3 de jun. de 2012

Majestade, agradeça a Diana


Elizabeth II custa a cada britânico, todo ano, R$ 1,64, ou seja, um total de R$ 103 milhões ao Tesouro. Em contrapartida, graças ao turismo da realeza, injeta R$ 1,6 bilhão na economia de seu país. Só neste ano, as comemorações em torno de sua figura e de seus familiares colocarão R$ 32 bilhões no caixa da Inglaterra. A rainha, como se vê, até que é bem baratinha.
Aos 86 anos, ela chega neste fim de semana ao Jubileu de Diamante não debaixo de um clima de “fin de règne”, mas como uma senhorinha cool, simpática, a encarnação da tradição e da perpetuação das instituições inglesas. Oitenta por cento de seus súditos aprovam a monarquia; apenas 13% pensam em república. Quinze anos atrás, a situação era bem diferente: sua reação à morte de Diana mostrou o quanto ela estava desconectada do sentimento da nação. Ao invés de prantear o trágico fim de sua ex-nora, ela se fechou num silêncio palaciano e quase perdeu a coroa.
Não deve ter sido fácil para a jovem Lady Di descobrir na lua de mel que o coração do marido pertencia a outra, e uma outra que era feia, casada e muito mais velha. Se competisse com uma beldade como ela até poderia ter compreendido. Mas que mulher consegue aceitar que perdeu o marido para uma criatura com tantos pontos de desvantagem?
Desde que o mundo é mundo, amantes dividem com esposas as agruras de suportar seus reais companheiros — mas não no final do século 20, a era da liberação da mulher. Não existia mais espaço para aquelas que sacrificavam a vida privada em nome do dever público. Adeus, nervos controlados; na corrida pela popularidade, ganha aquele que chora, ri, confessa que traiu e vai além de cortar fitinhas nos eventos de caridade — é preciso abraçar crianças famélicas, desviar de minas terrestres — e ter amigos em Hollywood e no mundo da moda, claro.
Verdade seja dita: quando disse sim a Charles, Diana até tentou se enquadrar e eclipsou todos os outros membros da família real com seu inegável carisma. Ao invés de aplaudi-la, eles a desdenharam. Ela retribuiu escancarando em público sua infelicidade, sua bulimia e sua solidão, deixando a rainha atônita. Como reagir à ebulição de sentimentos quando tudo o que ela aprendeu na vida era que deveria interná-los, em nome do dever? A morte da princesa configurou-se numa das piores crises que a monarquia britânica já viveu; Elizabeth, que tinha sobrevivido a uma guerra e aos solapos de várias crises econômicas, viu sua popularidade cair a nível nunca antes imaginado.
Então qual a razão do fascínio que Diana exerce sobre o imaginário coletivo? Ter sido uma mulher, mesmo com tudo aparentemente em cima, infeliz e rebelde? No quesito rebeldia, convenhamos, as princesas Caroline e Stéphanie de Mônaco já haviam tocado terror antes dela. Então seriam a infinita bondade e o profundo senso de humanidade? Outras também são caridosas. O que, talvez, fundamente tamanha idolatria é seu papel de protagonista da primeira grande tragicomédia da era da transmissão via satélite, em tempo real. E o povo não a perdoou por ter saído do palco no melhor da história.
A rainha soube tirar do abismo a grande lição: na era das celebridades, os súditos querem ídolos mais próximos, de carne e osso, e não bonecos de cera institucionais acima do bem e do mal. Ela tolerou até que Charles se casasse com Camilla, que, de inimiga pública nº 1, se transformou numa velhinha simpática, cujo trepidante romance passou a ser visto como uma história que venceu 34 anos de obstáculos. A família real entrou para o Twitter, para o Facebook, tem site, tornou mais ágil seu escritório de relações públicas e conseguiu perpetuar um modelo que se reinventa desde Guilherme, o Conquistador. E tem ainda William Kate, que, pouco mais depois de um ano do badalado casamento transmitido via satélite para 2 bilhões de pessoas, mostraram-se com aguçado senso de dever e sensibilidade. Em meio à crise financeira internacional, viajam para suas férias a bordo de aviões de companhias aéreas low-cost; ao invés de se vestir em boutiques de luxo, Kate compra suas roupas em gigantes do varejo popular; e William e o irmão, Harry, não são mais flagrados em baladas, mas sempre voltando de missões militares. O sofrimento de Diana serviu para libertar príncipes e princesas que vieram depois dela; o povo agora quer casamento por amor — e com final feliz, para aliviar seus dias duros e relacionamentos instáveis.
Diana, que ironia, pode ter quase derrubado a coroa dos que tanto mal lhe fizeram, mas acabou mesmo provocando o efeito contrário: ela os ensinou a caminhar para a eternidade.
Bruno Astuto

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