A cachaça vive um momento crucial. O lançamento de bons produtos tem apagado a imagem negativa, mas falta padronização. Cachaça artesanal é, para efeito da lei, igual à aguardente industrial. Sem falar que há muita porcaria produzida em pequena escala. Os rótulos não explicam muito. Confie nos próprios sentidos: se não desce bem, pare de beber. E fique fiel às marcas testadas e aprovadas, como as que nós recomendamos nestas páginas.
Madeiras brasileiras

Uma das coisas que distinguem a cachaça de todas as outras bebidas do mundo é o fato de ela ser maturada em barris de várias madeiras — o padrão internacional é o carvalho.

Amendoim: para começo de conversa, não é a mesma planta que dá o amendoim que você come com cerveja. Madeira neutra, afeta pouco a cor e o sabor da cachaça.
Garapeira: passa mais cor do que sabor.
Freijó: madeira quase neutra, “amansa” a aguardente mas não transmite cor.
Jequitibá: tem poder médio de coloração e aroma, deixa a pinga com notas florais.
Ipê: como o carvalho, deixa bastante cor e doçura, mas com um aroma que lembra o anis. 
Amburana: confere sabores picantes, mas é mais suave e adocicada que o bálsamo. 
Bálsamo: afeta intensamente a cachaça, dando-lhe uma cor dourada e aromas de especiarias, que alguns amam e outros odeiam.
Cana tem terroir?
O conceito de terroir — criado pelos franceses para definir as características que a região produtora confere ao vinho (e, por extensão, a toda bebida ou alimento) — não se aplica à cachaça. Na destilação, evaporam as sutilezas aromáticas de diferentes solos e climas. Sobram procedimentos mais comuns neste ou naquele lugar. Em Paraty (RJ) e na Paraíba, por exemplo, há a preferência por caninhas sem envelhecimento; só em Salinas (MG) se usa o bálsamo; já em Januária (MG), a madeira da vez é a amburana.
Cachaça X rum
Para desgosto dos defensores da cachaça, os estrangeiros insistem em chamar nossa bebida de “rum brasileiro”. Ambos vêm da cana, mas a cachaça é feita de garapa crua, e o rum, de melaço. Como toda regra tem exceção, as ilhas francesas do Caribe — Martinica, Guadalupe e Haiti — fazem rum com caldo de cana cru. Esses se parecem mais com a cachaça.

Como beber
Sobre a cachaça da caipirinha ou caipifruta, há a crença geral de que ela deve ser branca. Não é bem assim: você pode usar cachaças envelhecidas, mas precisa pôr a madeira na equação de sabores e, se for necessário, modificar a receita.
A destilação
Existem dois métodos de destilar álcool: com um alambique e pelo sistema contínuo, de colunas
Alambique
É o método artesanal, menos produtivo. Na base do alambique, a bebida fermentada é aquecida. O vapor sobe, passa por uma serpentina onde condensa, e o líquido sai na outra ponta. Os resíduos permanecem na caldeira, que precisa ser limpa para uma nova destilação. Bebidas: cachaça artesanal, uísque de malte, conhaque, pisco, tequila 100% agave

Destilação contínua (ou fracionada)
No método industrial de destilação, uma coluna é continuamente abastecida de líquido (pela base) e de vapor (pelo topo). O calor do vapor faz com que diferentes substâncias entrem em ebulição em diferentes alturas da coluna, separadas por pratos. Esses pratos coletam as substâncias destiladas, e os resíduos saem pela outra extremidade da coluna. Bebidas: cachaça industrial, vodca, uísque de grãos, armagnac


Consultoria: Cesar Adames, Erwin Weimann (destilados em geral), Mauricio Maia (cachaça), Alexandre Tetsuya Iida (shochu) e Hugo Delgado (tequila)
O uísque é um destilado de grãos: seus principais ingredientes são a cevada, o milho e o centeio. Mas também é uma bebida tão única que merece uma categoria à parte. Ao contrário dos primos vodca e gim, o uísque (whisky para escoceses e canadenses; whiskey para irlandeses e americanos) é sempre envelhecido em barris. A cultura das bebidas também é muito distinta: enquanto os destilados brancos remetem a coquetéis e baladas, o uísque é associado a um ritual mais, hum, sóbrio. As bebidas velhas e caras devem ser degustadas puras e com calma.

Como beber

Se você estiver disposto a degustar um uísque especial, deve servi-lo em copos tipo tulipa (como o de conhaque), em temperatura ambiente e com água destilada (ou mineral) a gosto para reduzir a concentração do álcool e tornar os aromas mais perceptíveis. Bebidas menos caras podem ser tomadas do jeito que você bem entender: em copo baixo com gelo, com club soda ou em coquetéis.


Envelhecimento
-A cor do uísque vem da madeira. O líquido que sai dos alambiques é cristalino como vodca.
- O rótulo de scotch indica a idade do uísque mais novo da mistura engarrafada (um 12 anos pode ter maltes envelhecidos por 18 anos, mas não líquidos de três anos).
- Não existe uísque 8 anos, apesar de muitas lojas, bares e restaurantes chamarem assim as bebidas sem indicação de idade no rótulo. Esses aí são blends de uísques a partir de três anos — envelhecimento mínimo previsto na legislação britânica.
- Quanto mais velho, mais caro será o líquido — devido ao custo de armazenar o produto por décadas.
- Agora, não dá para afirmar que um uísque de 30 anos é melhor que um de dez. Uísques mais velhos são “amansados” pela madeira, mas há quem prefira os jovens e agressivos.
A geografia do uísque

Escócia
Os escoceses despejam 500 milhões de litros de uísque por ano no mercado mundial. O scotch envelhece em barris de carvalho que já foram usados para maturar outras bebidas, como o Bourbon e o vinho de Jerez, na Espanha. O ingrediente mais nobre é o malte. Para fazê-lo, os grãos de cevada são umedecidos e deixados em paz até começar a germinar e ter o amido transformado em açúcares. Aí esse processo é interrompido com a secagem, muitas vezes feita com fumaça de turfa (combustível fóssil que dá sabor defumado).

Estados Unidos
A matéria-prima é o milho — e, em menor escala, o centeio. O envelhecimento em barris de madeira nova, tostados por dentro, dá ao uísque cor, sabor e aromas intensos.

Bourbon: feito com uma mistura de grãos com pelo menos 51% de milho. Pode vir de qualquer lugar do país, mas o Kentucky detém 95% da produção. Chama-se straight bourbon quando envelhece por dois anos ou mais.

Tennessee whiskey: praticamente igual ao bourbon, exceto por ser feito exclusivamente no estado do Tennessee e pela filtragem em carvão.

Rye whiskey: leva ao menos 51% de centeio. Não existem marcas à venda no Brasil.
Irlanda, Canadá e Japão
O uísque irlandês tem boa reputação e a qualidade do canadense varia muito — mas é o japonês (sem importação para o Brasil) que briga de igual para igual com o scotch.




Marcos Nogueira