19 de jun. de 2011

Terra de Santa Cruz


Nas minhas bodas de ouro, esganada como os netos, vou comer os doces.
Não terei a serenidade dos retratos de mulheres que pouco falaram ou comeram.
Porque o frade se matou no pequeno bosque fora de seu convento.
De outras vezes já disse: não haverá consolo. E houve: música, poema, passeatas.
O amor tem ritmos que não são de tristeza:forma de ondas, ímpeto, água corrente.

E agora? Que digo ao homem, ao trem, ao menino
que me espera, à jabuticabeira em flores, temporã?

Contemplar o impossível enlouquece.
Sou uma tênia no epigastro de Deus:

E agora? E agora? E agora?
Onde estavam o guardião, o ecônomo, o porteiro,
a fraternidade onde estava quando saíste,
o desgraçado moço da minha pátria,
ao encontro desta árvore?
Meu inimigo sou eu. Os torturadores todos enlouquecem
[ao fim, comem excrementos, odeiam seus próprios gestos obscenos, os regimes iníquos apodrecem].

Quando andavas em círculos, a alma dividida, 
o que fazia, santa e pecadora, a nossa Mãe Igreja?
Promovia tômbolas, é certo, benzia edifícios novos,
mas também te gerava, quem ousará negar, a ti
e a outros santos que deixam as bíblias marcadas:
"Na verdade carregamos em nós mesmos nossa sentença de morte." 
"Amai vossos inimigos."
O que disse: "Quem crer viverá para sempre",
[este também balouçou do madeiro como fruto de escárnio.].
Nada, nada que é humano é grandioso.

Me interrompe da porta a mocinha boçal. Quer mudas de trepadeira.
Meus cabelos levantam. Como um torturador eu piso
e arranco a muda, os olhos, as entranhas da intrusa
e não sendo melhor que Jó choro meus desatinos.
Sempre há quem pergunte a Judas qual a melhor árvore:
os loucos lúcidos, os santos loucos,
aqueles a quem mais foi dado, os quase sublimes.
Minha maior grandeza é perguntar: haverá consolo?
Num dedal cabem minha fé, minha vida e meu
medo maior que é viajar de ônibus.
A tentação me tenta e eu fico quase alegre.

É bom pedir socorro ao Senhor Deus dos Exércitos,
ao nosso Deus que é uma galinha grande.
Nos põe debaixo da asa e nos esquenta.
Antes, nos deixa desvalidos na chuva,
pra que aprendamos a ter confiança n'Ele
e não em nós.
Adélia Prado
escrita em memória de Frei Tito

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