistema de TV paga, em que os assinantes podiam comprar programas transmitidos por cabo coaxial.
Ha dez anos, o serviço custava uma fortuna. Hoje é possível baixar um teleprompter de graça no iPad, ou comprar um mais sofisticado por US$ 14.99 para o iPad 2, que tem câmera. Com este “tablete” do tamanho de um livro, posso passar horas contando a história dos Estados Unidos ou fazendo uma complexa análise da política americana pós-Bin Laden.
Se o Tiririca é a prova de que o teleprompter não é indispensável para se eleger, eu sou uma prova de que é indispensável para apresentadores de TV. Qualquer jornalista bundão, mesmo um mau leitor de prompters como eu, pode dar a impressão de que sabe do que está falando.
PS: Agradeço ao New York Times por algumas informações que ressuscitei do obituário de Hubert Schlafly. O inventor morreu semana passada. Tinha 91 anos.
Lucas Mendes
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